A inevitável solidão humana
Diante do aparente silêncio do Universo, o homem
encontra-se absolutamente só. De todos os seres da
Natureza, somente ele vive só, porque deve viver consigo
mesmo. E é natural que assim seja, pois é o único que
pode, através do processo evolutivo ao qual se encontra
submetido, ser consciente da sua condição de criatura,
do mesmo Criador de tudo que existe ao seu redor. Essa
condição se ser consciente, portanto pensante e
responsável pelos seus pensamentos, é o que o diferencia
de todos os outros seres viventes que habitam o Universo
e aonde mais o imaginário de cada um puder levar.
Nessa condição, tornamo-nos assim – homens que somos –
diferentes entre si por características que nunca se
repetem, pois inerentes à condição de criaturas divinas
e juízes dos próprios atos. Apenas nós e somente nós nos
condenamos, nos absolvemos, criando para nós as punições
que tantas vezes nos martirizam a existência, num
processo de culpas que parece não ter fim. Nem mesmo o
deus punitivo, celebrado por diferentes crenças, é capaz
de tanta perversidade quando se trata de punir faltosos.
Não necessitamos de advogados que nos defendam, nem de
promotores que nos acusem. Nossos atos representam todo
um processo de acusações ou aprovações pelos quais nossa
consciência, juiz implacável, nos demandará as penas que
se fizerem justas. Está aí, certamente, o maior erro que
cometemos. Autoflagelamo-nos psiquicamente, criando
quadros de punições que se refletem, com o tempo, nas
doenças do Espírito e do corpo material. Doenças
psíquicas inexplicáveis, doenças físicas de diagnósticos
impossíveis...
Orgulho e egoísmo são certamente duas molas que movem os
homens nesse julgamento. Imaginando-se sabedor de todas
as coisas, não admitindo errar e vendo-se diante do fato
inconteste, impõem-se penas tão severas como a mostrarem
a si próprios que podem suportá-las, porque se julgam
mais fortes e mais corajosos diante das tribulações
inerentes à existência terrena. Não têm misericórdia
para consigo e não terão, certamente, para com os
outros. Penas brandas ou perdão pelos próprios erros não
fazem parte das atitudes de quem se julga mestre, e não
aprendiz da Vida. Essa posição, na maioria das vezes
inconsciente, acaba por levar a comportamentos de
rebeldia, inconformismo e intolerância para com tudo e
com todos que os cercam, como vítimas perenes da
existência. Tempo roubado na caminhada evolutiva...
Ninguém consegue penetrar nesse recesso, e somente na
solidão de suas experiências e lembranças podem os
homens encontrar-se consigo mesmos e com Deus. Essa
viagem interior é absolutamente necessária, mais cedo ou
mais tarde, mas deve ser feita sempre sozinha.
Impossível ser de outra forma. Pretender fugir à própria
consciência é tarefa inútil. Talvez se consiga por algum
tempo, mas mesmo quando acreditamos não ter que prestar
contas de nossos atos a quem quer que seja, nem ao nosso
juiz interior, percebemo-nos falando sozinhos. Sozinhos?
Realmente alguém fala sozinho? E quem é esse
interlocutor com quem falamos? Por ventura, não será
nossa consciência a nos direcionar caminhos?
As ciências humanas nos dizem que o homem é um ser
gregário e isto é um fato. Em nenhuma outra
circunstância podem-se colocar em prática os valores
morais indispensáveis à nossa evolução, a não ser na
troca e nas oportunidades que surgem, quando nos
relacionamos com o outro. Entretanto, as resoluções que
tomarmos ao vivenciar esses valores serão,
incontestavelmente, individuais e, nesse momento,
ninguém, absolutamente ninguém, deverá interferir sem
que com isso acarrete prejuízos para ambos. A decisão de
um ao aceitar ou não as sugestões do outro será de sua
total responsabilidade, porque será sua a escolha; o
outro, ao sugerir o que quer que seja, estará assumindo
diante de sua consciência a responsabilidade por todas
as consequências que advierem de sua interferência.
É importante não se perder de vista que ao falarmos de
interferência não incluamos as amorosas orientações que
recebemos dos que nos querem bem e que nos acenam,
dentro do possível, com possibilidades que nos permitam
escolhas acertadas ou, ao menos, com menores chances de
erros e, portanto, com menores comprometimentos futuros.
Se para quem ouve e segue as sugestões recebidas a
responsabilidade é grande, para quem orienta ela não é
menor, pois em nome desse bem querer quantos enganos se
tem cometido. Nesse momento, somente o bom senso, o
comedimento e o equilíbrio devem ser as molas
propulsoras de cada ato, de ambas as partes, quando
existirem as condições de discernimento para tal.
Sempre a escolha para o Espírito... Sempre a solidão do
Espírito...
Mas, mesmo sendo o homem um ser gregário, se tivermos o
olhar um pouco mais atento, perceberemos esse ser só.
Igual a todos os corpos do Universo, os homens se atraem
e se repelem num constante movimento de aproximação e
afastamento. Tantos chegam e passam em nossas
existências. Seres simpáticos ou não, respirando a mesma
atmosfera de desejos e ideais, ou contrários às nossas
expectativas, vão e vêm, enriquecendo-nos sempre, porque
aprendemos sempre, mesmo que só venhamos a nos dar conta
disso muito mais tarde. Todavia, apesar de toda
movimentação ao nosso redor, permanecemos sozinhos.
E como assusta essa solidão para aqueles que confundem
essa intrínseca necessidade com a ausência constante ou
não de pessoas ao redor! Quantos buscam permanecer na
superficialidade das relações por medo de estarem sós...
Sensação de abandono ou profundo receio de ficar só
consigo mesmo que se traduz, muitas vezes, pela
aceitação de qualquer coisa, em lugar de nenhuma.
Perde-se qualidade com a ilusão de se ganhar em
quantidade; banalizam-se ideais e esperanças em troca da
não tomada de posição perante seu juiz interior. Porém,
cedo ou tarde, teremos de nos colocar frente a frente
com nossa consciência.
Entendemos claramente essa imensa dificuldade que o ser
humano tem em não enxergar a riqueza do seu mundo
interior, postergando esse encontro com seu íntimo; de
não se sentir capaz de realizar dentro de si as mudanças
necessárias que o levarão a entender, de vez, que pode
caminhar junto com outros, embora totalmente isolado na
sua individualidade.
Se a troca é imperativa ao crescimento, ela é também
igual para todos. Uns caminham já à nossa frente;
outros, todavia, ainda se encontram mais atrás.
Entretanto, existe a imensa massa de seres que como nós
prosseguem com as mesmas dificuldades, em busca do
progresso. Podemos, certamente, nos dar as mãos
ajudando-nos mutuamente, amparando-nos uns aos outros,
até mesmo nos solidarizando, mas ninguém caminhará por
nós. É tarefa individual, intransferível e absolutamente
solitária.
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