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por Eleni Frangatos

 

O arengueiro


Queridos leitores, vivi alguns anos no Recife e, depois, em Fortaleza. Como estrangeira, embora já de coração brasileiro, sempre admirei muito a facilidade com que os nordestinos apelidam as pessoas. Foi assim que vim a conhecer o ARENGUEIRO. Ninguém sabe o nome dele, mas todo o mundo conhece o arengueiro. Alguém avisa:

- Ihh, rapaz, lá vem o arengueiro.

E a chegada dele “varre uma feira”, como se diz no popular.

Todos nós conhecemos um arengueiro.

É aquele indivíduo que já acorda chutando o criado-mudo, xingando, reclamando, não fala, berra! Tudo está errado para ele, desde o momento em que abre os olhos até o momento em que os fecha. Coitada da mulher e dos filhos do arengueiro: a vida é um inferno perto dele. Tem respostas ásperas para tudo e todos, tudo ele pensa que sabe, sobre tudo ele opina mesmo sem ninguém pedir sua opinião, tudo ele acha errado, tudo deve ser punido, briga por nada, só ele está certo. Será? Penso até que, na verdade, ele tem raiva de si mesmo, se odeia, e a única forma que tem de mostrar que é melhor que os outros é xingar e humilhar e criticar todo o resto do mundo. O arengueiro lembra muito o cachorro que corre em volta de si mesmo para morder a sua própria cauda.

Paremos e pensemos um pouco. Não é que todos nós, ou quase todos, temos um pouco do arengueiro embutido em nós? Vivemos reclamando e criticando o próximo. Julgamos a uma velocidade da luz, sem sequer nos darmos ao trabalho de ver se temos informações suficientes para opinar sobre alguém ou alguma coisa. Ou seja, partimos de premissas erradas, logo... conclusões erradas, fantasiosas e imaginárias... Mas o pior é que, sem ética e sem pudor, o arengueiro também calunia e vai passando a sua opinião para todo o mundo que, por sua vez, repassa para outros em progressão aritmética – um amigo, amigo tem – e, daí a pouco, o indivíduo – que nunca fez determinada coisa – já está na boca do povo, difamado e etiquetado para o resto de sua vida. E, quanto mais estrebuchar para se defender, mais e mais os arengueiros da vida o denigrem e o difamam. Triste de quem cai na malha de um arengueiro irresponsável, cruel na sua difamação inconsequente... às vezes até digno de pena!

Quantas pessoas conhecemos que se metem na nossa vida, que nos dizem o que fazer e se acham donos da verdade? Se um arengueiro nos encontra na rua e durante a conversa dizemos que gostamos de arroz, por exemplo, o arengueiro já vem e nos dá uma aula em voz alta, sonora e agressiva, que se ouve na rua toda, sobre comer abóbora em vez de arroz, e o faz com tanta arrogância e até má-criação que provoca em alguns de nós os nossos mais baixos instintos de o ver rapidamente pelas costas – e, se for só isso o que pensamos, está bom demais, de bom tamanho.

No princípio, quando isso acontecia, eu perdia a cabeça e ripostava com veemência. Hoje, descobri a chave do tesouro e vivo mais em paz. A tudo o que o arengueiro me diz, eu contraponho com a mesma convicção:

- Você está certo. Noooossssa, vou começar hoje mesmo no jantar a comer abóbora e não como mais arroz. Obrigada pela dica. Você é o máximo. Penso “Me perdoe, Senhor, mas isso o acalma um pouco”. Você fica tão desesperado que acaba até dizendo o que não quer para se ver livre.

Mas, o pior que se pode fazer a um arengueiro, é contrapor:

- Ihhh, desde criança que só como abóbora, nunca como arroz, é um veneno, e aí você vai inventando e inventando, como caminhão que desce uma ladeira sem freio... ah! aí é puro deleite e, se você for um gozador, vai rir por muito tempo sempre que relembrar a cara do arengueiro nessa hora. Ele se contorce, o olhar de ódio aparece e a face se lhe endurece. Por quê? Apenas porque o que ele disse não serviu para nada. Você já sabia e fazia há muito tempo antes de o conhecer... Ele até acha que você está num conluio contra ele. E assim, para acalmar o arengueiro eu digo que como abóbora, bebo três a quatro litros de água por dia, como até urtiga, se preciso for, para me livrar dele.

Com isso desarmo o arengueiro. É mentira minha? É uma mentirinha deslavada, mas é a única forma de se lidar com um indivíduo assim. Agora, sabe o que é o mais gozado, meu querido leitor? Tudo que ele diz que você deve fazer, ele próprio não o faz. Passe na casa de um arengueiro e veja se ele está fazendo os exercícios que ele recomenda, e se o prato dele não tem um arroz gostoso em vez de uma pálida abobrinha...

E quando o arengueiro começa a discutir política? Vira um fanático. Conforme a pessoa com quem ele fala, ele canaliza a sua raiva, seu ódio nato, para todos os Presidentes do Brasil. Xinga todos os políticos, todos os juízes, ministros, mas é uma peçonha só como se nós fôssemos obrigados a ouvir as longas dissertações dele, como se nosso ouvido fosse penico. Cá para nós, que ele não saiba, mas em alguns casos ele tem toda razão. Mas, o problema não é ele ter razão, é a forma como o faz e nos impregna de uma carga negativa e viscosa que escorre e cola em nós para o resto de nosso dia.

Como dizia meu velho avô: O dia está lindo, maravilhoso, vamos ver se eu não tropeço num arengueiro hoje que vai acabar com o meu dia.

Olhem, eu soube de um caso extremo que define o que um arengueiro intragável pode fazer. Grande amigo meu, homem de respeito e considerado na área profissional e na sua vida particular, trabalhava com um arengueiro como colega. Relata ele que chegava diariamente ao trabalho, feliz, contente e de alto-astral. Pronto! Era só ele chegar e já estava lá o arengueiro de plantão aguardando. E o rabugento começava a reclamar de tudo e só falava mal de tudo. Parecia que ele não dormia já preparando o que, mal-humorado, ia dizer no dia seguinte. Ele conseguia mudar o ambiente psíquico do local de trabalho. Isto, no segundo andar do prédio. Pois bem, meu amigo em desespero pediu ao chefe para ser transferido e logo foi convidado para assistente do chefe e foi para o terceiro andar. Adivinhem!!! O que acham que aconteceu? É isso mesmo, vocês adivinharam: o arengueiro chegava mais cedo, subia para o terceiro andar e ia infernizar a vida do meu amigo, coitado!

E para terminar...

Querido leitor, não confunda o arengueiro com o doutor sabe-tudo. São muito parecidos, mas a forma como o fazem é diferente. O arengueiro, como já disse antes, destila mau humor e raiva incontida sobre tudo e todos. O doutor sabe-tudo é diferente: é o suposto sábio, o pretenso-intelectual, o protetor-aconselhador.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita