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por Maria de Lurdes Duarte

 

Perante a morte


“Ausculta (…) o pulsar da vida e exulta, seja como seja a tua existência, pois, sem receio, alcançarás a meta da felicidade sempre perto de Deus.” – Joanna de Ângelis, Celeiro de Bênçãos


Todo o ser humano anseia por viver. A alma humana pulsa de vitalidade que não se esgota nuns quantos anos de vida física e, por isso mesmo, a ideia de morte repugna e assusta. Imaginar um fim, o ser lançado num nada inexorável, sem apelo, uma não existência, é algo que se torna quase inconcebível, mesmo até para quem se diz descrente da continuidade da vida além-túmulo. Somos, existimos, pensamos, agimos, sentimos. O deixar de ser, de existir, de pensar e de sentir é, de todas as formas e por todas as razões, perturbador e perturbante, contrário ao equilíbrio necessário à harmonia da vida.

Esta forma de sentir e de resistir à ideia de morte tem sua origem na Sabedoria Divina que tudo prevê e a tudo provê. Ciente da imaturidade da alma humana, necessitada de trilhar um longo caminho evolutivo até chegar a uma compreensão e assimilação de verdades espirituais que lhe permitam traçar objetivos de vida conscientes e duradouros, gravou em cada ser da Sua Criação o instinto de sobrevivência.

Mesmo aqueles de nós que, sendo cristãos, espíritas, ou professando qualquer outra crença espiritualista, e que “nos dizemos crentes” na vida futura, estamos longe de compreender, em toda a sua plenitude, o que é ser imortal, detentor de vida eterna. Só por um grande esforço de imaginação conseguimos abarcar um tão elevado conceito que exige de nós uma noção extratemporal que se vai alargando à medida da nossa evolução intelectual e espiritual.

Quando uso a expressão “nos dizemos crentes”, não quero, de modo algum, colocar em dúvida a fé de cada um, afirmando não ser uma crença verdadeira e fundamentada. Quero apenas apontar aspectos para uma reflexão sobre a questão do medo da morte e da dor que a sua ideia provoca, mesmo naqueles que entendem ser a vida do espírito a verdadeira vida. E, reafirmamos, ainda bem que assim é, pois é fruto da Bondade e Misericórdia de Deus. Que seria daquele que sofre se, impulsionado pela sua crença na vida futura, descurasse da vida física? Ou, pior ainda, se apressasse a partida para a vida espiritual, em busca de alívio?

Por muito que seja grande a nossa fé, por muito que não tenhamos qualquer dúvida acerca da imortalidade, não há quem não anseie por ficar mais um pouco na vida física, principalmente quando sentimos chegado o momento da suprema mudança. Quanto mais não seja, pelo “medo do desconhecido”, daquilo que vamos encontrar e enfrentar após os instantes da passagem. Mesmo após tantas e tantas vezes termos reencarnado e desencarnado, termos nascido e morrido, termos vindo à matéria e regressado à nossa Pátria Espiritual, parece-nos sempre que estaremos enfrentando o desconhecido. Isto porque, ao imergirmos na matéria grosseira do planeta, somos abençoados pelo esquecimento, que mais não é que um adormecimento da faculdade plena de recordar que, mesmo após o desencarne, só aos poucos vai despertando. De outro modo, pensamos que a saudade da vida espiritual e dos amigos que lá deixamos seria tão acentuada que nos impediria de nos entregarmos de corpo e alma às tarefas que aqui nos trouxeram.

A morte dos entes queridos, daqueles por quem o nosso coração palpita mais fortemente, constitui para o ser humano o sofrimento mais atroz a que qualquer um de nós está sujeito. E se não nos fortalecermos devidamente através de uma fé raciocinada, que sirva de recurso forte na hora da aflição, sentimo-nos perdidos e desorientados. Quantas vezes ouvimos as questões dolorosas “Por que foi que Deus me tirou aquele que eu mais amava?”, “Que mal fiz eu a Deus para que me tenha tirado o meu filho?”, “Que Deus é esse que permite que morram tantos inocentes?” e tantas outras perguntas idênticas a estas.

O fato de, em obediência à Lei de Sobrevivência, termos amor à vida e ansiarmos por ela, fugindo, tanto quanto nos é permitido, do fim da vida física, e tudo fazendo para salvar quem se encontra em perigo, não implica que tenhamos de encarar a morte com total desespero. Que nos deixemos tolher pela revolta e pelo desânimo, que mais não faz do que aumentar ao extremo a dor que, em último caso, deve ser a da doce saudade de quem parte.

O amor é eterno. A dor tem um fim. O fim que lhe formos capazes de imprimir. As sociedades ocidentais, principalmente, rodearam e continuam a rodear a morte de rituais fúnebres, que se bem analisarmos, imprimem sensações macabras e reforçam uma sobre-exaltação do sofrimento. A morte faz parte da Lei Natural. Tudo o que é matéria morre. Mas, nem na Natureza, como em nada no Universo, a morte é o fim. Pelo contrário, morte é vida, é renovação. Como disse Lavoisier, “Na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”, quando enunciou a sua famosa Lei da Conservação das Massas. Essa sua frase aplica-se perfeitamente ao conceito espírita de morte. Toda a matéria tem seu limite, se degrada, desagrega-se e retorna ao todo de onde saiu, voltando posteriormente os seus elementos a agregar-se em novas formas materiais. Nada se perde. Deus nada criou para o nada. Se nem a matéria, muito menos o espírito.

Quando a vestimenta corporal deixa de nos ser útil, simplesmente despimo-la e continuamos a viver, retornando à Pátria de onde saímos, na Espiritualidade de que nunca deixamos de fazer parte. Na realidade, não somos seres terrenos, somos Seres Espirituais temporariamente revestidos de matéria, a vestir um corpo material e limitado que nos permite agir na Terra. Assim é e continuará a ser até que sejamos capazes de viver plenamente a Vida Espiritual, quando todos os nossos pensamentos, desejos, anseios, faculdades, sentimentos se coadunarem com a Espiritualidade Pura.

O amor é eterno, como dizíamos. E, se há amor em tudo fazer para reter junto de nós aqueles que amamos, muito mais amor há em deixar partir quem chegou ao fim da caminhada terrena. Deixar partir com a convicção de que continuará vivo para todo o sempre, continuará, cada vez mais senhor das suas faculdades, a evoluir, a caminhar rumo à felicidade. Continuará a pensar e a agir, como ser consciente que é e sempre será. Continuará a amar-nos e a pensar em nós. Sentirá tanta saudade de nós como a que nós sentimos dele. Isto porque continuará vivo, mais vivo até do que quando se encontrava entre nós. Apenas invisível ao nosso olhar, porque em outra dimensão. Mas capaz de nos ver e sentir. E sempre necessitado, não da nossa dor ou desespero, mas sim dos nossos pensamentos amorosos, do nosso incentivo ao progresso, que podemos facilmente fazer através de uma prece sentida, sincera e pessoal, em vez de rituais e orações feitas, que nada dizem a quem se encontra do outro lado da vida.

A não ser, evidentemente, que aqueles que partiram se encontrem ainda presos aos ritualismos terrenos, às sensações da matéria, à revolta, ao desespero e à ignorância da sua nova situação. Mas, se for essa a situação dolorosa daqueles que amamos, mais ainda precisam das nossas preces, que os consolem e os conduzam ao esclarecimento necessário à mudança de rumo, para que sejam capazes de colher as benesses amorosas dos Espíritos Socorristas, que tantas vezes tentam auxiliar sem que o desencarnado abra o coração ao socorro. É esse o verdadeiro Amor que não tem limites de espaço nem de tempo, que ultrapassa todas as dimensões, porque é eterno.

Graças à Doutrina dos Espíritos que nos vem proporcionar essa Fé raciocinada e esclarecida, podemos e devemos preparar-nos para enfrentar a “morte”, nossa e dos outros, com conhecimento de causa e com convicção firme de que não estamos perante o fim. É a hora da renovação, de abandonar o que é velho e imprestável e seguir em frente. E, até que essa hora chegue, uma vez que não sabemos quando e onde se apresentará, há que, como diz Joanna de Ângelis, “auscultar o pulsar da vida”, viver com alegria, mas preparados para dar contas, perante a própria consciência, do que fizemos da existência na matéria, para que, sem receio, possamos passar à fase seguinte e continuar rumo à felicidade. É essa a meta que nos cumpre, irremediavelmente, alcançar. Deus tudo criou para o Bem e para a Felicidade.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita