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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

Orgulho: principal enfermidade do espírito


O Espiritismo continua desempenhando, firme e resoluto, o sagrado papel de alertar as criaturas sobre os perigos e armadilhas do caminho ascensional, o que as afastam da plena felicidade. Nesse sentido, nada mais danoso para a paz do indivíduo do que a imprudência de albergar em seu íntimo o vírus do orgulho. A história humana, aliás, está eivada de infelizes registros onde ele imperou função devastadora à harmonia geral. Por essa razão vale indagar onde estão as poderosas águias romanas ou as suásticas nazistas, que um dia pretenderam levar os seus aderentes ao ápice do poder e da glória? Como tudo que não carrega a luz em seu cerne, ocupam apenas e tão somente capítulos isolados dos desenganos e estultices humanas.

A propósito, o Espírito Emmanuel, na obra A Caminho da Luz (psicografia de Francisco Cândido Xavier), esclarece mais precisamente que “Da orgulhosa cidade dos imperadores não restaram senão pedras sobre pedras. Sob o látego da expiação e do sofrimento, os Espíritos culpados trocaram a sua indumentária para a evolução e para o resgate no cenário infinito da vida, e, enquanto muitos deles ainda choram nos padecimentos redentores, gemem sobre as ruínas do Coliseu de Vespasiano os ventos tristes e lamentosos da noite”.

Desse modo, creio que destino não muito melhor deve ter atingido igualmente os profitentes da supremacia da raça ariana, que, no entanto, viram a sua amada Alemanha destruída na 2ª Guerra Mundial pelos avassaladores bombardeios dos aliados. Mas como o aprendizado é demorado, mais recentemente vimos o orgulho nacional ser brandido por um líder da mais poderosa nação no planeta ao declarar presunçoso e egoísta “America first”, como se os outros povos do mundo também não tivessem direito à felicidade e ao bem-estar. Assim sendo, enquanto a humanidade não expungir a mazela do orgulho, não obterá a tão sonhada paz e prosperidade planetária.    

No entanto, devemos reconhecer que o orgulho não se cinge exclusivamente às nações e povos. Seus tentáculos vão muito além, levando os indivíduos a atitudes e comportamentos altamente comprometedores à sua saúde espiritual. Por outro lado, é forçoso também reconhecer que a maioria das pessoas o possui ainda em maior ou menor grau. Em outras palavras, muito poucos conseguiram eliminá-lo por completo. Seja como for, extirpá-lo é tarefa de todos que almejam, de fato, o progresso interior, habilitando-se, assim, para avanços mais expressivos do Espírito imortal na seara de Deus.

Ademais, é preciso reconhecer que a espiritualidade maior tem sido extremamente generosa ao propor mudanças fundamentais no comportamento humano nesse particular. Claramente identificado como o maior defeito humano e, por extensão, causa de enorme infelicidade, os mentores espirituais têm sido precisos quanto à necessidade imperiosa de sufocá-lo. 

Por exemplo, Allan Kardec, n’O Evangelho segundo o Espiritismo, alerta-nos para as quedas decorrentes da nossa própria culpa, isto é, da nossa imprevidência, orgulho e ambição. As suas meticulosas investigações fizeram-no concluir que “[...] Incontestavelmente, é o orgulho que induz o homem a dissimular, para si mesmo, os seus defeitos, tanto morais quanto físicos. Semelhante insensatez é essencialmente contrária à caridade, porquanto a verdadeira caridade é modesta, simples e indulgente.  [...]”. Vê-se, assim, que o indivíduo orgulhoso tem enorme dificuldade em reconhecer a sua própria deficiência moral, bem como dela se libertar. Por isso, o Codificador considerou que “[...] Se te enterras no teu orgulho, oh! quanto então te lamento, pois bem digno de compaixão serás”.

Já no livro O Espírito da Verdade (psicografia de Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira), o Espírito Cairbar Schutel pondera que “O melindre – filho do orgulho – propele a criatura a situar-se acima do bem de todos. É a vaidade que se contrapõe ao interesse geral”. De maneira similar, Kardec observa que o orgulho nos estimula a nos julgarmos ser mais do que somos, assim como a nos vermos acima dos nossos irmãos por qualquer termo de comparação. Kardec é absolutamente enfático quanto ao mal daí derivado ao declarar: “O orgulho é o terrível adversário da humildade. [...]”. Mais ainda, “[...] Todos os males se originam do egoísmo e do orgulho. [...]”. Segue daí a sua pertinente recomendação: “[...] Aplicai-vos, portanto, em destruí-lo, se não lhe quiserdes perpetuar as funestas consequências. Um único meio se vos oferece para isso, mas infalível: tomardes para regra invariável do vosso proceder a lei do Cristo, lei que tendes repelido ou falseado em sua interpretação”.

Portanto, cabe indagar quantos mal-entendidos, desavenças, rompimentos, agressões e até mesmo crimes são gerados pelo orgulho ferido? Certamente incontáveis, que culminam em destruição de possibilidades excepcionais de evolução, bem como consequências tenebrosas para as partes envolvidas. Por isso, não vemos outro antídoto para esses potenciais arroubos da personalidade do indivíduo a não ser a adoção de volumosas doses de bom senso, serenidade, preces e reflexão, antes que o ácido do ego machucado irrompa de maneira intempestiva. 

Aprofundando ainda mais as suas considerações e análises, Kardec observa que Jesus – a quem temos por modelo perfeito de virtudes – coloca a humildade na categoria das qualidades que nos aproximam do Criador, enquanto o orgulho e os vícios nos afastam dele. De fato, não vemos no Mestre qualquer laivo dessa natureza. Apesar da sua sublime condição evolutiva não há registro de qualquer deslize por ele cometido nesse aspecto. Ao contrário. Tratou a todos indistintamente com atenção, amor e benevolência ímpares.

Para Kardec, “O egoísmo, chaga da Humanidade, tem que desaparecer da Terra, a cujo progresso moral obsta. Ao Espiritismo está reservada a tarefa de fazê-la ascender na hierarquia dos mundos. O egoísmo é, pois, o alvo para o qual todos os verdadeiros crentes devem apontar suas armas, dirigir suas forças, sua coragem. Digo: coragem, porque dela muito mais necessita cada um para vencer-se a si mesmo, do que para vencer os outros. Que cada um, portanto, empregue todos os esforços a combatê-lo em si, certo de que esse monstro devorador de todas as inteligências, esse filho do orgulho, é o causador de todas as misérias do mundo terreno. É a negação da caridade e, por conseguinte, o maior obstáculo à felicidade dos homens”.

No entanto, o ser humano ainda insiste no orgulho da sua proeminente posição social, dos seus títulos acadêmicos ou honoríficos, da sua beleza, da sua inteligência, da sua fé, das suas supostas qualidades e, pior de tudo, das suas opiniões e forma de se ver a vida. Nesse sentido, já repararam quantos moldam a verdade, por exemplo, à sua maneira particular de entendê-la? Não é essa, a propósito, uma clara demonstração de orgulho?

Diferentemente do sábio que busca enxergar o quadro geral antes de qualquer iniciativa - a chamada big Picture -, o orgulhoso vê apenas o que lhe interessa e convém. Por isso, escapa-lhe o completo entendimento dos fatos, das pessoas e das suas necessidades. A sua cegueira é tamanha que não vislumbra outras possibilidades e ângulos dos acontecimentos que poderiam melhor nortear as suas ações. Por faltar-lhe a necessária imparcialidade e equilíbrio, julga as situações movido por vieses e distorções típicos da alma profundamente doente, que ainda não tem conhecimento do mal que acalenta.

Mas chegada a hora da reparação, consoante a lei de causa e efeito, passa por experiências lancinantes geralmente desencarnando como um verdadeiro derrotado moral. Não bastasse isso, a futura reencarnação – se outras não forem necessárias – normalmente se dá sob tristes cometimentos para que se efetue a necessária purificação do Espírito. Conforme esclarece Kardec, “Os sofrimentos devidos a causas anteriores à existência presente, como os que se originam de culpas atuais, são muitas vezes a consequência da falta cometida, isto é, o homem, pela ação de uma rigorosa justiça distributiva, sofre o que fez sofrer aos outros. Se foi duro e desumano, poderá ser a seu turno tratado duramente e com desumanidade; se foi orgulhoso, poderá nascer em humilhante condição; se foi avaro, egoísta, ou se fez mau uso de suas riquezas, poderá ver-se privado do necessário; se foi mau filho, poderá sofrer pelo procedimento de seus filhos etc.” (ênfase minha).  

O portador do orgulho e do egoísmo estão, ainda conforme Kardec na introdução d’O Livro dos Espíritos, muito próximos da “natureza animal”. Portanto, é incontestável o atraso que tais Espíritos renitentes incorrem ao agir dessa maneira. Seguindo essa linha de pensamento, aconselha-nos o Espírito Joanna de Ângelis, na obra Rumos Libertadores (psicografia de Divaldo Pereira Franco): “Sob disfarce algum, não agasalhes o orgulho, nunca, pois que ele é o inimigo mais hábil prevenido contra o teu progresso espiritual” (ênfase minha).

Desse modo, aprendamos a nos conhecer verdadeiramente. Olhemos para as nossas almas com atenção e seriedade a fim de não destilarmos orgulho e prepotência em nossas atitudes. Tenhamos a coragem moral de admitir – se encontrarmos tal anomalia dentro de nós – (1) o orgulho que adorna a nossa personalidade e (2) trabalhar com afinco para corrigi-lo.

Como também nos aconselha Joanna de Ângelis:

Precata-te contra as urdiduras do orgulho, esse filho inditoso do egoísmo, que dizima tantas esperanças quanto o câncer.

Nem sempre se te desvelará em toda a sua purulência moral. Maquiavélico, insinua-se disfarçado de melindre, e, nas suas susceptibilidades, infiltra-se na mente, aturdindo, dilacerando o coração, enquanto, e simultaneamente, verte ácido violento que expele vapores letais...

[...]

Afasta as criaturas umas das outras e desarticula os mais bem programados trabalhos edificantes.

Está em todo lugar, porque gerado no imo do homem pelas suas imperfeições, encontra-se onde este se apresenta.

Vigia-lhe o surgimento e combate-o com decisão, sobretudo com humildade.

O orgulho se alimenta das diatribes que arremessa e se compraz nas mágoas que infunde.

Após estabelecidas as suas tenazes destruidoras, se concede momentânea liberdade às suas vítimas, é para torturá-las com o acanhamento, a inquietação, a injustificável distância e a dificuldade em separar ou refazer o caminho percorrido, em retorno necessário...” (ênfase minha).

Por fim, não deixemos que esse mal, essa verdadeira doença espiritual, atrapalhe a nossa evolução e progresso. Se os sintomas de tal enfermidade ainda dormitam dentro de nós, trabalhemos por vencê-los para que não advenham sobre nós sofrimentos desnecessários. Se ainda houver oportunidade de desfazermos o mal praticado por causa do nosso orgulho e insensatez, melhor nos apressarmos...
  

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita