O outro filho
“Mas, respondendo ele, disse ao pai: eis que te sirvo,
há tantos anos, sem jamais transgredir um mandamento
teu, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os
meus amigos.” (Lucas,
15:29)
Esta frase faz parte da Parábola do Filho Pródigo que o
evangelista Lucas narra no capítulo 15, versículos 11 a
32. Muitos de nós conhecem a parábola, a história que
Jesus imaginou para que, através dela, pudesse nos dizer
da imensa generosidade do Pai Criador para com todas as
Suas criaturas. Nesta história o Mestre nos fala de um
pai que tinha dois filhos. O pai, aqui representando
Deus e, os filhos, a humanidade.
Conta ele que, um dia, um dos filhos pediu que sua parte
na herança lhe fosse dada, pois desejava conhecer o
mundo e não mais viver preso à fazenda que o pai
possuía, e onde ele e o irmão trabalhavam. E assim foi
feito. O rapaz partiu e vivendo, desde então, uma vida
dissoluta, consumiu rapidamente os recursos que possuía.
Após anos de sofrimento, dor, fome e miséria moral e
física, lembrou-se que, na época em que viveu no lar
paterno, os empregados do seu pai possuíam uma vida
melhor que a vida que levava nesses dias. Entendeu que
junto do pai ele tinha fartura e amor, apesar do duro
trabalho que realizava, e, arrependido, inicia a viagem
de volta, buscando o que supostamente imaginava haver
perdido. Quando o pai o vê, ainda no caminho,
aproximando-se das terras que lhe pertenciam, vai ao
encontro de braços abertos, entregando-lhe um manto que
representava, na parábola, a renovação espiritual
daquele filho; um anel que simbolizava a comunhão dessa
criatura perdida com ele, seu pai; e sandálias para seus
pés cansados que representam o caminhar seguro que seu
filho teria dali para frente. Além disso, manda matar o
melhor novilho e convida a todos para as comemorações
pelo retorno do filho amado.
Esta é a primeira parte da história que nos mostra que,
independentemente das faltas que possamos cometer, Deus,
nosso Pai Criador, sempre nos receberá de braços abertos
quando, arrependidos, queiramos retomar o caminho de
volta em direção ao Seu amor. O filho arrependido
representa um lado da Humanidade que, embora tenha
perdido a condição de filhos, nos mostra que Deus nunca
perde a condição de Pai a nos acolher, porque somos
todos Suas criaturas. Não importa onde estejamos, seja
no mundo físico, seja no espiritual, Ele nunca nos
abandona.
O filho pródigo, o filho arrependido da parábola,
significa para Jesus a criatura que depois de passar
pela experiência dura do mal que praticou, volta ao
Criador consciente da necessidade de seguir Suas Leis,
para gozar do Seu amor. A lei de Deus é igual para todos
e ela não pode ser boa para o bom e má para o mau. Ela
é, na verdade, sempre boa porque é justa e assim tem a
condição de transformar o mau em bom e o bom em melhor.
Para o Pai não há privilégios porque não há exclusões.
Para todos faz nascer o Sol, faz brilhar as estrelas e
faz a chuva cair.
Jesus prossegue contando que o outro filho, o que havia
permanecido com o pai, que trabalhava nas suas terras e
cumpria todas as suas determinações, retornava à casa
vindo do campo, e, ouvindo a música e notando a alegria
no ambiente doméstico, perguntou a um dos empregados o
que estava acontecendo. O empregado lhe diz que seu
irmão retornara e o pai, em comemoração ao fato, estava
dando uma festa, tendo mandado matar um novilho para a
festividade. Diante disso revoltou-se dizendo que não
entraria na casa. O pai do jovem foi avisado e veio ter
com ele para saber o que se passava. Com indignação o
rapaz respondeu: “eis que te sirvo há tantos anos, sem
nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um
cabrito para alegrar-me com meus amigos”.
Encontramos de um lado o filho que retorna mais
experiente e arrependido ao convívio do lar, e do outro,
um irmão que, apesar de correto, mostra-se egoísta,
censurando os sentimentos do pai e reclamando do que
nunca recebera. Ele que sempre estivera ao seu lado,
fiel aos seus serviços, atento aos seus interesses,
guardando lealdade, nunca teve qualquer atenção
especial, ou privilégios, ou agradecimentos por todos os
anos que ali permaneceu, enquanto que o outro, depois de
dilapidar sua herança, é recebido com alegria e festa.
No livro Palavras de Vida Eterna, Emmanuel
coloca, nesse momento, algumas ideias sobre as quais
seria interessante meditarmos. Diz que, de maneira
geral, os crentes apenas enxergam o filho que abandonou
o lar paterno, que provocou escândalos tonando-se credor
de todas as punições; e raramente conseguimos enxergar a
conduta egoísta do irmão que permaneceu sob o teto
familiar. “Observando a generosidade paterna, os
sentimentos inferiores que o animam sobem à tona e se
mostra como realmente é: reprova a alegria paternal,
procedendo como quem lastima o dever cumprido;
apresenta-se fiel aos serviços do pai e, contudo,
critica-lhe os gestos – trabalha como ele, é verdade,
mas anseia escravizá-lo aos próprios caprichos;
atende-lhe os interesses, vigiando-lhe o pão e a prata;
guarda lealdade, mergulhando-se na ideia de evidência e
de herança; explode em ciúme e queixa diante da grandeza
de sentimentos do coração paterno. Julga-se mais
detentor dos merecimentos do que o outro, e com isso
tenta limitar a bondade dele”.2
Também nós nos sentimos colocados, perdidos mesmo, nesse
misto de crueldade e carinho, de sombra e de luz. Também
nós, muitas vezes somos justos e injustos, ternos e
agressivos, companheiros e censores. Também nós
desejamos o Pai somente para nós, satisfazendo nossos
caprichos e vontades. E é assim que estamos hoje no
caminho da fé. Por essa razão, o estimado benfeitor
espiritual nos convida a analisar a nossa atitude em
relação a Deus.
Diante dessa parábola e do convite do orientador
espiritual nos perguntamos: Será que somos esse tipo de
homem egoísta representado pelo filho que permaneceu ao
lado do pai? Emmanuel nos responde que somos sim. Não
porque sejamos maus, mas porque diante do bem-estar e da
alegria dos outros, nos revoltamos e sofremos, pois
sentimos ciúmes, inveja; desejaríamos que fôssemos
aqueles a usufruírem dessas benesses, pois nos
acreditamos mais merecedores que outros.
Esse homem egoísta é muito comum nos quadros da vida e
representa a outra parte da humanidade na história do
Filho Pródigo. O homem egoísta é o homem que ainda luta
contra a luz que teima em se instalar dentro dele. Luta
da animalidade que existe em cada um de nós – por ainda
estarmos presos aos valores materiais – contra a
espiritualidade que inicia seu despertar em nós – por
desejarmos nos tornar pessoas melhores a cada dia. São
milhares de anos de sombra que nos envolve contra a
pequena chama de luz que começa a brilhar em nós e a
dissipar essas sombras. É a luta do homem velho,
preconceituoso, intolerante, cruel, contra o homem novo,
o Ser cósmico, ligado a Deus definitivamente.
Jesus termina a história contando que o pai respondeu ao
filho egoísta o seguinte: “filho, tu sempre estás
comigo, e tudo que é meu, é teu; entretanto, cumpria
regozijarmo-nos e alegrarmo-nos porque este teu irmão
estava morto e reviveu, estava perdido e se achou”.
Emmanuel nos diz que, “lendo a parábola com atenção,
ignoramos qual dos filhos é o mais infortunado, se o
pródigo, se o egoísta, mas atrevemo-nos a crer na imensa
infelicidade do segundo, porque o primeiro já possuía a
bênção do remorso a seu favor”. 1
E nos alerta: “Se te sentes ligado à Esfera Superior por
teus atos e diretrizes, palavras e pensamentos, não te
encarceres na vaidade de ser bom. Não te esqueças, em
circunstância alguma, de que Deus é Pai de todos, e se
te ajudou para estares com ele, é para que estejas com
ele, ajudando aos outros”. 1
Bibliografia:
1 – XAVIER, F. C. Pão Nosso,
ditado pelo Espírito Emmanuel – 17ª edição – Editora FEB
– Brasília/DF – 1996 – lição 157.
2 - ____________ Palavras de Vida
Eterna, ditado pelo Espírito Emmanuel – 20ª edição –
Editora CEC – Uberaba/MG –1995 – lição 98.
Outra referência:
SCHUTEL, C. Parábolas e Ensinos de
Jesus – 14ª edição – Casa Editora O Clarim –
Matão/SP – 1977 – p. 49.
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