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por Hugo Alvarenga Novaes

 

Aborto e livre-arbítrio


Não quero aqui entrar na questão técnica, moral ou legal do ato em si, mas unicamente naquilo que tange à Doutrina Espírita.

A maioria dos Espíritas é contrária ao aborto, por este ato ir de encontro com as leis de Deus.

Contudo, lhes mostrarei um outro ponto de vista, de Kardec, que nos leva a uma reflexão, a qual deve ser seriamente considerada.

Vejam bem, não quero influenciar ninguém, apenas convidá-los a uma meditação sobre o tema.

Aqui, quando os Espíritos são questionados a respeito do aborto, lemos: “Que consequências tem para o Espírito o aborto?”. “É uma existência nulificada e que ele terá de recomeçar.”[1]

Na próxima questão, vemos: “Constitui crime a provocação do aborto, em qualquer período da gestação?”

 

“Há crime sempre que transgredis a lei de Deus. Uma mãe, ou quem quer que seja, cometerá crime sempre que tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, por isso que impede uma alma de passar pelas provas a que serviria de instrumento o corpo que se estava formando.”[2]

 

Eles também nos dizem que os Espíritos inferiores abortam por não suportar as provas pelas quais se submetem. Isso nos fica claro quando disseram: “[...] Do mesmo modo que numa árvore carregada de bons frutos se encontram verdadeiros abortos. São, se quiseres, selvagens que da civilização só têm o exterior, lobos extraviados em meio de cordeiros. Espíritos de ordem inferior e muito atrasados podem encarnar entre homens adiantados, na esperança de também se adiantarem [...]”[3]

Com a evolução gradativa dos Espíritos, é certo que “[...]Esses homens, em quem o instinto do mal domina e que se acham deslocados entre pessoas de bem, desaparecerão gradualmente, como o mau grão se separa do bom, quando este é joeirado”.[4]

Por tudo que vimos acima, facilmente inferimos que o Espiritismo é frontalmente contrário ao aborto, pois não concorda com o mal, o crime ou a retrogradação do Espírito.

Entretanto, quando Jesus nos disse que: “[...] a cada um segundo suas obras”,[5] esta fala, com algumas modificações, igualmente foi usada pelos Espíritos que auxiliaram ao Codificador na feitura da Doutrina Espírita. Olhem-na: “Por que há Deus permitido que os Espíritos possam tomar o caminho do mal?”. “[...] A sabedoria de Deus está na liberdade de escolher que Ele deixa a cada um, porquanto, assim, cada um tem o mérito de suas obras.”[6]

Também aprendemos: “Quando na erraticidade, antes de começar nova existência corporal, tem o Espírito consciência e previsão do que lhe sucederá no curso da vida terrena?”. “Ele próprio escolhe o gênero de provas por que há de passar e nisso consiste o seu livre-arbítrio.”[7]

E continua: “a) - Não é Deus, então, quem lhe impõe as tribulações da vida, como castigo?”

 

“Nada ocorre sem a permissão de Deus, porquanto foi Deus quem estabeleceu todas as leis que regem o Universo. Ide agora perguntar por que decretou Ele esta lei e não aquela. Dando ao Espírito a liberdade de escolher, Deus lhe deixa a inteira responsabilidade de seus atos e das consequências que estes tiverem. Nada lhe estorva o futuro; abertos se lhe acham, assim, o caminho do bem, como o do mal. Se vier a sucumbir, restar-lhe-á a consolação de que nem tudo se lhe acabou e que a bondade divina lhe concede a liberdade de recomeçar o que foi mal feito. Demais, cumpre se distinga o que é obra da vontade de Deus do que o é da do homem. Se um perigo vos ameaça, não fostes vós quem o criou e sim Deus. Vosso, porém, foi o desejo de a ele vos expordes, por haverdes visto nisso um meio de progredirdes, e Deus o permitiu.”[8]

 

Vemos na questão precedente que nada ocorre sem a aquiescência Divina. Que somos responsáveis pelas ações e suas consequências. E que Deus é muito bom em permitir nossas escolhas, pois assim evoluiremos.

Já que estamos citando Deus, não podemos deixar de mencionar o seguinte comentário de Kardec:

“[...] É soberanamente justo e bom. A sabedoria providencial das leis divinas se revela, assim nas mais pequeninas coisas, como nas maiores, e essa sabedoria não permite se duvide nem da justiça nem da bondade de Deus”.[9]

Falemos agora do livre-arbítrio, perguntando aos Espíritos: “Todos os Espíritos passam pela fieira do mal para chegar ao bem?” “Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não os criou maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, tendo tanta aptidão para o bem quanto para o mal. Os que são maus, assim se tornaram por vontade própria.”[10]

Lemos na questão seguinte:

 

Como podem os Espíritos, em sua origem, quando ainda não têm consciência de si mesmos, gozar da liberdade de escolha entre o bem e o mal? Há neles algum princípio, qualquer tendência que os encaminhe para uma senda de preferência a outra?

“O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito adquire a consciência de si mesmo. Já não haveria liberdade, desde que a escolha fosse determinada por uma causa independente da vontade do Espírito. A causa não está nele, está fora dele, nas influências a que cede em virtude da sua livre vontade. É o que se contém na grande figura emblemática da queda do homem e do pecado original: uns cederam à tentação, outros resistiram.”[11]

 

Ainda temos: “Donde vêm as influências que sobre ele se exercem?”. “Dos Espíritos imperfeitos, que procuram apoderar-se dele, dominá-lo, e que rejubilam com o fazê-lo sucumbir. Foi isso o que se intentou simbolizar na figura de Satanás.”[12]

Prosseguindo: “Tal influência só se exerce sobre o Espírito em sua origem?”. “Acompanha-o na sua vida de Espírito, até que haja conseguido tanto império sobre si mesmo, que os maus desistem de obsidiá-lo.”[13]

No mesmo livro acompanhamos: “Os Espíritos são criados iguais quanto às faculdades intelectuais?”. “São criados iguais, porém, não sabendo donde vêm, preciso é que o livre-arbítrio siga seu curso. Eles progridem mais ou menos rapidamente em inteligência como em moralidade.”

Neste ponto Kardec comenta:

 

Os Espíritos que desde o princípio seguem o caminho do bem nem por isso são Espíritos perfeitos. Não têm, é certo, maus pendores, mas precisam adquirir a experiência e os conhecimentos indispensáveis para alcançar a perfeição. Podemos compará-los a crianças que, seja qual for a bondade de seus instintos naturais, necessitam de se desenvolver e esclarecer e que não passam, sem transição, da infância à madureza. Simplesmente, assim como há homens que são bons e outros que são maus desde a infância, também há Espíritos que são bons ou maus desde a origem, com a diferença capital de que a criança tem instintos já inteiramente formados, enquanto que o Espírito, ao formar-se, não é nem bom, nem mau; tem todas as tendências e toma uma ou outra direção, por efeito do seu livre-arbítrio.[14]

 

Após toda esta exposição, concluímos que tanto os espíritas, quanto os Espíritos, têm motivos de sobra para não concordarem com o aborto.

Contudo, vimos que a bondade e a justiça do Altíssimo são magnânimas, assim como sua permissão deve ser obedecida por todos no Universo.

Também deduzimos que o Homem é responsável por seus atos “sejam eles quais forem” e obviamente suportar suas consequências.

Vejam bem caros leitores: “não incentivamos o aborto, mas achamos que deve ser respeitada a vontade da pessoa que o comete. Afinal, é a Deus que ela terá de responder pelos seus atos”.


 


[1] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos, FEB, 76ª., ed., q. 357.

[2] Id. 358.

[3] Id. 755.

[4] Id. 756.

[5] Mateus 16:27.

[6] KARDEC, A. O Livro dos Espíritos, FEB, 76ª., ed., q. 123.

[7] Id. 258.

[8] Id. 258-a.

[9] Id. 13.

[10] Id. 121.

[11] Id. 122.

[12] Id. 122-s.

[13] Id. 122-b.

[14] Id. 127.


 
 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita