Vencendo a teimosia
A teimosia é uma (inapropriada) característica humana
facilmente observável. Praticamente onipresente, é
geratriz de muitos dissabores e desavenças. Fala-se
pouco sobre ela como causa de atraso do Espírito, mas,
certamente, está entre as principais. O indivíduo
teimoso tem a tendência de radicalizar em suas opiniões,
deixando pouco ou nenhum espaço ao entendimento. Devido
à sua peculiar maneira de enxergar as coisas, não deixa
saídas ou portas para a construção de um consenso.
Recordo-me de uma pessoa muito querida que,
infelizmente, não conseguia se acertar com a filha
(confesso que conheci outros casos similares). Na
verdade, eram aparentemente duas inimigas – algo comum
no seio familiar terreno ainda – que reencarnaram para
aparar as suas arestas. Mas a intransigência recíproca
as impedia de superar as diferenças, não obstante o laço
familiar. Dessa forma, a vida era-lhes um tormento,
cheia de lamúrias de parte a parte e insatisfação mútua.
Moravam no mesmo endereço, apesar de viverem em casas
distintas, e, no entanto, faziam grande esforço para se
suportarem.
Um dia conversando com a amiga (mãe) sobre as
dificuldades de coexistência entre elas à luz da
Doutrina Espírita, indaguei sobre o eventual fracasso da
presente experiência, bem como a necessidade de
retomá-la mais adiante em outra. Ponderei se não seria
melhor alcançar a paz entre elas agora, já que a
condição familiar favorecia isso. Para minha surpresa,
ela admitiu que não se importava com tal possibilidade
(importante frisar, a bem da verdade, que ela trabalhava
no passe de determinada casa espírita).
Nesse caso, pelo menos, ficou evidenciado que a intensa
teimosia da querida personagem a estava levando a
reviver, numa outra existência, o curso da “tentativa de
convivência pacífica”. Mesmo sabendo do eventual atraso
– ou paralisação no processo evolutivo do Espírito como
vislumbra a doutrina – que tal postura poderia lhe
ocasionar, ela não dava mostras de real preocupação com
o assunto.
Outros há que se acorrentam a uma opinião ou ponto de
vista não abrindo margem a qualquer possibilidade de
revisão. Veem-se, assim, como os únicos portadores da
mais pura verdade na face da Terra. Além disso, dão a
entender por meio das suas ações desconexas que a
sabedoria humana é propriedade exclusiva deles...
É o caso de determinado pastor do estado de Virgínia,
EUA, outra vítima imprudente da covid-19. Sua maneira
radical e insana de enxergar a pandemia, como obra
maligna contrária às leis de Deus, o expôs mortalmente,
já que não acatou as recomendações das autoridades de
saúde do seu país para evitar as suas pregações
religiosas públicas, pelo menos no período mais crítico.
Lamentavelmente, o teimoso não enxerga os perigos
subjacentes da sua distorcida conduta e maneira de ver,
pois os menospreza deliberadamente. Às vezes os trata
até com certo desdém. Para
ilustrar o raciocínio, nada melhor que lembrar as
aglomerações de pessoas mostradas em cidades como o Rio
de Janeiro, apesar dos avisos que reiteradamente temos
recebido das autoridades de saúde sobre a importância do
distanciamento social.
Seja como for, o teimoso não atina com a possibilidade
de estar vendo
apenas meia verdade, se tanto. Não cogita que pode haver
outros elementos circundando os problemas não
corretamente divisados por ele. Claro que o teimoso
tende a ser igualmente orgulhoso, pois, ceder em sua
opinião, soa-lhe como algo inaceitável.
É verdade que não devemos jamais transigir sobre certos
temas como, por exemplo, a questão ética. Penso que
flexibilizar a nossa conduta sobre coisas de cunho moral
pode nos trazer, sem dúvida, grandes transtornos. Mas se
temos o bem como diretriz de vida, não há muito
com o que se preocupar, pelo menos nesse particular, já
que provavelmente não seremos iludidos. Na verdade,
todos nós abrigamos a teimosia em nossa personalidade em
maior ou menor intensidade. Por isso, é preciso
identificá-la e trabalhar para removê-la.
Podemos iniciar tal esforço aguçando a nossa capacidade
de “olhar”. Saber olhar as coisas, fatos e eventos de
maneira crítica nos ajuda a entender melhor o quadro
geral à nossa volta. Desse modo, ao ampliar nossas
possibilidades de visão e discernimento, poderemos,
então, decidir adequadamente. Além disso, consideremos
que os atos de ponderar, analisar, cotejar e verificar
são providências essenciais para quem deseja
efetivamente entender o que se passa. Portanto, diante
das graves situações e ocorrências do cotidiano, usemos
nossa inteligência e espiritualidade para nos indagar:
há algo que não estou vendo? Estou vislumbrando todas as
peças deste quebra-cabeça? Não estou sendo teimoso e
inconsequente ao sustentar os meus pontos de vista?
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