Ilusão é fuga
Existe uma
história muito bonita contada pelo Irmão X, no livro Estante
da Vida, psicografado por Francisco Cândido Xavier,
com o título “Parábola do Servo”, no qual ele narra as
dificuldades pelas quais passa um Espírito nobre, até
alcançar a condição de servo de Deus, isto é, daquele
que traz dentro de si o Reino de Deus com a pureza e a
humildade que ele representa, às quais Jesus se refere
no capítulo VIII, de O Evangelho segundo o
Espiritismo.
Nosso
narrador fala, em verdade, do nosso caminhar e das
ilusões fantasiosas que criamos para fugir ao
compromisso assumido, diante das leis divinas, de sermos
os gestores de nossa própria evolução espiritual, únicos
responsáveis pelas consequências de nossos atos,
palavras ou ações, que podem nos impulsionar ou nos
atrasar nesse processo de crescimento.
Assim, segundo a história que o benfeitor espiritual
narra, tornamo-nos, primeiramente, provedores, na medida
em que nos preocupamos somente com nossa apresentação
pessoal, com a casa onde moramos, com o ano e o modelo
do carro que temos e, até mesmo, com o uso dos recursos
materiais na prática do bem, por intermédio da
distribuição de alimentos, remédios e agasalhos. É
louvável nosso comportamento, mas é necessário que
aprendamos a plantar as bênçãos do amor.
E novamente retornamos ao planeta, em nova oportunidade,
mas preocupados ainda com a opinião alheia. Muitas
vezes, de posse de grandes valores ou de cargos
elevados, ajudamos a construir estradas, escolas, casas,
estimulamos as artes, ajudando dessa forma milhares de
pessoas. Realizamos o que nos é possível naquele momento
evolutivo, dentro da nossa capacidade de entender o que
seja amar ao próximo como a nós mesmos. Entretanto,
mesmo realizando muito, somos tão somente
administradores porque não cultivamos a lavoura do amor.
Depois, nos são dadas outras novas oportunidades de
voltar à matéria e avançamos mais um pouco,
tornando-nos, então, benfeitores, na medida em que, por
meio de ganhos, podemos assalariar empregados que nos
representem junto aos necessitados, distribuindo
socorro, consolação, criando instituições que abriguem
as misérias humanas. Todavia, apesar de todo o nosso
empenho em dar condições para que muitas pessoas possam
ajudar, em nosso nome, aos necessitados de todos os
quilates, ainda não conseguimos semear o amor.
Mas Deus, Pai de misericórdia, concede-nos mais
retornos, até que aprendamos a abandonar as ilusões. E
despreocupados com as aparências, com a posse de bens,
renunciando a todas as vantagens que esses bens possam
trazer, sejam títulos, nome de família, recursos
financeiros, ou posição social, entregamo-nos,
pessoalmente, em benefício dos outros, preferindo ser
úteis: sossegando aflições alheias, apagando discórdias
que poderiam levar a crimes, dissipando as trevas da
ignorância, lutando para que a luz alcance as criaturas,
levantando os caídos da estrada da vida sem nos
incomodarmos com a calúnia, a perversidade ou a
ingratidão. E agora, mais conscientes dos nossos
compromissos junto aos semelhantes, e mesmo acreditando
que ainda não merecemos o título de servos, ei-nos
atravessando o lugar onde o céu se encontra com a Terra
e onde se inicia a claridade celeste, cobertos de
glória, coroados em luzes.
Esta história do Irmão X convida-nos a profunda reflexão
acerca da nossa preparação para avançarmos um pouco mais
no nosso progresso espiritual. Hoje, ainda, precisamos
de balizas que nos coloquem na rota certa. Por isso, os
ensinamentos de Jesus são tão importantes, pois não
conseguimos caminhar sozinhos por medo de nos soltarmos
das ilusões.
A passagem evangélica contida no oitavo capítulo, citada
acima, tão conhecida e tão mal interpretada, mostra-nos
que precisamos ter pureza e humildade em nossos corações
– como uma criança, símbolo tomado por Jesus –, deixando
de vez esse coração que ainda abriga sentimentos
inferiores que a criança ainda não tem. O símbolo é
importante porque temos, de um lado, essa criança física
representando a pureza de coração, que para Jesus quer
dizer o “amor a todos os semelhantes”, enquanto que do
outro lado temos o adulto, representando o sentimento
contrário, ou seja, o egoísmo que quer dizer o amor
individualista e apego a tudo que signifique posse
pessoal.
Por conta disso somos fracos, viciosos, doentes da alma,
crianças espirituais que precisam do Mestre para que nos
tornemos fortes, puros e saudáveis.
A
consciência desse amor, existente em nós desde a nossa
criação, que nos transformará em servos de Deus, requer
exercício constante, intenso e prolongado. Necessitamos
superar o provedor, o administrador e o benfeitor; é
fundamental derrubarmos a muralha que nos separa do Pai,
para alcançarmos, em definitivo, o título de servo. O
modelo a ser seguido, Jesus; o caminho a ser percorrido,
a ação no bem; a bússola a ser seguida, o Evangelho.
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