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por Ricardo Baesso de Oliveira

 

Cérebro, limitações e planejamento reencarnatório


Uma das grandes personalidades do século XX foi Simone Weil; nasceu em Paris, em fevereiro de 1909, oriunda de uma família de judeus não praticantes e morreu de tuberculose, aos 34 anos, na Inglaterra, em agosto de 1943.

Caracterizava a personalidade de Simone Weil uma inteligência brilhante e um profundo sentimento de compaixão pelo sofrimento humano, de solidariedade irrestrita e de absoluto despojamento exterior.

Ao ganhar um anel de presente, com três anos, fez todos rirem com sua resposta: O luxo não me agrada.

Com 5 anos deixou de comer doces para com o dinheiro da mesada comprar meias e enviar para soldados franceses no front da primeira guerra.

Aos sete anos, Simone resolve andar descalça e assim o faz. Ao ver seus pés arroxeados pelo frio, os passageiros do bonde olham com reprovação para a mãe, que se envergonha, mas não consegue vencer a resolução da criança. Com vestidos novos fica encantadora, mas desgostosa; queria que todos se vestissem iguais e com roupas baratas: Assim a gente poderia trabalhar e ninguém perceberia diferenças.

Mas, ao lado desse comportamento altruísta e dos notáveis recursos intelectuais, outro aspecto de sua personalidade desperta interesse. Na escola escreve mais devagar que suas colegas, é inábil e lenta. Logo é reconhecida como “incapaz manualmente e admirável pelo espírito”. Os gestos inábeis, o esforço incomum para escrever, a absoluta incapacidade para correr (embora se esforçasse, era sempre a última a chegar nas disputas e a pior em todos os esportes), fazem com que os colegas sintam a princípio tentados a caçoar dela.  Mais tarde, ao tentar uma experiência como fresadora em uma fábrica da Renault, sofreu profundamente com sua falta de jeito habitual; sempre muito desajeitada para os trabalhos manuais, lenta, com mãos muito pequenas e frágeis, feria-se e queimava-se com frequência. Uma biógrafa de Simone comenta: aos poucos, seu próprio desajeitamento poderia aparecer como sinal de um ser superior que se movia com dificuldade no meio dos homens.[i]

Proponho uma reflexão em torno dessas dificuldades motoras em uma personalidade com tão ricos recursos intelecto-morais.

Sabemos que Espíritos superiores, com tarefas reencarnatórias de maior valor e de grande alcance, recebem da Espiritualidade superior uma maior assistência técnica no que se refere à dinâmica reencarnatória, com especificidades relacionadas ao corpo que necessitam para o melhor desempenho de sua missão.

André Luiz esclarece que, em milhares de renascimentos, os princípios embriogênicos funcionam, automáticos, cada dia. A lei de causa e efeito executa-se sem necessidade de fiscalização do Mundo Maior. No entanto, se a existência do reencarnante estiver destinada a influenciar a comunidade, se ele for detentor de méritos indiscutíveis, com responsabilidades justas nos caminhos alheios, o problema será efetivamente outro. Forças de ordem superior seriam fatalmente mobilizadas para a interferência nos cromossomos, garantindo-se o embrião do veículo físico de maneira adequada à missão que lhe coubesse.  Acrescenta, como ilustração, que se o reencarnante for um homem de larga intelectualidade merece cautelosa atenção na estrutura cerebral, para que lhe não falte um instrumento à altura de seus deveres na materialização do pensamento.[ii]

Considerando a importância da breve vida de Simone Weil, podemos aventar que técnicos da dinâmica reencarnatória participaram da construção de seu corpo. Assim, as dificuldades motoras vivenciadas por ela, deveriam ser de conhecimento dos técnicos. Colocamos como reflexão: qual o sentido dessas inibições motoras?

A resposta mais simples seria: expiação ou prova, pois, segundo Kardec, as dificuldades vivenciadas pelo Espírito reencarnado se relacionam, via de regra, aos conceitos de prova e expiação.[iii]

Expiações são as penas que sofrem os Espíritos como punição das faltas cometidas durante a vida corporal e provas consistem nas vicissitudes da vida corporal pelas quais os Espíritos se purificam segundo a maneira pela qual as suportam. [iv]

Assim, poderiam as dificuldades motoras que nos reportamos ter uma origem expiatória (apesar da grandiosidade dessa alma, alguns equívocos de experiências passadas, fixados em seu psiquismo como zonas de remorso, poderiam ter se projetado como centros motores cerebrais disfuncionais), ou provacionais – peculiaridades da organização corpórea necessárias ao aprimoramento de qualidades, tais como a paciência, a resignação e a perseverança.

Mas gostaríamos de considerar outros aspectos. Informam os bons autores espíritas que a atuação dos técnicos do processo reencarnatório é limitada por leis próprias da matéria, particularmente leis da hereditariedade. Lembra-nos o valoroso Léon Denis que pode suceder que as leis de hereditariedade embaracem a manifestação do gênio, porque o Espírito molda o seu corpo, mas só se pode servir dos elementos postos à sua disposição por essa hereditariedade. [v]

Vejamos uma dessas leis. Certos genes, estando muito próximos em região específica do cromossomo, serão selecionados em conjunto, como um verdadeiro pacote. Quando da formação dos gametas (espermatozoide e óvulo), esses genes permanecem sempre muito juntos e não podem ser separados. Isso se chama Linkage, ou seja, genes unidos. Assim, ao “selecionar” determinados genes necessários à sua nova experiência encarnatória, o Espírito pode “carregar” outros genes, que não foram necessariamente “escolhidos”, mas que vêm no pacote.

Vejamos um exemplo hipotético: determinado Espírito deseja (ou precisa) viver experiências na esfera da música, na condição de pianista. Ao sintonizar-se com o gameta paterno e materno, o fará com aqueles que contêm genes vinculados à fisiologia musical do cérebro. Assim, a construção e o funcionamento de um cérebro com circuitos mais adequados ao exercício da música lhe estarão assegurados. Se, por hipótese, junto a esses genes se encontram genes relacionados, por exemplo, à calvície, eles virão juntos. Ele deverá se constituir em um pianista calvo. Os genes da calvície, nesse nosso exemplo, não foram selecionados pelo reencarnante, mas vieram, por Linkage, no pacote.

Outro exemplo: certa entidade precisa ou deseja desenvolver experiências profissionais em dada atividade esportiva, necessitando de um aparelho osteomuscular adequado. Assim, ele vai selecionar os genes paternos e maternos que permitirão construir um corpo com as características físicas que necessite. Se, por hipótese, esses genes estiverem ligados (em Linkage) no mesmo cromossomo a genes relacionados, por exemplo, à obesidade e à gagueira, esse hipotético atleta deverá lutar em toda a sua existência contra as dificuldades relacionadas às duas condições citadas.

 Pelo exposto, não é absurdo imaginar que as inibições motoras da personalidade de Simone Weil possam ser decorrentes de dificuldades na construção do cérebro, por genes vindos “no pacote”.

Aventamos, ainda, outra hipótese: tais inibições motoras poderiam decorrer da ação propositada dos técnicos, com a finalidade de oferecer maiores recursos cerebrais ao exercício da inteligência e da afetividade.

Tal pensamento foi aventado pela Dra. Tais Moriyama, psiquiatra espírita, radicada no estado de São Paulo, com especialização em Psiquiatria da infância e adolescência.[vi] Ao examinar as possíveis explicações espíritas para o Transtorno autista, a Dra. Tais coloca, examinando especificamente os autistas de alta habilidade, que talvez possamos estar diante de Espíritos em missão na Terra que peçam para nascer com as faculdades sociais atordoadas de forma a se dedicar com maior fluidez à ciência, à tecnologia, à música e a outras artes. O cérebro social custa muito caro ao Espírito, ele traz uma série de instintos que retiram de nós parte da originalidade e nos inclina à imitação, a copiar os outros indivíduos e zelar por pertencimento a grupos acima de tudo.

O pensamento original da psiquiatra paulista nos parece bastante lógico, e talvez pudesse ser aplicado à personalidade de Simone Weil. Talvez a inibição dos centros cerebrais relacionados à motricidade tivesse como finalidade oferecer recursos cognitivos extras, a mais ampla expressão da intelectualidade e da afetividade, tão evidentes em sua personalidade.

O tema é contagiante. Como pouco conhecemos da dinâmica reencarnatória, devemos examinar sempre possibilidades diferentes para problemas antigos, obviamente sem abrirmos mão do bom senso, do pensamento racional e do conhecimento sedimentado.

Oxalá, outros estudiosos espíritas se interessem pelo tema.


 

[i] Simone Weil: A condição operária e outros estudos sobre a opressão, Ecléa Bosi.

[ii] Entre a Terra e o Céu, cap. 28.

[iii] O Livro dos Espíritos, item 113.

[iv] Instruções práticas sobre as manifestações espíritas, Glossário espírita.

[v] Léon Denis, O grande enigma, cap. 15.

[vi] Revista eletrônica oconsolador.com, em 10/09/2017.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita