Zaqueu
Dentre tantas personagens impressionantes dos tempos
apostólicos, a figura de Zaqueu é uma das que me falam,
mais de perto, ao coração.
Zaqueu representa a possibilidade e a capacidade de
mudança para melhor, intrínseca a todos nós.
Isto porque ele era um chefe dos publicanos, ou seja,
era alguém incompreendido, marginalizado, até, entre os
seus. Não que a ojeriza não tivesse a sua razão de ser,
afinal, alguém que vivia faustosamente, luxuosamente,
usufruindo de uma riqueza oriunda da coleta de impostos,
para o odiado dominador estrangeiro, no caso, os
representantes do Império Romano, não podia angariar a
simpatia generalizada.
Apesar disso, desde o seu encontro com Jesus de Nazaré,
Zaqueu nunca mais se permitiu ser o mesmo de antes, ao
contrário de muitos de nós, que mesmo falando e
estudando sobre os atos do Cristo de Deus, por anos a
fio, muitas vezes, ainda patinamos ao invés de
avançarmos, resolutos.
Vejamos o registro evangélico sobre o acontecimento que
mudou a vida daquele chefe da coletoria de impostos:
“E, tendo Jesus entrado
em Jericó, ia passando. E eis que havia ali um
homem, chamado Zaqueu; e era este um chefe dos
publicanos e era rico. E procurava ver
quem era Jesus e não podia, por causa da
multidão, pois era de pequena estatura. E, correndo
adiante, subiu a uma figueira brava para
o ver, porque havia de passar por ali. E, quando
Jesus chegou àquele lugar olhando para cima, viu-o e
disse-lhe: - Zaqueu, desce depressa, porque, hoje, me
convém pousar em tua casa. E, apressando-se, desceu
e recebeu-o com júbilo.
E, vendo todos isso, murmuravam,
dizendo que entrara para ser hóspede de um homem
pecador. E, levantando-se, Zaqueu, disse ao
Senhor: - Senhor, eis que eu dou aos pobres metade dos
meus bens; e, se em alguma coisa tenho defraudado
alguém, o restituo quadruplicado.
E disse-lhe Jesus: - Hoje, veio a salvação a esta casa,
pois também este é filho de Abraão. Porque o Filho do
Homem veio buscar e salvar o que se havia perdido.” Lucas,
19: 1-10.
Em primeiro lugar, convém atentarmos para o fato de que Zaqueu quer
dizer, literalmente, “puro, inocente, o que tem pureza”.
Ou seja, em que pese ter enriquecido de maneira ilícita
e ocupar uma função tão desprezada pelos seus
conterrâneos, ele, em essência, era puro, estava apenas
desviado do caminho.
Jericó,
segundo os especialistas, quer dizer “perfumado” e era
conhecida entre os antigos como a “cidade das palmeiras”
– lá existiam muitas nascentes, muitas fontes de água
potável e, por conseguinte, sempre atraiu gente, tanto
mais em terras áridas como as do Oriente Médio.
É considerada uma das cidades mais antigas do mundo e
uma das que mais foram habitadas continuamente, isso
desde há mais ou menos 11.000 anos atrás, segundo dados
dos arqueólogos, que já encontraram vestígios de cerca
de 20 assentamentos no mesmo local, datando o mais
recuado no tempo, até agora encontrado, de uns 9.000
anos antes do Cristo!
Na tradição judaico-cristã, Jericó é tida como a cidade
de retorno dos hebreus após a escravização no Egito, sob
a liderança do patriarca Josué, que foi o sucessor de
Moisés.
Um local de relevância para os israelitas, portanto,
onde Zaqueu ocupava um posto proeminente.
De acordo com Humberto de Campos, em Boa Nova (capítulo
23, O servo bom), aquela era a última viagem de Jesus a
Jerusalém, antes do martírio na cruz.
Acontece que, de acordo com o evangelista, Zaqueu era
prejudicado verticalmente e, em razão das multidões que
o meigo Rabi da Galileia atraía por onde passava (daí
podemos deduzir, por óbvio, que a fama de Jesus o
precedia, literalmente, o que não é de causar espanto,
ao visualizarmos a massa de gente compactada, por
exemplo, diante de líderes religiosos de hoje), o
publicano, de maneira muito inteligente, traçou seu
plano para poder enxergar o Nazareno.
Ele analisou a situação e percebeu que o Mestre haveria
de seguir por uma determinada rota, na qual, mais
adiante, havia um sicômoro, ou uma figueira brava, de
acordo com alguns registros. Então, correu,
despregando-se da turba e subiu na árvore.
O episódio singelo, registrado apenas por Lucas, nos
ensina que para conseguirmos nos conectar ao Cristo é
preciso, em primeiro lugar, querer ardentemente, desejar
sinceramente: Zaqueu não se deixou abalar pelo fato de
ser pequeno (física e espiritualmente) e estar
embrenhado na multidão, ao contrário, correu,
desapegou-se da massa, na qual perdemos a própria
individualidade – basta observarmos os fenômenos
psicológicos de histeria coletiva em estádios de
esportes, o público fanatizado e ensandecido em blocos
carnavalescos e, no grau mais abjeto da escala, os
crimes de ódio propagados em redes sociais, os quais,
infelizmente, culminam por cruzar a fronteira tênue
entre o falar e o agir, originando, até, assassinatos.
Em seguida, ele subiu na árvore que ali existia,
ou seja, para vermos o Cristo, de verdade, devemos nos
esforçar e subir. Sem a elevação do próprio padrão
vibratório, mantido por nossos pensamentos e atos, não
será possível tal encontro.
E, uma vez detectado o Cristo interior, é preciso que o
recebamos em nossa morada mental, psíquica (“me
convém pousar em tua casa”), ofertando-lhe um
banquete, celebrando, festejando intimamente o
acontecimento (“recebeu-o com júbilo”), para que
Ele queira permanecer. Afinal, um hóspede tão ilustre
merece um tratamento “vip”.
Mas o ensino não para por aí: notemos que os fiscais da
vida alheia, firmes plantonistas, “murmuravam”,
acusando Jesus de se hospedar na casa de um pecador, um
“chefe dos publicanos” (é preciso imaginarmos o
tom de desaprovação e desprezo, a um só tempo), além de
tudo, “rico”.
Ah! a nada boa e velha, arcaica, inveja!!
É o chamado “preconceito reverso”: “- Se é rico, não
pode ser bom!” Tudo bem, que em nosso país, de uns
tempos para cá, os noticiários de política se
transmutaram em casos de polícia, em situações que se
repetem como filmes da “Sessão da Tarde”, em enredos
batidos, nos quais “criminosos de colarinho branco”,
entenda-se, criminosos travestidos de políticos,
usurpadores do dinheiro público que enriqueceram
ilegalmente, carregam ou mandam carregar malas de
dinheiro de um lado para o outro e, às vezes, deixam-nas
descansar em algum apartamento vazio; mas não podemos
generalizar e afirmar que todo rico é mau caráter,
afinal, há gente que amealhou uma grande fortuna
trabalhando honestamente.
Mas não parecia ser esse o caso de Zaqueu – a sua
própria consciência o denunciou - no entanto, a
diferença é que ele, elevando o padrão vibratório, uma
vez mais (“levantando-se”), fez, imediatamente,
uma “mea culpa” e se prontificou a reparar os próprios
erros, ressarcindo em quatro vezes mais aqueles a quem
houvera prejudicado, além de partilhar, pela metade, a
própria riqueza, dividindo-a com os pobres.
Façamos agora um esforço imaginativo e nos deleitemos,
por instantes, visualizando o Brasil transformado, com
escolas e hospitais públicos funcionando a pleno vapor,
com estradas e ruas bem pavimentadas, esgotamento
sanitário e água tratada para toda a população, com
níveis de violência urbana (e rural) baixíssimos, um
país onde não faltassem postos de trabalho e salários
dignos, enfim, “um paraíso na Terra”!
Acredito que se todos os que amealharam fortunas
rapinando os cofres públicos adotassem como padrão o
comportamento de Zaqueu, convertido, o devaneio se
tornaria realidade. O único problema é que eles, por
enquanto, não dão mostras de que andam à procura de
Jesus...
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