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por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

O aparelho


Nicholas havia comprado um som novinho, modelo “Trend sound machine”. Um espetáculo! Som límpido, toca mp3, fita k7 e até os velhos bolachões que ele ainda tinha em casa, das coleções de seu pai. Nicholas, todo orgulhoso, ouvia em alto volume diariamente o seu novo mimo. E a casa, de tabela, se embalava naquele som escolhido por Nicholas, e seus gostos pessoais.

Mas essa paixão não parou por aí. No clube, na Universidade, nas festinhas ou na casa da namorada. Lá estava Nicholas e o seu som inseparável. Era a alegria da rapaziada. Todos se juntavam para curtir um sonzinho naquela máquina musical, como se fosse uma fogueira de outrora, e o som de Nicholas era requisitado para todos os eventos.

As pessoas, aos poucos, ficaram dependentes daquela traquitana. Iam à porta de Nicholas pedi-lo em empréstimo, e se ele chegava em um lugar desacompanhado (sem o som), mandavam-no de volta para buscar o aparelho. Não existia mais o Nicholas sem o seu sonzaço. Perdera a identidade o nosso protagonista para aquele aparelho tecnológico.

Essa singela historieta ilustra um pouco a nossa relação e do nosso entorno com a chamada mediunidade ostensiva. Tratada como um grande barato, uma novidade, esta se sobrepõe à nossa identidade, para que o médium seja visto como um aparelho mediúnico apenas, e a sua identidade, sua dimensão humana, de falhas e necessidades, seja esquecida, diante de seu novo papel, prisioneiro das demandas de outros, como as pitonisas de outrora.

Essa reflexão nos faz pensar que a mediunidade, como faculdade, precisa de uma percepção mais aprofundada, que fuja da visão circense de pedir mais um fenômeno para alegrar o pessoal, ou ainda, da devoção santificadora, que vê no médium um emissário divino para atender os nossos caprichos. Faz-se necessário que essa faculdade seja vista como algo natural, e que traz responsabilidades àquele que a possui, mas também aos que com ela convivem.

O processo de tratar o médium como se um medalhão fosse nos remete a paradigmas antigos, estranhos à visão espírita, nos quais buscamos gurus ou mestres que nos substituam nos difíceis processos da encarnação. Claro, os Espíritos nos orientam sempre que possível, e não precisam de um “Trend sound machine”, podendo fazê-lo pelo sonho, pela intuição ou de formas mais sutis. Pelo contrário, essa pressão por desempenho termina por ser uma porta para a obsessão e para o animismo, na busca do médium, envolto em grande expectativa de agradar o seu seleto público.

Certa vez conheci uma pessoa católica que conhecia do ambiente de trabalho um desses médiuns medalhões que temos por aí, e foi muito interessante ouvir dela um relato da pessoa “X” (o médium), como um excelente colega de trabalho, dado que para ela não fazia sentido aquela aura mágica que a mediunidade lhe conferia entre os espíritas. Talvez nos falte olhar essas pessoas como pessoas normais que elas são, e não como aparelhos de última geração.

Se você é médium ostensivo, ou convive com um, busque normalizar as suas relações com este que já tem suas dificuldades naturais dessa percepção expandida, olhando para o Nicholas que é dono do som, primeiramente, para que o seu convívio não se torne um fardo para todos os envolvidos nessa relação. Como diziam sabiamente os Espíritos, médium somos todos nós. Como em todas as potencialidades, temos os que se destacam, mas todo esse poder também traz fardos provacionais. E não seremos nós a complicar mais ainda isso.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita