Sair do casulo do
sofrimento
Temos vivido dentro da imaginação do nosso pensamento.
Acreditamos ser possível conhecer a vida através dele,
mas é apenas um engodo criado pelo desejo de suster o
que é extremamente veloz e mutável.
Somos assustados pela velocidade estonteante da vida e o
pensamento trata de criar as artimanhas a que recorremos
para sentir segurança e confiança. Estas últimas, são
apenas palavras que descrevem uma sensação mental, tão
verdadeiras quanto o seu criador. Uma ideia ser fixa,
não faz dela uma verdade, ninguém mata a sede com uma
ideia estável e forte sobre a água.
Se a vida é mutável e impermanente, o pensamento tem os
mesmos atributos, uma mudança constante, embora com
intenção de fazer acreditar na estabilidade. A única
coisa que o pensamento mantém fixa é a existência de uma
individualidade psicológica, depois tudo o resto passa
por esta imagem sem sustentabilidade própria.
A segurança e confiança são duas ideias que tentam
manter sustentabilidade destro deste mar em tempestade.
De certa forma é possível a imaginação da mente suster
esta sensação. Quando esta necessita, fabrica-a na hora,
sem perceber o quanto é ilusória.
Estas duas ideias, sustentadas por sensações, não são as
únicas ilusões criadas pela mente desatenta ao seu
funcionamento. O ser humano cria a sua vida através do
movimento do pensamento, não percebendo o quanto perde
por ver em uma pequena “televisão” a imensidão da
existência.
Nada foge a este funcionamento, nesta construção cabe a
imagem dos outros, mesmo aqueles que amamos,
roubando-lhes a liberdade. Incluímos nas nossas criações
a religião e o religioso, por isso existirem tantos
deuses, construídos pelos atributos e necessidades de
cada pessoa.
Esta forma de vida cria a instabilidade e o conflito que
a humanidade vive. Depois de tudo construirmos
mentalmente, sobra o desejo de que tudo seja como
imaginamos, senão, porque teríamos construído?
Parecem dois carris da mesma linha de comboio, mas o
primeiro foi colocado pelo pensamento, e o segundo pela
vida, logo, não existe paralelismo durante muito tempo.
O dono da criação executa-a através do seu conhecimento,
como consequência, e as características do efeito não
podem ser diferentes da enorme limitação da causa.
Por outro lado, ou no outro carril, a vida é a gestora,
com o enorme potencial e uma liberdade inimaginável,
pois ultrapassa qualquer limitação da vontade e do
desejo.
A ideia construída, mesmo que de forma inconsciente,
sobre a vida, embatendo no real movimento desta, causa a
indignação e a frustração tão conhecida pela humanidade.
Isto leva-nos a longas épocas de desagrado, até
aprendermos, ou o movimento da vida nos agradar.
Parecemos crianças mimadas abraçadas à teimosia.
Esta é a causa do conflito interno e externo.
É necessário crescermos, abandonando o apego à
construção mental para vislumbrarmos o movimento da
vida, pois não é este que nos causa o sofrimento, mas
aquele a que nos apegamos por construção própria.
Qualquer um de nós pode percepcionar que o nosso
descontentamento nasce na diferença do próprio desejo e
do acontecimento.
O acontecimento está fora da nossa manipulação, é-nos
entregue pelo universo, o desejo é uma criação nossa.
Dificilmente mudaremos o primeiro, mas o segundo é
possível, através do desapego, ato tão difícil.
Desejar que as coisas tivessem acontecido como queríamos
é querer mudar o passado, algo que percebemos com
facilidade que é impossível. Nós nos indignamos com o
que aconteceu, e isso é o passado, mesmo que há uns
minutos atrás.
Ficar preso a essa ideia é uma perda de tempo e, em
especial, de paz.
Seguindo a lógica, percebemos que esta é uma realidade
sofredora que vivemos desnecessariamente, só acontece
porque não refletimos nisto, de vez em quando. É
demasiado óbvio que a manipulação da vida é impossível,
mesmo que esta pareça decorrer temporariamente a favor
do nosso desejo. A vida não está sob nossa subjugação, é
demasiado grande para isso.
Se não temos forma de subjugar a vida ao nosso desejo,
existirá alguma forma de diminuirmos o nosso conflito?
O outro carril, como chamamos atrás, é o nosso desejo
limitado de querer que a vida aconteça conforme a nossa
vontade, o que poderemos alterar aqui?
Jesus chamou de Fé e resignação, a aceitação da vida
como ela surge, o abandono do apego à construção mental.
Se eu não desejar que as coisas aconteçam e os outros
sejam como eu quero, então não existirá conflito,
percebendo que tudo tem um movimento próprio.
Esta forma de aceitar a vida leva-me para o presente,
para agora, onde tudo se torna mais leve, redescobrindo
a inocência da criança que em outrora senti.
Eventualmente, poderei perceber que o desejo de tudo
correr como quero limitava a minha percepção sobre a
beleza do movimento do universo. É como ir dar um
passeio com a mente carregada de problemas; não existirá
proveito.
As coisas não têm de correr como eu quero, nem os outros
serem como eu desejo, pois eu também quero ser livre e
temos esse direito, logo, se transforma em um dever de
dar liberdade aos outros.
Um homem pode ser livre em uma prisão, mas prisioneiro
fora dela, qual a diferença?
O que difere é o poder do pensamento, onde nascem todos
os desejos e as vontades que nos escravizam. Somos
escravos sem imaginar, do que nos surge na mente, sem
percebermos sequer que não temos a total vontade sobre
os mesmos. Se você pensa o contrário, exija o seu
término temporariamente, veja quem é o ditador?
“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.”
O ser humano tem o direito de ser feliz, ou, pelo menos,
não sofrer tanto. Tenha a vontade de que isto aconteça e
pergunte a si próprio como pode diminuir o cárcere do
conflito.
Não permita que a sua mente seja a constante criadora da
luta com a vida, mas ensine-a a ser leve e moderada,
aproveitando a vida a cada minuto.
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