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por Leda Maria Flaborea

 

A inevitável solidão humana


Diante do aparente silêncio do Universo, o homem encontra-se absolutamente só. De todos os seres da Natureza, somente ele vive só, porque deve viver consigo mesmo. E é natural que assim seja, pois é o único que pode, através do processo evolutivo ao qual se encontra submetido, ser consciente da sua condição de criatura, do mesmo Criador de tudo que existe ao seu redor. Essa condição se ser consciente, portanto pensante e responsável pelos seus pensamentos, é o que o diferencia de todos os outros seres viventes que habitam o Universo e aonde mais o imaginário de cada um puder levar.

Nessa condição, tornamo-nos assim – homens que somos – diferentes entre si por características que nunca se repetem, pois inerentes à condição de criaturas divinas e juízes dos próprios atos. Apenas nós e somente nós nos condenamos, nos absolvemos, criando para nós as punições que tantas vezes nos martirizam a existência, num processo de culpas que parece não ter fim. Nem mesmo o deus punitivo, celebrado por diferentes crenças, é capaz de tanta perversidade quando se trata de punir faltosos. Não necessitamos de advogados que nos defendam, nem de promotores que nos acusem. Nossos atos representam todo um processo de acusações ou aprovações pelos quais nossa consciência, juiz implacável, nos demandará as penas que se fizerem justas. Está aí, certamente, o maior erro que cometemos. Autoflagelamo-nos psiquicamente, criando quadros de punições que se refletem, com o tempo, nas doenças do Espírito e do corpo material. Doenças psíquicas inexplicáveis, doenças físicas de diagnósticos impossíveis...

Orgulho e egoísmo são certamente duas molas que movem os homens nesse julgamento. Imaginando-se sabedor de todas as coisas, não admitindo errar e vendo-se diante do fato inconteste, impõem-se penas tão severas como a mostrarem a si próprios que podem suportá-las, porque se julgam mais fortes e mais corajosos diante das tribulações inerentes à existência terrena. Não têm misericórdia para consigo e não terão, certamente, para com os outros. Penas brandas ou perdão pelos próprios erros não fazem parte das atitudes de quem se julga mestre, e não aprendiz da Vida. Essa posição, na maioria das vezes inconsciente, acaba por levar a comportamentos de rebeldia, inconformismo e intolerância para com tudo e com todos que os cercam, como vítimas perenes da existência. Tempo roubado na caminhada evolutiva...

Ninguém consegue penetrar nesse recesso, e somente na solidão de suas experiências e lembranças podem os homens encontrar-se consigo mesmos e com Deus. Essa viagem interior é absolutamente necessária, mais cedo ou mais tarde, mas deve ser feita sempre sozinha. Impossível ser de outra forma. Pretender fugir à própria consciência é tarefa inútil. Talvez se consiga por algum tempo, mas mesmo quando acreditamos não ter que prestar contas de nossos atos a quem quer que seja, nem ao nosso juiz interior, percebemo-nos falando sozinhos. Sozinhos? Realmente alguém fala sozinho? E quem é esse interlocutor com quem falamos? Por ventura, não será nossa consciência a nos direcionar caminhos?

As ciências humanas nos dizem que o homem é um ser gregário e isto é um fato. Em nenhuma outra circunstância podem-se colocar em prática os valores morais indispensáveis à nossa evolução, a não ser na troca e nas oportunidades que surgem, quando nos relacionamos com o outro. Entretanto, as resoluções que tomarmos ao vivenciar esses valores serão, incontestavelmente, individuais e, nesse momento, ninguém, absolutamente ninguém, deverá interferir sem que com isso acarrete prejuízos para ambos. A decisão de um ao aceitar ou não as sugestões do outro será de sua total responsabilidade, porque será sua a escolha; o outro, ao sugerir o que quer que seja, estará assumindo diante de sua consciência a responsabilidade por todas as consequências que advierem de sua interferência.

É importante não se perder de vista que ao falarmos de interferência não incluamos as amorosas orientações que recebemos dos que nos querem bem e que nos acenam, dentro do possível, com possibilidades que nos permitam escolhas acertadas ou, ao menos, com menores chances de erros e, portanto, com menores comprometimentos futuros. Se para quem ouve e segue as sugestões recebidas a responsabilidade é grande, para quem orienta ela não é menor, pois em nome desse bem querer quantos enganos se tem cometido. Nesse momento, somente o bom senso, o comedimento e o equilíbrio devem ser as molas propulsoras de cada ato, de ambas as partes, quando existirem as condições de discernimento para tal.

Sempre a escolha para o Espírito... Sempre a solidão do Espírito...

Mas, mesmo sendo o homem um ser gregário, se tivermos o olhar um pouco mais atento, perceberemos esse ser só. Igual a todos os corpos do Universo, os homens se atraem e se repelem num constante movimento de aproximação e afastamento. Tantos chegam e passam em nossas existências. Seres simpáticos ou não, respirando a mesma atmosfera de desejos e ideais, ou contrários às nossas expectativas, vão e vêm, enriquecendo-nos sempre, porque aprendemos sempre, mesmo que só venhamos a nos dar conta disso muito mais tarde. Todavia, apesar de toda movimentação ao nosso redor, permanecemos sozinhos.

E como assusta essa solidão para aqueles que confundem essa intrínseca necessidade com a ausência constante ou não de pessoas ao redor! Quantos buscam permanecer na superficialidade das relações por medo de estarem sós... Sensação de abandono ou profundo receio de ficar só consigo mesmo que se traduz, muitas vezes, pela aceitação de qualquer coisa, em lugar de nenhuma. Perde-se qualidade com a ilusão de se ganhar em quantidade; banalizam-se ideais e esperanças em troca da não tomada de posição perante seu juiz interior. Porém, cedo ou tarde, teremos de nos colocar frente a frente com nossa consciência.

Entendemos claramente essa imensa dificuldade que o ser humano tem em não enxergar a riqueza do seu mundo interior, postergando esse encontro com seu íntimo; de não se sentir capaz de realizar dentro de si as mudanças necessárias que o levarão a entender, de vez, que pode caminhar junto com outros, embora totalmente isolado na sua individualidade.

Se a troca é imperativa ao crescimento, ela é também igual para todos. Uns caminham já à nossa frente; outros, todavia, ainda se encontram mais atrás. Entretanto, existe a imensa massa de seres que como nós prosseguem com as mesmas dificuldades, em busca do progresso. Podemos, certamente, nos dar as mãos ajudando-nos mutuamente, amparando-nos uns aos outros, até mesmo nos solidarizando, mas ninguém caminhará por nós. É tarefa individual, intransferível e absolutamente solitária.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita