Uma questão de Justiça
A misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a
paz se beijaram.1
Podemos entender por justiça a qualidade ou caráter do
que é justo e direito, e importa identificar a
compreensão humana sobre esse caráter, se ele se molda
aos seus interesses próprios, ou respeita as diretrizes
morais que as Leis divinas e humanas demonstram.
A justiça adotada há alguns milênios era o olho por olho
e dente por dente, a Lei de Talião, ainda hoje arraigada
no senso de justiça de muitas pessoas que ignoram, aqui
em nosso País, o artigo 5° da constituição: “Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza (...)”2. Ainda assim o senso de
justiça se confunde com a cruenta vingança, que age em
julgamentos melindrosos e em atos de violência.
Lemos ou ouvimos notícias de que o povo fez justiça com
as próprias mãos, que desconsidera os meios jurídicos
oriundos do Estado, que clama, que urge imediatamente
que a punição seja aplicada; o infrator tem que sofrer.
Precisa pagar pelo crime que cometeu.
O estuprador, o assassino ou o ladrão precisam aprender
que suas ações são criminosas, como se ignorassem, e,
então, quando as pessoas, em um sentimento de justiça
mesclado com outras emoções como raiva, indignação,
asco, frustração e vingança, descarregam toda a
violência contra o criminoso, espancando-o,
torturando-o, apedrejando-o como em épocas remotas, e
algumas vezes até à morte, então esses “justiceiros”
entram no rol deplorável das torpezas humanas.
Incontestavelmente somos regidos pela lei de causa e
consequência: os atos criminosos de cada ser serão
contabilizados no débito automático, pela lei humana,
bem como pela Lei divina.
Ainda com as dificuldades que atravessamos atualmente,
estamos melhores do que em séculos passados. Conquistas
como o estado democrático de direito, a dignidade da
pessoa humana, a presunção da inocência, o fim de
regimes imperiais absolutistas nos induzem a esperançar
que vamos progredir muito nesse sentido, mesmo que não
tomemos parte dos que fazem justiça com as próprias
mãos, muito menos que secretamente em nossos pensamentos
não nos sintamos satisfeitos quando vemos ou sabemos que
um criminoso foi espancado ou mesmo assassinado, e ir,
além, interceder em preces por eles.
No capítulo de preces em O Evangelho segundo o
Espiritismo, aprendemos que
os culpados têm mais necessidades do que aqueles mais
virtuosos. Se assim não o entender e cumprir, é faltar
com a caridade e desconhecer a misericórdia de Deus. Os
instrutores arrematam: “Pensar que são inúteis, porque
um homem cometeu faltas muito graves, seria prejulgar a
justiça do Altíssimo”.3
Deus não pune, apenas recebemos de nós mesmos o saldo de
nossas dívidas, uma questão de justiça da própria
consciência.
Os benfeitores da vida
Maior nos esclarecem na codificação: “O limite do
direito que, com relação a si mesmo, reconhecer ao seu
semelhante, em idênticas circunstâncias e
reciprocamente”.4
Em se tratando de existências anteriores, bem como uma
visão geral de progresso, se hoje não cometemos crimes
graves, há de se considerar que em outra circunstância
seja provável que tenhamos trilhado tal caminho. E o que
dizer se hoje um filho ou um irmão nosso cai na malha do
erro e é condenado e torturado sem ter um julgamento e
uma punição apropriada? O sangue justifica, mas a
verdade não, a verdade se une à misericórdia e para isso
não existe parcialidade.
Os Espíritos superiores
asseveram: “Os direitos naturais são os mesmos para
todos os homens, desde os de condição mais humilde até
os de posição mais elevada. Deus não fez uns de limo
mais puro do que aquele de que se serviu para fazer os
outros, e todos, aos seus olhos, são iguais. Esses
direitos são eternos”.5
Conquistar a paz íntima identificando como os
pensamentos respondem aos acontecimentos à nossa volta é
ensejar o encontro no qual a paz beije a justiça, como
os salmistas cantaram.
Referências bibliográficas:
1 BIBLIA. Salmos, 85:10.
2 Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988.
3 Kardec,
A. O Evangelho segundo o Espiritismo. Coletânea
de preces espíritas. Por um criminoso. Cap. XXVIII. Item
69.
4 Kardec, A. O
Livro dos Espíritos. Da Lei de Justiça, de Amor e de
Caridade; questão 878.
5 Kardec, A. O
Livro dos Espíritos. Da Lei de Justiça, de Amor e de
Caridade, questão 878-ª.
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