Aborto e
livre-arbítrio
Não quero aqui entrar na questão técnica, moral ou legal
do ato em si, mas unicamente naquilo que tange à
Doutrina Espírita.
A maioria dos Espíritas é contrária ao aborto, por este
ato ir de encontro com as leis de Deus.
Contudo, lhes mostrarei um outro ponto de vista, de
Kardec, que nos leva a uma reflexão, a qual deve ser
seriamente considerada.
Vejam bem, não quero influenciar ninguém, apenas
convidá-los a uma meditação sobre o tema.
Aqui, quando os Espíritos são questionados a respeito do
aborto, lemos: “Que consequências tem para o Espírito o
aborto?”. “É uma existência nulificada e que ele terá de
recomeçar.”[1]
Na próxima questão, vemos: “Constitui crime a provocação
do aborto, em qualquer período da gestação?”
“Há crime sempre que transgredis a lei de Deus. Uma mãe,
ou quem quer que seja, cometerá crime sempre que tirar a
vida a uma criança antes do seu nascimento, por isso que
impede uma alma de passar pelas provas a que serviria de
instrumento o corpo que se estava formando.”[2]
Eles também nos dizem que os Espíritos inferiores
abortam por não suportar as provas pelas quais se
submetem. Isso nos fica claro quando disseram:
“[...] Do mesmo modo que numa árvore carregada de bons
frutos se encontram verdadeiros abortos. São, se
quiseres, selvagens que da civilização só têm o
exterior, lobos extraviados em meio de cordeiros.
Espíritos de ordem inferior e muito atrasados podem
encarnar entre homens adiantados, na esperança de também
se adiantarem [...]”[3]
Com a evolução gradativa dos Espíritos, é certo que
“[...]Esses homens, em quem o instinto do mal domina e
que se acham deslocados entre pessoas de bem,
desaparecerão gradualmente, como o mau grão se separa do
bom, quando este é joeirado”.[4]
Por tudo que vimos acima, facilmente inferimos que o
Espiritismo é frontalmente contrário ao aborto, pois não
concorda com o mal, o crime ou a retrogradação do
Espírito.
Entretanto, quando Jesus nos disse que: “[...] a cada um
segundo suas obras”,[5] esta
fala, com algumas modificações, igualmente foi usada
pelos Espíritos que auxiliaram ao Codificador na feitura
da Doutrina Espírita. Olhem-na: “Por que há Deus
permitido que os Espíritos possam tomar o caminho do
mal?”. “[...] A sabedoria de Deus está na liberdade de
escolher que Ele deixa a cada um, porquanto, assim, cada
um tem o mérito de suas obras.”[6]
Também aprendemos: “Quando na erraticidade, antes de
começar nova existência corporal, tem o Espírito
consciência e previsão do que lhe sucederá no curso da
vida terrena?”. “Ele próprio escolhe o gênero de provas
por que há de passar e nisso consiste o seu
livre-arbítrio.”[7]
E continua: “a) - Não é Deus, então, quem lhe impõe as
tribulações da vida, como castigo?”
“Nada ocorre sem a permissão de Deus, porquanto foi Deus
quem estabeleceu todas as leis que regem o Universo. Ide
agora perguntar por que decretou Ele esta lei e não
aquela. Dando ao Espírito a liberdade de escolher, Deus
lhe deixa a inteira responsabilidade de seus atos e das
consequências que estes tiverem. Nada lhe estorva o
futuro; abertos se lhe acham, assim, o caminho do bem,
como o do mal. Se vier a sucumbir, restar-lhe-á a
consolação de que nem tudo se lhe acabou e que a bondade
divina lhe concede a liberdade de recomeçar o que foi
mal feito. Demais, cumpre se distinga o que é obra da
vontade de Deus do que o é da do homem. Se um perigo vos
ameaça, não fostes vós quem o criou e sim Deus. Vosso,
porém, foi o desejo de a ele vos expordes, por haverdes
visto nisso um meio de progredirdes, e Deus o permitiu.”[8]
Vemos na questão precedente que nada ocorre sem a
aquiescência Divina. Que somos responsáveis pelas ações
e suas consequências. E que Deus é muito bom em permitir
nossas escolhas, pois assim evoluiremos.
Já que estamos citando Deus, não podemos deixar de
mencionar o seguinte comentário de Kardec:
“[...] É soberanamente justo e bom. A sabedoria
providencial das leis divinas se revela, assim nas mais
pequeninas coisas, como nas maiores, e essa sabedoria
não permite se duvide nem da justiça nem da bondade de
Deus”.[9]
Falemos agora do livre-arbítrio, perguntando aos
Espíritos: “Todos os Espíritos passam pela fieira do mal
para chegar ao bem?” “Não têm eles o livre-arbítrio?
Deus não os criou maus; criou-os simples e ignorantes,
isto é, tendo tanta aptidão para o bem quanto para o
mal. Os que são maus, assim se tornaram por vontade
própria.”[10]
Lemos na questão seguinte:
Como podem os Espíritos, em sua origem, quando ainda não
têm consciência de si mesmos, gozar da liberdade de
escolha entre o bem e o mal? Há neles algum princípio,
qualquer tendência que os encaminhe para uma senda de
preferência a outra?
“O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito
adquire a consciência de si mesmo. Já não haveria
liberdade, desde que a escolha fosse determinada por uma
causa independente da vontade do Espírito. A causa não
está nele, está fora dele, nas influências a que cede em
virtude da sua livre vontade. É o que se contém na
grande figura emblemática da queda do homem e do pecado
original: uns cederam à tentação, outros resistiram.”[11]
Ainda temos: “Donde vêm as influências que sobre ele se
exercem?”. “Dos Espíritos imperfeitos, que procuram
apoderar-se dele, dominá-lo, e que rejubilam com o
fazê-lo sucumbir. Foi isso o que se intentou simbolizar
na figura de Satanás.”[12]
Prosseguindo: “Tal influência só se exerce sobre o
Espírito em sua origem?”. “Acompanha-o na sua vida de
Espírito, até que haja conseguido tanto império sobre si
mesmo, que os maus desistem de obsidiá-lo.”[13]
No mesmo livro acompanhamos: “Os Espíritos são criados
iguais quanto às faculdades intelectuais?”. “São criados
iguais, porém, não sabendo donde vêm, preciso é que o
livre-arbítrio siga seu curso. Eles progridem mais ou
menos rapidamente em inteligência como em moralidade.”
Neste ponto Kardec comenta:
Os Espíritos que desde o princípio seguem o caminho do
bem nem por isso são Espíritos perfeitos. Não têm, é
certo, maus pendores, mas precisam adquirir a
experiência e os conhecimentos indispensáveis para
alcançar a perfeição. Podemos compará-los a crianças
que, seja qual for a bondade de seus instintos naturais,
necessitam de se desenvolver e esclarecer e que não
passam, sem transição, da infância à madureza.
Simplesmente, assim como há homens que são bons e outros
que são maus desde a infância, também há Espíritos que
são bons ou maus desde a origem, com a diferença capital
de que a criança tem instintos já inteiramente formados,
enquanto que o Espírito, ao formar-se, não é nem bom,
nem mau; tem todas as tendências e toma uma ou outra
direção, por efeito do seu livre-arbítrio.[14]
Após toda esta exposição, concluímos que tanto os
espíritas, quanto os Espíritos, têm motivos de sobra
para não concordarem com o aborto.
Contudo, vimos que a bondade e a justiça do Altíssimo
são magnânimas, assim como sua permissão deve ser
obedecida por todos no Universo.
Também deduzimos que o Homem é responsável por seus atos
“sejam eles quais forem” e obviamente suportar suas
consequências.
Vejam bem caros leitores: “não incentivamos o aborto,
mas achamos que deve ser respeitada a vontade da pessoa
que o comete. Afinal, é a Deus que ela terá de responder
pelos seus atos”.
[1] KARDEC,
A. O Livro dos Espíritos, FEB, 76ª., ed.,
q. 357.
[6] KARDEC,
A. O Livro dos Espíritos, FEB, 76ª., ed.,
q. 123.
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