Operações de catarata e dentaduras...
Ao saudoso Dr. Pimentel, coautor da façanha
“Nas grandes calamidades, a caridade se emociona e
observam-se impulsos generosos, no sentido de reparar os
desastres; porém, a par desses desastres gerais, há
milhares de desastres particulares que passam
despercebidos. (...) São esses infortúnios discretos e
ocultos que a verdadeira generosidade sabe descobrir,
sem esperar que peçam assistência.” (1)
Um amigo, ao receber convite para auxiliar nas despesas
de operação de catarata em um pai de família, honrado e
trabalhador, mas que não dispunha de meios para
curar-se, respondeu ao interlocutor: – Só participo da
catarata. Para a dentadura, não posso contribuir. – Ora,
de que dentadura você fala?
Relatou-lhe, então, porque esta entrou na história.
Um outro amigo nosso, que também cultiva o salutar
hábito da bondade, buscando auxiliar necessitados que
não têm meios de sair das agruras que enfrentam,
vivenciou a dupla experiência (da catarata e da
dentadura).
Não nos faltam oportunidades para fazer o bem.
Aqui, a enfermidade; ali, a fome; além, a ignorância. E
ele sempre encontra meios para amenizar sofrimentos,
dividindo as despesas com aqueles que o conhecem, nele
confiam e respeitam essa sua capacidade de, não sabemos
como, localizar em lugares distantes, criaturas anônimas
que sofrem dificuldades extremas. São os “Filhos do
Calvário”.
Certa feita localiza, em sítio distante, um casal de
velhos vivendo miseravelmente. Para agravar a penúria, o
velhinho estava quase cego, cegueira essa causada
por catarata mais do que madura.
Prontifica-se a auxiliá-lo e o traz para a cidade.
Realizada a consulta médica e os exames prévios, a
operação é feita com sucesso.
Acompanha a recuperação, com a aplicação dos
medicamentos prescritos.
Liberado pelo médico, cuida de devolvê-lo à sua morada,
onde permanecera a esposa.
Recebido efusivamente pela
companheira, que o abraçava, voltou-se para ela,
tristemente: “–
Minha veia, como ocê tá acabada e tão feinha!...”
Na obscuridade da cegueira, não lhe via defeitos, nem
rugas, nem velhice; mas, agora, senhor da luz,
valorizava outra vez a beleza! E via os estragos que o
tempo fizera na face de sua boa mulher. Algo
irremediável, que só agora pudera ver!
Como não acompanhara as marcas que a velhice nela
imprimira implacavelmente, assustou-se com os sinais do
tempo, e o fato o pegou de surpresa. Não obstante,
estava conformado, mas registrava essa circunstância,
até como prova de que realmente a visão lhe fora
restabelecida.
Contudo, o mesmo benfeitor, comovido com aquele desfecho
inesperado que presenciara, conduziu agora a velhinha ao
dentista e encomendou-lhe belo par de dentaduras. Após
essa providência, deu-lhe um banho de loja,
melhorando-lhe o aspecto e devolvendo-a, por fim, ao seu
esposo, bem melhorada.
E, para surpresa dos velhos e bons amigos, dividiu com
eles também esta segunda conta, aceita e paga, entre
boas gargalhadas!
Na situação jocosa em que involuntariamente se envolveu,
viu outra oportunidade para, mais uma vez, servir com
alegria.
E dela tira – para ele e para nós –, com elevado senso
de humor, lições para a vida, amando sempre aos seus
semelhantes, até mesmo aos amigos, aos quais dá exemplos
e oportunidades de socorrerem os infortúnios ocultos.
É assim que pratica a Caridade, e o faz por inteiro!
1. KARDEC, Allan. O
Evangelho
segundo o Espiritismo.
Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. Impr. Brasília:
FEB, 2013. Cap. 13, it. 4, p. 173.
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