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por Lillian Rosendo

 

Uma questão de Justiça


A misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram.1


Podemos entender por justiça a qualidade ou caráter do que é justo e direito, e importa identificar a compreensão humana sobre esse caráter, se ele se molda aos seus interesses próprios, ou respeita as diretrizes morais que as Leis divinas e humanas demonstram.

A justiça adotada há alguns milênios era o olho por olho e dente por dente, a Lei de Talião, ainda hoje arraigada no senso de justiça de muitas pessoas que ignoram, aqui em nosso País, o artigo 5° da constituição: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)”2. Ainda assim o senso de justiça se confunde com a cruenta vingança, que age em julgamentos melindrosos e em atos de violência.

Lemos ou ouvimos notícias de que o povo fez justiça com as próprias mãos, que desconsidera os meios jurídicos oriundos do Estado, que clama, que urge imediatamente que a punição seja aplicada; o infrator tem que sofrer. Precisa pagar pelo crime que cometeu.

O estuprador, o assassino ou o ladrão precisam aprender que suas ações são criminosas, como se ignorassem, e, então, quando as pessoas, em um sentimento de justiça mesclado com outras emoções como raiva, indignação, asco, frustração e vingança, descarregam toda a violência contra o criminoso, espancando-o, torturando-o, apedrejando-o como em épocas remotas, e algumas vezes até à morte, então esses “justiceiros” entram no rol deplorável das torpezas humanas.

Incontestavelmente somos regidos pela lei de causa e consequência: os atos criminosos de cada ser serão contabilizados no débito automático, pela lei humana, bem como pela Lei divina.

Ainda com as dificuldades que atravessamos atualmente, estamos melhores do que em séculos passados. Conquistas como o estado democrático de direito, a dignidade da pessoa humana, a presunção da inocência, o fim de regimes imperiais absolutistas nos induzem a esperançar que vamos progredir muito nesse sentido, mesmo que não tomemos parte dos que fazem justiça com as próprias mãos, muito menos que secretamente em nossos pensamentos não nos sintamos satisfeitos quando vemos ou sabemos que um criminoso foi espancado ou mesmo assassinado, e ir, além, interceder em preces por eles.

No capítulo de preces em O Evangelho segundo o Espiritismo, aprendemos que os culpados têm mais necessidades do que aqueles mais virtuosos. Se assim não o entender e cumprir, é faltar com a caridade e desconhecer a misericórdia de Deus. Os instrutores arrematam: “Pensar que são inúteis, porque um homem cometeu faltas muito graves, seria prejulgar a justiça do Altíssimo”.3

Deus não pune, apenas recebemos de nós mesmos o saldo de nossas dívidas, uma questão de justiça da própria consciência.

Os benfeitores da vida Maior nos esclarecem na codificação: “O limite do direito que, com relação a si mesmo, reconhecer ao seu semelhante, em idênticas circunstâncias e reciprocamente”.4

Em se tratando de existências anteriores, bem como uma visão geral de progresso, se hoje não cometemos crimes graves, há de se considerar que em outra circunstância seja provável que tenhamos trilhado tal caminho. E o que dizer se hoje um filho ou um irmão nosso cai na malha do erro e é condenado e torturado sem ter um julgamento e uma punição apropriada? O sangue justifica, mas a verdade não, a verdade se une à misericórdia e para isso não existe parcialidade.

Os Espíritos superiores asseveram: “Os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde os de condição mais humilde até os de posição mais elevada. Deus não fez uns de limo mais puro do que aquele de que se serviu para fazer os outros, e todos, aos seus olhos, são iguais. Esses direitos são eternos”.5

Conquistar a paz íntima identificando como os pensamentos respondem aos acontecimentos à nossa volta é ensejar o encontro no qual a paz beije a justiça, como os salmistas cantaram.


Referências bibliográficas:

1 BIBLIA. Salmos, 85:10.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Kardec, A. O Evangelho segundo o Espiritismo. Coletânea de preces espíritas. Por um criminoso. Cap. XXVIII. Item 69.

Kardec, A. O Livro dos Espíritos. Da Lei de Justiça, de Amor e de Caridade; questão 878.

Kardec, A. O Livro dos Espíritos. Da Lei de Justiça, de Amor e de Caridade, questão 878-ª.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita