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por Marcelo Teixeira

 

Ainda sobre o bom espírita e o espiritão


No artigo anterior – O bom espírita e o espiritão – falei sobre os espiritões, seres que pululam pelo movimento espírita. Eles, em geral, se julgam modelos de espíritas a serem seguidos e vivem se comparando com os demais companheiros do movimento espírita. Principalmente com aqueles que, na visão dos espiritões, não se encaixam no modelo por eles criado. Para tanto, inventei um personagem chamado João, o espiritão.

Quando cheguei ao final, disse que, no artigo seguinte, contaria uma história muito boa envolvendo um espiritão.

Trata-se de um episódio que me foi narrado por um antigo trabalhador do movimento espírita aqui de Petrópolis (RJ), minha cidade natal. Estávamos em meados da década de 80 do século passado. Eu tinha pouco tempo de mocidade espírita e era todo empolgado, cheio de ideais (sou até hoje). Num evento, esse trabalhador, já de idade avançada, me passou essa história que nunca mais saiu da minha memória e que, pela primeira vez, transcreverei. Não sei onde o fato ocorreu e não faço ideia de quais seriam os protagonistas. Aliás, não lembro sequer da fisionomia do homem que me fez a narrativa.

Era uma vez um centro espírita como outro qualquer. Tarefas, trabalhadores, atividades e reuniões públicas doutrinárias semanais, nas quais comparecia toda sorte de público, incluindo um homem a quem chamarei de Arnaldo.

Bonachão, simpático e bem-apessoado, Arnaldo tinha uma particularidade: gostava de beber conhaque de vez em quando. Por causa disso, volta e meia chegava ao centro com cara de quem havia tomado uns tragos. Ele não chegava trocando as pernas, muito menos caindo pelas tabelas, tampouco bêbado como um gambá, como se diz por aí. Chegava na boa, mas dava para notar que havia colocado uma ou duas (quem sabe três) doses da bebida para dentro.

Arnaldo não era trabalhador do centro espírita; somente um frequentador de reuniões públicas. Gostava sempre de sentar na última fila do salão de palestras. E toda vez que chegava exalando conhaque, dormia durante a preleção, o que provocava a indignação de alguns trabalhadores do centro. Entre eles, aquele a quem me referirei como Sebastião, o outro espiritão.

Era comum o Sebastião e vários outros tarefeiros comentarem entre si, com censura e desdém: – Mas que absurdo! Onde já se viu um espírita chegar ao centro cheirando a conhaque e ainda por cima dormir na palestra, na cara de todo mundo! Que mau exemplo!

Certo dia, Arnaldo não apareceu mais no centro. Como era apenas um frequentador de palestras, demoraram algumas semanas para dar pela falta dele. Até que chegou a notícia de que Arnaldo havia desencarnado devido a uma doença súbita. O fato não causou muita comoção e em pouco tempo ninguém mais se lembrava daquele sujeito. Principalmente Sebastião, que nunca vira com bons olhos aquele ser que às vezes chegava ao centro recendendo a álcool e dormia na cadeira no decorrer das palestras.

Seis anos depois, Sebastião, devido a uma moléstia que o acometera meses antes, também desencarnou. E para sua felicidade, despertou numa aprazível e bucólica colônia espiritual.

Por ser espírita, entendeu perfeitamente o que lhe acontecera, recebeu a visita de amigos e parentes já desencarnados e se adaptou com facilidade ao local. Em pouco tempo, lá estava Sebastião trabalhando alegremente na colônia que o acolhera com tanto carinho.

Tempos depois, o administrador do local reuniu os presentes para avisar que a colônia seria visitada por um Espírito de escol, habitante de esferas mais elevadas. Essa entidade faria uma palestra com ensinamentos que seriam bastante proveitosos para todos. Sebastião se encheu de contentamento e expectativa, já que seria o primeiro contato dele com um Espírito elevado.

No dia e horário aprazados, os habitantes da colônia se reuniram. Foi feita uma sentida prece e, em segundos, adentrou o recinto a tão esperada presença. Tratava-se de uma senhora de aspecto sereno e sorriso jovial. Uma entidade veneranda, vamos assim dizer, que irradiava uma intensa luz que emocionou a todos.

Essa senhora, no entanto, não veio sozinha. Trouxe consigo alguns de seus colaboradores mais diretos. Entre eles, Arnaldo!

Sebastião não conseguiu esconder a estupefação ao ver Arnaldo integrando aquela equipe de trabalhadores espirituais elevados. Como um reles biriteiro podia fazer parte daquela plêiade? Não seria mais justo, Sebastião, trabalhador espírita com décadas de serviços prestados, estar junto àquela entidade no lugar de Arnaldo?

Quando terminou a preleção e a caravana liderada pela senhora partiu, Sebastião pediu para falar com o administrador da colônia e expôs suas inquietações, no que foi ouvido com atenção e carinho. Falou que havia nascido em berço espírita, que fora presidente do centro por duas vezes, que exercera as funções de expositor, doutrinador de Espíritos, responsável pelo bazar, entre outras atribuições. Por isso, não entendia como Arnaldo, que nunca havia tido tarefa no centro e ainda por cima aparecia alcoolizado de vez em quando, estava em situação mais favorável que a dele, que, inclusive, era abstêmio.  

Nosso caríssimo espiritão, então, ouviu o seguinte do administrador: - Entendo perfeitamente o seu assombro, Sebastião. Tanto que já esperava que você me procurasse para conversar. Ninguém nega quão significativa foi sua contribuição para o bom funcionamento do centro espírita do qual você fez parte. No entanto, a balança da vida não leva em consideração somente o que fazemos de bom dentro das instituições religiosas às quais somos vinculados. No quesito coletividade, Arnaldo saiu na frente, meu amigo. Tudo o que ele ouvia nas palestras, praticava na vida de relação. Ele sempre foi uma boa pessoa, apesar do hábito de tomar uns conhaques de vez em quando. A partir do momento em que travou contato com o Espiritismo, Arnaldo se aprimorou como filho, esposo, pai, colega de trabalho e cidadão. Atendia a todos com um sorriso, amava a esposa com extrema dedicação, apoiava os filhos em todos os momentos bons e ruins. Além disso, era um excelente colega de trabalho, e quando galgou postos mais elevados na empresa, soube ser um excelente chefe. Implantou, inclusive, várias iniciativas que aumentaram a produtividade e também trouxeram inúmeros benefícios aos funcionários. Na via pública, era também um exemplo. Implantou a coleta seletiva de lixo no bairro em que morava, incentivando os vizinhos a manterem as ruas sempre limpas e o lixo embalado adequadamente. Para você ter uma ideia, até casca de banana ele recolhia da calçada e jogava na lixeira mais próxima, com receio de que alguém escorregasse e se machucasse. Arnaldo, contudo, não parou por aí. Foram dele várias iniciativas que resultaram em atividades culturais e esportivas para os jovens do bairro onde morava. Por tudo isso e muito mais, Arnaldo conquistou o lugar que hoje ocupa. E convém ressaltar que ele jamais cogitou estar onde está. Ele serviu pelo simples prazer de ser útil. O fato de ele gostar de tomar umas doses de conhaque de vez em quando pesou muito pouco contra ele.

Ante o silêncio revelador de Sebastião – que não conseguia esconder o assombro pelo revelado, o incômodo por ter desdenhado de Arnaldo por tantos anos e a vergonha diante de uma folha corrida tão magnífica –, o administrador perguntou: – Você está insatisfeito na nossa colônia? Algo te incomoda?

– Não! – rebateu Sebastião. – Eu estou muito feliz aqui! As tarefas que exerço são ótimas! Idem as pessoas que aqui encontrei.

O administrador, então, finalizou: – Então, meu amigo! Volte para os seus afazeres e deixe à Providência Divina a tarefa de dar “a cada um segundo suas obras”, conforme ensinado por Jesus, nosso modelo e guia.

Sebastião voltou bem mais leve e animado à lida depois do ocorrido. A lição fora inesquecível!


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita