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por Bruno Abreu

 

Sair do casulo do sofrimento


Temos vivido dentro da imaginação do nosso pensamento.  Acreditamos ser possível conhecer a vida através dele, mas é apenas um engodo criado pelo desejo de suster o que é extremamente veloz e mutável.

Somos assustados pela velocidade estonteante da vida e o pensamento trata de criar as artimanhas a que recorremos para sentir segurança e confiança. Estas últimas, são apenas palavras que descrevem uma sensação mental, tão verdadeiras quanto o seu criador. Uma ideia ser fixa, não faz dela uma verdade, ninguém mata a sede com uma ideia estável e forte sobre a água.

Se a vida é mutável e impermanente, o pensamento tem os mesmos atributos, uma mudança constante, embora com intenção de fazer acreditar na estabilidade. A única coisa que o pensamento mantém fixa é a existência de uma individualidade psicológica, depois tudo o resto passa por esta imagem sem sustentabilidade própria.

A segurança e confiança são duas ideias que tentam manter sustentabilidade destro deste mar em tempestade. De certa forma é possível a imaginação da mente suster esta sensação. Quando esta necessita, fabrica-a na hora, sem perceber o quanto é ilusória. 

Estas duas ideias, sustentadas por sensações, não são as únicas ilusões criadas pela mente desatenta ao seu funcionamento. O ser humano cria a sua vida através do movimento do pensamento, não percebendo o quanto perde por ver em uma pequena “televisão” a imensidão da existência.

Nada foge a este funcionamento, nesta construção cabe a imagem dos outros, mesmo aqueles que amamos, roubando-lhes a liberdade. Incluímos nas nossas criações a religião e o religioso, por isso existirem tantos deuses, construídos pelos atributos e necessidades de cada pessoa.

Esta forma de vida cria a instabilidade e o conflito que a humanidade vive. Depois de tudo construirmos mentalmente, sobra o desejo de que tudo seja como imaginamos, senão, porque teríamos construído?

Parecem dois carris da mesma linha de comboio, mas o primeiro foi colocado pelo pensamento, e o segundo pela vida, logo, não existe paralelismo durante muito tempo.

O dono da criação executa-a através do seu conhecimento, como consequência, e as características do efeito não podem ser diferentes da enorme limitação da causa.

Por outro lado, ou no outro carril, a vida é a gestora, com o enorme potencial e uma liberdade inimaginável, pois ultrapassa qualquer limitação da vontade e do desejo.

A ideia construída, mesmo que de forma inconsciente, sobre a vida, embatendo no real movimento desta, causa a indignação e a frustração tão conhecida pela humanidade. Isto leva-nos a longas épocas de desagrado, até aprendermos, ou o movimento da vida nos agradar. Parecemos crianças mimadas abraçadas à teimosia.

Esta é a causa do conflito interno e externo.

É necessário crescermos, abandonando o apego à construção mental para vislumbrarmos o movimento da vida, pois não é este que nos causa o sofrimento, mas aquele a que nos apegamos por construção própria.

Qualquer um de nós pode percepcionar que o nosso descontentamento nasce na diferença do próprio desejo e do acontecimento.

O acontecimento está fora da nossa manipulação, é-nos entregue pelo universo, o desejo é uma criação nossa. Dificilmente mudaremos o primeiro, mas o segundo é possível, através do desapego, ato tão difícil.

Desejar que as coisas tivessem acontecido como queríamos é querer mudar o passado, algo que percebemos com facilidade que é impossível. Nós nos indignamos com o que aconteceu, e isso é o passado, mesmo que há uns minutos atrás.

Ficar preso a essa ideia é uma perda de tempo e, em especial, de paz.

Seguindo a lógica, percebemos que esta é uma realidade sofredora que vivemos desnecessariamente, só acontece porque não refletimos nisto, de vez em quando. É demasiado óbvio que a manipulação da vida é impossível, mesmo que esta pareça decorrer temporariamente a favor do nosso desejo. A vida não está sob nossa subjugação, é demasiado grande para isso.

Se não temos forma de subjugar a vida ao nosso desejo, existirá alguma forma de diminuirmos o nosso conflito?

O outro carril, como chamamos atrás, é o nosso desejo limitado de querer que a vida aconteça conforme a nossa vontade, o que poderemos alterar aqui?

Jesus chamou de Fé e resignação, a aceitação da vida como ela surge, o abandono do apego à construção mental.

Se eu não desejar que as coisas aconteçam e os outros sejam como eu quero, então não existirá conflito, percebendo que tudo tem um movimento próprio.

Esta forma de aceitar a vida leva-me para o presente, para agora, onde tudo se torna mais leve, redescobrindo a inocência da criança que em outrora senti. Eventualmente, poderei perceber que o desejo de tudo correr como quero limitava a minha percepção sobre a beleza do movimento do universo. É como ir dar um passeio com a mente carregada de problemas; não existirá proveito.

As coisas não têm de correr como eu quero, nem os outros serem como eu desejo, pois eu também quero ser livre e temos esse direito, logo, se transforma em um dever de dar liberdade aos outros.

Um homem pode ser livre em uma prisão, mas prisioneiro fora dela, qual a diferença?

O que difere é o poder do pensamento, onde nascem todos os desejos e as vontades que nos escravizam. Somos escravos sem imaginar, do que nos surge na mente, sem percebermos sequer que não temos a total vontade sobre os mesmos. Se você pensa o contrário, exija o seu término temporariamente, veja quem é o ditador?

“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.”

O ser humano tem o direito de ser feliz, ou, pelo menos, não sofrer tanto. Tenha a vontade de que isto aconteça e pergunte a si próprio como pode diminuir o cárcere do conflito.

Não permita que a sua mente seja a constante criadora da luta com a vida, mas ensine-a a ser leve e moderada, aproveitando a vida a cada minuto.


 
 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita