Perante a morte
“Ausculta (…) o pulsar da vida e exulta, seja como seja
a tua existência, pois, sem receio, alcançarás a meta da
felicidade sempre perto de Deus.” – Joanna de Ângelis, Celeiro
de Bênçãos
Todo o ser humano anseia por viver. A alma humana pulsa
de vitalidade que não se esgota nuns quantos anos de
vida física e, por isso mesmo, a ideia de morte repugna
e assusta. Imaginar um fim, o ser lançado num nada
inexorável, sem apelo, uma não existência, é algo que se
torna quase inconcebível, mesmo até para quem se diz
descrente da continuidade da vida além-túmulo. Somos,
existimos, pensamos, agimos, sentimos. O deixar de ser,
de existir, de pensar e de sentir é, de todas as formas
e por todas as razões, perturbador e perturbante,
contrário ao equilíbrio necessário à harmonia da vida.
Esta forma de sentir e de resistir à ideia de morte tem
sua origem na Sabedoria Divina que tudo prevê e a tudo
provê. Ciente da imaturidade da alma humana, necessitada
de trilhar um longo caminho evolutivo até chegar a uma
compreensão e assimilação de verdades espirituais que
lhe permitam traçar objetivos de vida conscientes e
duradouros, gravou em cada ser da Sua Criação o instinto
de sobrevivência.
Mesmo aqueles de nós que, sendo cristãos, espíritas, ou
professando qualquer outra crença espiritualista, e que
“nos dizemos crentes” na vida futura, estamos longe de
compreender, em toda a sua plenitude, o que é ser
imortal, detentor de vida eterna. Só por um grande
esforço de imaginação conseguimos abarcar um tão elevado
conceito que exige de nós uma noção extratemporal que se
vai alargando à medida da nossa evolução intelectual e
espiritual.
Quando uso a expressão “nos dizemos crentes”, não quero,
de modo algum, colocar em dúvida a fé de cada um,
afirmando não ser uma crença verdadeira e fundamentada.
Quero apenas apontar aspectos para uma reflexão sobre a
questão do medo da morte e da dor que a sua ideia
provoca, mesmo naqueles que entendem ser a vida do
espírito a verdadeira vida. E, reafirmamos, ainda bem
que assim é, pois é fruto da Bondade e Misericórdia de
Deus. Que seria daquele que sofre se, impulsionado pela
sua crença na vida futura, descurasse da vida física?
Ou, pior ainda, se apressasse a partida para a vida
espiritual, em busca de alívio?
Por muito que seja grande a nossa fé, por muito que não
tenhamos qualquer dúvida acerca da imortalidade, não há
quem não anseie por ficar mais um pouco na vida física,
principalmente quando sentimos chegado o momento da
suprema mudança. Quanto mais não seja, pelo “medo do
desconhecido”, daquilo que vamos encontrar e enfrentar
após os instantes da passagem. Mesmo após tantas e
tantas vezes termos reencarnado e desencarnado, termos
nascido e morrido, termos vindo à matéria e regressado à
nossa Pátria Espiritual, parece-nos sempre que estaremos
enfrentando o desconhecido. Isto porque, ao imergirmos
na matéria grosseira do planeta, somos abençoados pelo
esquecimento, que mais não é que um adormecimento da
faculdade plena de recordar que, mesmo após o
desencarne, só aos poucos vai despertando. De outro
modo, pensamos que a saudade da vida espiritual e dos
amigos que lá deixamos seria tão acentuada que nos
impediria de nos entregarmos de corpo e alma às tarefas
que aqui nos trouxeram.
A morte dos entes queridos, daqueles por quem o nosso
coração palpita mais fortemente, constitui para o ser
humano o sofrimento mais atroz a que qualquer um de nós
está sujeito. E se não nos fortalecermos devidamente
através de uma fé raciocinada, que sirva de recurso
forte na hora da aflição, sentimo-nos perdidos e
desorientados. Quantas vezes ouvimos as questões
dolorosas “Por que foi que Deus me tirou aquele que eu
mais amava?”, “Que mal fiz eu a Deus para que me tenha
tirado o meu filho?”, “Que Deus é esse que permite que
morram tantos inocentes?” e tantas outras perguntas
idênticas a estas.
O fato de, em obediência à Lei de Sobrevivência, termos
amor à vida e ansiarmos por ela, fugindo, tanto quanto
nos é permitido, do fim da vida física, e tudo fazendo
para salvar quem se encontra em perigo, não implica que
tenhamos de encarar a morte com total desespero. Que nos
deixemos tolher pela revolta e pelo desânimo, que mais
não faz do que aumentar ao extremo a dor que, em último
caso, deve ser a da doce saudade de quem parte.
O amor é eterno. A dor tem um fim. O fim que lhe formos
capazes de imprimir. As sociedades ocidentais,
principalmente, rodearam e continuam a rodear a morte de
rituais fúnebres, que se bem analisarmos, imprimem
sensações macabras e reforçam uma sobre-exaltação do
sofrimento. A morte faz parte da Lei Natural. Tudo o que
é matéria morre. Mas, nem na Natureza, como em nada no
Universo, a morte é o fim. Pelo contrário, morte é vida,
é renovação. Como disse Lavoisier, “Na Natureza nada se
perde, nada se cria, tudo se transforma”, quando
enunciou a sua famosa Lei da Conservação das Massas.
Essa sua frase aplica-se perfeitamente ao conceito
espírita de morte. Toda a matéria tem seu limite, se
degrada, desagrega-se e retorna ao todo de onde saiu,
voltando posteriormente os seus elementos a agregar-se
em novas formas materiais. Nada se perde. Deus nada
criou para o nada. Se nem a matéria, muito menos o
espírito.
Quando a vestimenta corporal deixa de nos ser útil,
simplesmente despimo-la e continuamos a viver,
retornando à Pátria de onde saímos, na Espiritualidade
de que nunca deixamos de fazer parte. Na realidade, não
somos seres terrenos, somos Seres Espirituais
temporariamente revestidos de matéria, a vestir um corpo
material e limitado que nos permite agir na Terra. Assim
é e continuará a ser até que sejamos capazes de viver
plenamente a Vida Espiritual, quando todos os nossos
pensamentos, desejos, anseios, faculdades, sentimentos
se coadunarem com a Espiritualidade Pura.
O amor é eterno, como dizíamos. E, se há amor em tudo
fazer para reter junto de nós aqueles que amamos, muito
mais amor há em deixar partir quem chegou ao fim da
caminhada terrena. Deixar partir com a convicção de que
continuará vivo para todo o sempre, continuará, cada vez
mais senhor das suas faculdades, a evoluir, a caminhar
rumo à felicidade. Continuará a pensar e a agir, como
ser consciente que é e sempre será. Continuará a
amar-nos e a pensar em nós. Sentirá tanta saudade de nós
como a que nós sentimos dele. Isto porque continuará
vivo, mais vivo até do que quando se encontrava entre
nós. Apenas invisível ao nosso olhar, porque em outra
dimensão. Mas capaz de nos ver e sentir. E sempre
necessitado, não da nossa dor ou desespero, mas sim dos
nossos pensamentos amorosos, do nosso incentivo ao
progresso, que podemos facilmente fazer através de uma
prece sentida, sincera e pessoal, em vez de rituais e
orações feitas, que nada dizem a quem se encontra do
outro lado da vida.
A não ser, evidentemente, que aqueles que partiram se
encontrem ainda presos aos ritualismos terrenos, às
sensações da matéria, à revolta, ao desespero e à
ignorância da sua nova situação. Mas, se for essa a
situação dolorosa daqueles que amamos, mais ainda
precisam das nossas preces, que os consolem e os
conduzam ao esclarecimento necessário à mudança de rumo,
para que sejam capazes de colher as benesses amorosas
dos Espíritos Socorristas, que tantas vezes tentam
auxiliar sem que o desencarnado abra o coração ao
socorro. É esse o verdadeiro Amor que não tem limites de
espaço nem de tempo, que ultrapassa todas as dimensões,
porque é eterno.
Graças à Doutrina dos Espíritos que nos vem proporcionar
essa Fé raciocinada e esclarecida, podemos e devemos
preparar-nos para enfrentar a “morte”, nossa e dos
outros, com conhecimento de causa e com convicção firme
de que não estamos perante o fim. É a hora da renovação,
de abandonar o que é velho e imprestável e seguir em
frente. E, até que essa hora chegue, uma vez que não
sabemos quando e onde se apresentará, há que, como diz
Joanna de Ângelis, “auscultar o pulsar da vida”, viver
com alegria, mas preparados para dar contas, perante a
própria consciência, do que fizemos da existência na
matéria, para que, sem receio, possamos passar à fase
seguinte e continuar rumo à felicidade. É essa a meta
que nos cumpre, irremediavelmente, alcançar. Deus tudo
criou para o Bem e para a Felicidade.
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