Sexo casual: um estudo espírita
A tradição cristã não tem sido complacente com a
atividade sexual desvinculada de uma relação afetiva
estável. Jesus foi rigoroso nesse particular,
apresentando o conceito revolucionário de “pecado pelo
pensamento”, contraditoriamente à ética judaica, segundo
a qual a infração à Lei de Deus só se dá na
concretização material do ato e jamais no desejo não
materializado. Segundo Jesus, todo aquele que olhar para
uma mulher, cobiçando-a, já no seu coração adulterou com
ela.
Paulo, em suas epístolas, valeu-se do vocábulo fornicação,
combatendo veementemente tal prática. Entende-se
como tal o ato sexual que não é entre cônjuges, ou seja,
o sexo fora de uma relação afetiva monogâmica
consentida. Agostinho
dedicou a obra Dos bens do matrimônio para tratar
dos assuntos relacionados ao casamento, pois somente
através dele seria possível o exercício do “sexo
virtuoso”.
Kardec estabeleceu que as relações monogâmicas
representam um progresso na marcha da humanidade e que
na poligamia, não há afeição real - só existe
sensualidade.
Isso se explica pela própria dinâmica do relacionamento
monogâmico. Uma das características dessa relação,
obviamente, onde estão presentes o respeito e fidelidade
ao outro, é que com a continuidade da vida a dois, os
parceiros vão, naturalmente, modulando seus impulsos
sexuais. As ocorrências do dia a dia, as preocupações
com os filhos e depois com os netos, os processos
paulatinos de envelhecimento da organização física levam
a redução da libido e isso faz com os parceiros aprendam
a permutar os valores afetivos através do beijo, do
abraço ou do diálogo afetuoso.
Tudo isso contribui para o aprimoramento da afetividade,
antecipando numa relação corpórea o que deverá se dar
com o Espírito em sua longa marcha para a angelitude.
Observa-se, como regra geral, uma redução progressiva da
frequência do número de intercursos sexuais em uma
relação monogâmica, sem que os parceiros se ressintam
demasiadamente desse fato.
Assim, a função sexual vai sendo paulatinamente burilada
e as motivações existenciais serão direcionadas para
outras funções da personalidade, contribuindo no
desenvolvimento intelecto-moral da entidade reencarnada.
Tal dinâmica não é observada nas relações múltiplas
entre parceiros não comprometidos afetivamente, onde a
libido, pela variação constante, mantém-se pujante.
Perdem, portanto, as personalidades envolvidas na
relação a oportunidade de sublimarem os sentimentos,
deixando de caminhar em direção a uma vida mais
identificada com os valores do Espírito. Lembra Kardec
que a sobre-excitação dos instintos materiais abafa o
senso moral.
Os autores desencarnados que se valeram da mediunidade
de Yvonne Pereira, Chico Xavier, Raul Teixeira e Divaldo
Franco assumiram o pressuposto de que a prática sexual
ideal seria aquela que se desse entre pessoas
comprometidas por laços duradouros de afeto.
De acordo com Emmanuel, urge situar o sexo a serviço do
amor, sem que o amor se lhe subordine. Valendo-se da
expressiva metáfora do rio e do dique, o benfeitor
propõe que imaginemos o sexo como o rio e o amor como o
dique e coloca: O rio fecunda. O dique controla. O
rio espalha forças. O dique policia-lhes a expansão. No rio,
encontramos a Natureza. No dique, surpreendemos a
disciplina. Se a corrente ameaça a estabilidade de
construções dignas, comparece o dique para canalizá-la
proveitosamente, noutro nível. Contudo, se a corrente
supera o dique, aparece a destruição, toda vez que a
massa líquida se dilate em volume. Tanto quanto o dique
precisa erguer-se em defensiva constante, no governo das
águas, deve guardar-se o amor em permanente vigilância,
na frenação do impulso emotivo.
Tal natureza de pensamento encontra argumentação no
entendimento das finalidades da prática sexual, conforme
apresentadas por Emmanuel, em momentos distintos do
livro Vida e sexo. O sexo casual não se
identifica com essas finalidades, como passamos a
examinar.
A função sexual, segundo Emmanuel, possui três objetivos
fundamentais:
1- Reprodução
da espécie.
2- Permuta
de vibrações amorosas entre aqueles que se amam.
3- Estabelecimento
e manutenção dos elos conjugais.
A mais óbvia das finalidades do sexo é a reprodução da
espécie, presente em espécies evolutivamente bem mais
simples que a nossa. Devemos ao sexo a formação do
tesouro do lar e as alegrias restauradoras da família. O
sexo casual não atende a essas funções, pois está
relacionado, exclusivamente, ao usufruto do prazer, que
não é problemático em si mesmo, mas que não se
identifica com o objetivo citado.
A segunda finalidade do sexo está na permuta de
vibrações amorosas entre aqueles que se amam. Segundo
André Luiz, o amor é o alimento da alma e uma das formas
de nos alimentarmos do amor da pessoa querida é através
da relação sexual.
Isso ocorre porque o instinto sexual não é apenas agente
de reprodução entre as formas superiores, mas, acima de
tudo, é o reconstituinte das forças espirituais, pelo
qual as criaturas se alimentam mutuamente, na permuta de
raios psíquicos magnéticos que lhes são necessários ao
progresso. Tal
como dito anteriormente, o sexo casual também não atende
essa finalidade, pois não está fundamentado numa relação
amorosa, na medida em que busca apenas a satisfação do
desejo, sem compromissos com o sentimento e a
afetividade alheia.
E, finalmente, a terceira finalidade do sexo, por
motivos óbvios, não identificada com o sexo casual:
estabelecer e manter os elos conjugais. O afeto vincula
as criaturas, umas às outras, permitindo-se também o
intercâmbio de hormônios psíquicos, realmente
responsáveis pela harmonia e saúde integral de todos os
seres humanos.
Está bem estabelecido,
hoje, que a cópula provoca em algumas espécies,
inclusiva a humana, comportamentos sociais chamados afiliativos,
através dos quais o macho e a fêmea formam um par
relativamente estável, preparando-se ambos para receber
os filhotes. Os comportamentos afiliativos dessa
natureza são muito importantes biologicamente, pois
protegem a fêmea durante a gravidez, e garantem a
sobrevivência da prole após o nascimento, quando os
filhotes não têm ainda maturidade fisiológica necessária
para a vida independente. O hipotálamo é o principal
integrador do comportamento sexual, e dois
neuropeptídios foram apontados como os principais
moduladores neurais dos comportamentos sexuais: a
oxitocina (ou ocitocina) e a vasopressina. Esses
peptídeos são produzidos por neurônios centrais,
participantes essenciais dos circuitos envolvidos nos
comportamentos sexuais. A vasopressina está envolvida
mais fortemente nos comportamentos sexuais masculinos,
enquanto a oxitocina atua predominantemente nas fêmeas.
Ambos os peptídeos são fortemente secretados durante a
excitação sexual, atingindo o nível mais alto durante o
orgasmo. O cérebro fica assim preparado para emitir os
comportamentos afiliativos e sexuais adequados para as
situações de acasalamento ou de cuidados com a prole.
Nesse particular, a prática sexual humana é
especialmente curiosa. Nossa atividade sexual ocorre em
privacidade. Chimpanzés e praticamente todas as outras
espécies de mamíferos se acasalam em público. Em
praticamente todas as culturas humanas, contudo, fazer
sexo em público é considerado ofensivo, vexatório, sendo
usualmente ilegal. Por que isso? Fazer sexo privadamente
estabelece um elo especial entre os parceiros. Há todos
os tipos de emoções intensas rodeando a sexualidade
humana e os parceiros têm que vivenciar essas emoções
exclusivamente entre eles, isolados de todos os demais
membros do grupo. Por esse motivo, o orgasmo é
acompanhado de uma descarga maciça de oxitocina, que
promove a vinculação, gerando um sentimento de ternura,
de carinho de um pelo outro e o desejo de continuarem
juntos, prezando o relacionamento.
Joanna de Ângelis, em obra de 2007, se reporta a esses
recentes avanços da neurociência, quando comenta que o
amor, na função sexual, é muito importante, mesmo do
ponto de vista fisiológico, porque a liberação da
oxitocina proporciona harmonia, já que esse hormônio é
responsável pela sensação de paz que os parceiros
experimentam no clímax da coabitação. A máquina cerebral
é tão extraordinária na sua funcionalidade que, nesse
momento, também libera opioides que respondem pela
satisfação e alegria derivadas da comunhão orgânica,
impossibilitando os atritos e as disposições agressivas.
Desse modo, a comunhão sexual contribui poderosamente em
favor da harmonia entre os parceiros, melhorando os
grupos sociais, evitando as costumeiras agressões e
crueldades. Nos indivíduos satisfeitos sexualmente e
harmonizados, sem os conflitos angustiantes e
perturbadores da insegurança, da timidez, da
inferioridade, predominam a alegria de viver, o
bem-estar em relação à existência, o desejo natural da
procriação, da proteção à família, da boa luta em favor
do progresso pessoal e da comunidade.
Habitualmente, são relacionados ao sexo casual alguns
problemas.
As doenças sexualmente transmissíveis são praticamente
inexistentes entre casais que vivenciam uma sexualidade
monogâmica. Aids, sífilis e outras venereopatias são
apanágios do sexo casual. Algumas delas, que já se
encontravam em declínio, voltaram a crescer, como a
sífilis, que nos últimos anos teve sua prevalência
aumentada em centenas de vezes. Ginecologistas têm se
reportado a casos de sífilis em adolescentes de 12, 13 e
14 anos.
A gravidez na adolescência é também problema relacionado
ao sexo casual. A
gravidez na adolescência é atualmente um dos mais
significantes problemas sociais em todo o mundo. No
Brasil, dados da Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) mostram que a
maioria das mães solteiras é do interior do Nordeste e
tem entre 10 e 14 anos. Esses mesmos dados indicam que
25% das meninas entre 15 e 17 anos que deixam a escola o
fazem por causa da gravidez, que assim vem se tornando a
maior causa de evasão escolar. A gravidez precoce e suas
complicações são a principal causa de mortalidade entre
adolescentes do sexo feminino de 15 a 19 anos, sendo a
terceira causa de óbitos entre as mulheres no Brasil,
perdendo apenas para homicídios e acidentes de
transportes.
Examinando o tema, Joanna comenta que na adolescência a
realidade e a fantasia confundem-se, proporcionando à
imaginação soluções de fácil ocorrência para qualquer
desafio, particularmente no que diz respeito aos
relacionamentos afetivos.
Lembra também que havendo filhos, como resultado da
afetividade desgovernada, mais complexo torna-se o
quadro da convivência que, infelizmente, termina em
separação litigiosa, com acusações pesadas de parte a
parte, assinalando profundamente a psique da prole,
quando cada um dos litigantes não se escuda nos filhos
para melhor ferir o outro, a quem atribui a culpa do
insucesso.
E coloca, ainda, a autora espiritual, que a
predominância dos impulsos sexuais na fase juvenil do
ser humano está a merecer expressiva contribuição
psicológica e educacional, a fim de que se possam evitar
os desastres que decorrem da insensatez e da
precipitação.
O uso excessivamente precoce do sexo acompanha-se, como
visto, de consequências muitas vezes lamentáveis:
gravidez prematura, distúrbios emocionais, viciações
sexuais, desmotivações para as diferentes atividades
dessa fase da vida, na medida em que erótica
precocemente ativada, por sua natureza altamente
prazerosa, acaba centralizando todos os interesses do
adolescente, que perde notáveis oportunidades de viver
de forma saudável essa etapa da vida orgânica.
Necessário acrescentar ainda como dificuldades
relacionadas ao sexo casual as frustrações afetivas, o
tormento íntimo pela busca vulgarizada do prazer e a
insatisfação constante decorrente de uma prática sexual
que pode aliviar a tensão, mas que não enriquece a
personalidade.
Segundo Emmanuel, conferir
pretensa legitimidade às relações sexuais irresponsáveis
seria tratar "consciências" qual se fossem "coisas", e
se as próprias coisas, na condição de objetos, reclamam
respeito, que se dirá do acatamento devido à consciência
de cada um?
A ausência de sentimento superior no ato sexual, segundo
Joanna, dá
surgimento a contatos apressados, destituídos de
significado emocional, que não chegam a produzir a
harmonia interior esperada, nem a saciedade, antes
induzindo a novas e variadas experiências, na busca
mágica de intérmino prazer que mais cansa do que produz
bem-estar.
Referindo-se às relações sexuais fortuitas, oriundas de
buscas virtuais, Joanna de Ângelis comenta que os
relacionamentos virtuais através da INTERNET, quando,
cada qual oculta os conflitos e transfere-os para a
responsabilidade de outrem, ensejam encantamentos
paradisíacos, despertam paixões vulcânicas, resultantes
todos das insatisfações acumuladas, instalando perigosos
transtornos neuróticos de consequências lamentáveis.
Ressalta, ainda, Joanna que o sexo deve ser exercido com
a valiosa contribuição do amor, que estimula a produção
dos hormônios propiciatórios ao prazer e ao equilíbrio,
sem a pressa dos indivíduos psicologicamente
irrealizados, tanto quanto daqueles que, saturados de
experiências bizarras, esperam satisfação apenas
orgânica, sem a contribuição da emoção plenificadora.
André Luiz, por sua vez, comenta que o instinto sexual a
desvairar-se na poligamia, traça para si mesmo largo
roteiro de aprendizagem a que não escapará pela
matemática do destino que nós mesmos criamos. Lembra
André que a monogamia é o clima espontâneo do ser
humano, de vez que dentro dela realiza, naturalmente,
com a alma eleita de suas aspirações a união ideal do
raciocínio e do sentimento, com a perfeita associação
dos recursos ativos e passivos, na constituição do
binário de forças, capaz de criar não apenas formas
físicas, para a encarnação de outras almas na Terra, mas
também as grandes obras do coração e da inteligência,
suscitando a extensão da beleza e do amor, da sabedoria
e da glória espiritual que vertem, constantes, da
Criação Divina.
Religião
dos Espíritos, cap. 53
Roberto
Lent, Cem bilhões de neurônios?
Por
que odiamos, Rush W. Dozier Jr.
Encontros
com a paz e a saúde, cap. 9
IBGE,
Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística. Indicadores Sociais Brasileiros.
2000.
Encontros
com a paz e a saúde, cap. 5
Encontros
com a paz e a saúde, cap. 9
Evolução
em dois mundos, cap. 18, parte I
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