Espírita ou espírita? Que trazes contigo?
Em tempos de pandemia somos naturalmente estimulados a
observar e sentir o meio de convivência de maneira
diferente e mais serena, bem como refletir com natural
cuidado e profundidade sobre nossa situação evolutiva; é
oportunidade de desfrutar os ganhos advindos desse
momento tão diferente e especial que estamos passando, e
indagar de nós mesmos: Como extrair dessa experiência um
substancial aprendizado evolutivo?
Parafraseando Guimarães Rosa, “sou figura reduzida e de
pouco aparecimento. Quase que nada sei, mas desconfio de
muita coisa”, essa desconfiança salutar sobre nossas
conquistas evolutivas é o presente que podemos receber
do Espiritismo ao nos interessarmos em estudá-lo
metodicamente, como sugere o codificador na introdução
de O Livro dos Espíritos, Item VIII.
A inspiração para escrever esse texto veio de uma
recordação em um momento especialíssimo de estudos de O
Livro dos Espíritos, quando Allan Kardec grafa, na
primeira parte (Do Princípio Vital - Questões de 01 a
75), espírito com “e” minúsculo para fazer referência ao
princípio inteligente e, apenas na segunda parte (Do
Mundo espírita ou Mundo dos Espíritos – Questões 76 a
131), a palavra Espírito passa a ser escrita com “E”
maiúsculo, destacando o ser individualizado. Que detalhe
extraordinário e quão zeloso foi o codificador!
Estimulado pelo encadeamento dessas ideias e inspirado
no método admirável, surgiu outra lembrança luminosa
sobre os tipos de espíritas que constam em O Livro
dos Médiuns – Item 28, e ocorreu-me, então, a
indagação: utilizando a metodologia do codificador pelo
critério da letra maiúscula/minúscula, como ficaria essa
aplicação?
Recordando algumas palestras de confrades e conversas
fraternas com irmãos do Movimento Espírita, identifiquei
alguns personagens interessantes e curiosos nessas
recordações:
O Espírita silencioso, que pouco fala e produz muito,
de forma simples e desinteressada, está sempre disposto
a auxiliar e nunca recusa convite de trabalho, costuma
ser pouco notado por não provocar ruído, e estar ocupado
nas tarefas mais singelas, construindo sua paz interior.
O “espírita de pijama” que, no conforto de sua poltrona,
demonstra indignação profunda e reclama com veemência
sempre que assiste, nos meios televisivos, a matérias
que relatam injustiças sociais e desprezo pelo ser
humano e, no entanto, raramente são encontrados nas
frentes de trabalho efetivo, padecem de dificuldade para
colocar a mão na massa e, quando na casa espírita, estão
sempre fazendo reparo em condutas alheias e criticando
com rigor encarnados e desencarnados.
O Espírita de um livro só vive com recursos financeiros
muito modestos e, assim, não goza de facilidade para a
aquisição de obras diversas e de se aprofundar
doutrinariamente. Escolheu como companheiro inseparável
de sua existência o evangelho, dedica sua energia em
aplicar os ensinamentos que aprende na convivência
cotidiana com seus semelhantes, tratando-se de um
servidor dedicado que consagra sua vida a seguir e
servir na seara de Jesus com simplicidade.
O “espírita enciclopédico”, portador de um conteúdo
extraordinário de informações armazenadas consigo, é
devorador contumaz de livros, estudos e pesquisas,
carrega represado em seus registros mnemônicos toneladas
de informações que não consegue escoar, traduzindo em
conhecimento libertador, mas padece de pesada
inquietação íntima, pela sensação de estar sempre
incompleto.
O Espírita servidor, uma alma serena sempre em busca de
direção e oportunidades de servir, é capaz de doar os
últimos recursos que guarda no bolso para atenuar o
sofrimento e a dor alheia, entrega seu próprio agasalho
sem fazer esforço e, reconciliado com sua história de
vida, vive com simplicidade e desapego.
O “espírita marqueteiro”, cuja característica evidente
nesse personagem é alardear seus feitos e destacar sua
bondade, tem profunda admiração por si e não guarda
dúvidas sobre seu relevo espiritual; costuma ficar
abrigado na bolha do ego, como alguém que se basta a si
mesmo e eventualmente sai para pregar sua bondade
vaidosa.
O Espírita aprendiz está sempre buscando compreender
para fazer e conviver melhor; reconhece suas limitações
e, por isso, é perseverante no esforço de conhecer a
doutrina consoladora que abraça com dedicada atenção e
apreço; trabalhador incansável, está sempre pronto a
servir.
O “espírita missionário”, de voz melíflua e dócil, este
se comporta como alma necessária e insubstituível,
sempre sobrepondo conhecimentos e distribuindo conselhos
e soluções para todos os dramas humanos; age em
conformidade com sua crença pessoal de que é alma
redimida e está na Terra para edificar Espíritos
endurecidos com sua bondade.
Ponderando nessas considerações, vale refletir sobre a
pergunta que consta no capítulo XVI - item 09 do E.S.E.:
“Que trazes contigo?”.
Conta-se que Chico Xavier, esse ESPÍRITA que todos
respeitamos e admiramos, foi perguntado certa vez sobre
se o seu destino, depois de tantas obras realizadas no
bem, seria “o céu”, ao que ele aquiesceu e, em seguida,
completou CEU-Centro Espírita Umbral.
Feitas essas considerações fraternas, cabe uma indagação
íntima: Qual posição nos aguarda na espiritualidade?
Fontes:
O Livro dos Espíritos
O Livro dos Médiuns
O Evangelho segundo o Espiritismo
Grande Sertão Veredas.
Maurício Rodrigues é articulista e
palestrante espírita em Brasília (DF).
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