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por Maria de Lurdes Duarte

 

A fé que move as montanhas que somos


Sinto que devo começar por dizer que tenho um gosto muito especial pelas parábolas evangélicas.

Uma das razões é a simplicidade tão sábia com que o Grande Mestre as apresentou e usou para difundir verdades profundas. Demonstram a visão própria dAquele cujos ensinamentos visavam muito mais longe, outros tempos, outros povos e outras eras em que as Suas palavras deveriam ser entendidas com maior discernimento, mas que conhecia as gentes da Sua época, com as suas peculiaridades, fragilidades e limitações, e que também desejava por eles ser entendido.

Outra razão é a forte ligação à terra, à natureza, que tanto admiro e respeito, e de onde, sem sombra de dúvida, podemos, se estivermos suficientemente atentos, colher lições sublimes. Jesus sabia disso. Tinha a sabedoria imensa de pegar nas coisas mais simples e quotidianas e transformá-las em mensagens de um alcance tal que, ainda hoje, não temos a capacidade de as entender em toda a sua plenitude.

Muito esquecidos andamos dessa simplicidade do Evangelho. Ou, se assim quisermos dizer, da simplicidade da Natureza, da qual deveríamos colher as maiores bênçãos. Na ânsia de avançarmos a todo o vapor na senda da intelectualidade, da ciência, da tecnologia, de vencermos todo e qualquer obstáculo que nos afaste do que pensamos ser o objetivo da existência, ou seja, o prazer. Deixamos de visar ao crescimento espiritual, moral e ético. Esquecemos tudo o que aqui nos trouxe: as decisões tomadas na Espiritualidade, os compromissos, os ensejos de libertação da matéria, do egoísmo, do orgulho, dos defeitos e imperfeições. Corremos atrás da felicidade, mas esquecemos que ela será sempre proporcional a um aperfeiçoamento de nós mesmos que, lamentavelmente, estamos a descurar.

É a grande montanha que temos de vencer. É uma montanha dura, agreste, muito difícil de escalar. Foi erguida por nós próprios, ao longo de séculos, milênios até, de dolorosos equívocos, em que colocamos todo o nosso querer em coisas e situações que só nos acarretaram dor e sofrimento, pelo afastamento das Leis Eternas criadas pelo Pai para nossa felicidade. Somos nós mesmos essa montanha a ser vencida. Vale a pena? Certamente. Quando, enfim, chegarmos ao cume, contemplaremos toda a grandeza do Bem, da Harmonia, da Paz interior que leva à exterior abrangente e universal, do Belo, do Equilíbrio… O que ficou para trás, imperfeições, erros, sensações egoístas, baixas e mesquinhas, tudo nos parecerá tão pobre, tão pequeno, tão insignificante, que nos custará a entender e aceitar que houve tempos em que, equivocadamente, estivemos agrilhoados a tais interesses e anseios.

Por enquanto… é, mais do que tudo, necessário dar início à grande viagem pelo nosso íntimo, com decisão e frontalidade, buscando em nós tudo o que nos entrava, sem nos apegarmos aos erros passados, mas fortemente determinados a superar e vencer. Vencermo-nos. Jesus falou dessa Fé que move montanhas. Que Fé será essa que fará de nós vencedores dos obstáculos que colocamos no próprio caminho? Uma Fé cega? Milagreira? Realmente, essa parábola do Mestre foi entendida como milagreira, sim. Mover montanhas… só pelo poder milagroso de Deus. Não entendemos o que Jesus queria dizer. Não entendemos que Jesus falava de nós e da nossa ignorância, as montanhas a vencer. Não entendemos que a Fé teria de ser a força interior fundamentada na crença inabalável no Amor de Deus e nos Seus propósitos, a convicção profunda da necessidade de ajuste às Suas Leis que nos tornaria fortes, a força de seguir os ensinamentos simples mas sublimes de Jesus, que nos impulsionariam a transcender a nossa pequenez e a alcançar a Força de subir montanhas, ou de lhes dizer “Afastem-se, movam-se!” e vê-las obedecer-nos.

Não entendemos. Por isso, perdemos muito tempo. Deixamo-nos ficar pelo sopé, amortecidos, fracos, aprisionados. As montanhas dos nossos desejos e interesses, sem conexão com os objetivos para que fomos criados por Deus, permaneceram por um tempo infindável entre nós e o Bem. Estacionamos. Atrasamos a Felicidade.

Queríamos, e continuamos a querer, tanto ser felizes, que apenas confiamos na ciência. Inventamos a genética, tentando contornar as Leis sábias do Criador para acabar com os seres que vemos como imperfeitos, selecionando genes que, achamos nós, criarão artificialmente seres mais belos, inteligentes, longe da dor e das dificuldades. Queríamos, e continuamos a querer, tanto ser imortais, que engendramos mil e uma formas de aumentar a longevidade, contornar a doença, substituir órgãos deficitários, pensando enganar a morte. Queríamos tanto acabar com a dor e o sofrimento, que nos tornamos impreparados para a enfrentar. Sem capacidade de aceitação, inventamos a eutanásia e o suicídio, buscando, já que não vencemos a morte, pelo menos abreviar o tempo de vida e de dor e, corajosamente (achamos nós! doloroso equívoco!), enfrentá-la como e quando bem entendemos. Esquecemos que somos e sempre fomos Seres Imortais, e que uma coisa de que nunca fugiremos é de nós mesmos. Vamos aonde formos, aqui, no Além ou noutra existência física, sempre lá estaremos à nossa espera. Sempre a nossa consciência nos seguirá e exigirá a retomada do caminho interrompido, infelizmente com agravo das dores e sofrimentos de que intentamos fugir.

Nada temos contra a ciência (a genética, o transplante de órgão, ou qualquer outra das suas realizações), é bom que se faça o esclarecimento. Muito pelo contrário. A inteligência é um dom sublime, um germe que está conosco desde os primeiros momentos da nossa criação, prontinho a crescer e nos levar a profundas realizações que farão de nós cooperadores da Espiritualidade na construção de um mundo melhor. O conhecimento intelectual vai-nos sendo dado proporcionalmente ao trabalho de aprimoramento e é sempre destinado à construção do Bem. Quem se dedica à investigação, nas diferentes áreas e campos da Ciência, realiza um sublime tributo e contributo, mesmo que não o saiba e até se julgue ateu, ao Trabalho do Pai e é cocriador com Ele. Será sempre abençoado o seu trabalho, se for no sentido do Bem, com ética e responsabilidade, destinado à construção de um mundo melhor para todos, com menos dor. Até porque, à medida da nossa evolução moral e espiritual, cada vez teremos menos necessidade de viver em sofrimento e só ganharemos com um ambiente harmonioso e equilibrado, menos atribulado pelas necessidades de ordem física, que será mais propício a outras realizações. O mal nunca está na ciência, está no mau uso das possibilidades que ela põe ao nosso alcance. Não podemos esquecer que qualquer conhecimento só nos é dado à medida da nossa capacidade de o entender e de o aplicar de forma correta. Se Deus permite que, num dado momento, a ciência faça determinadas descobertas, ou a tecnologia crie e invente algo, é porque nos vê preparados para avançar e progredir nesse sentido. Se assim não acontece, se damos rumos errados ao saber que conquistamos, é de nossa inteira responsabilidade. Temos o livre-arbítrio, somos livres e responsáveis.

Quando dissemos que apenas confiamos na ciência, queríamos sublinhar essa mesma ideia “apenas”. Faltou-nos a compreensão da Mensagem do Cristo; faltou-nos o propósito no Bem; faltou-nos a compreensão das verdadeiras realidades da Vida e dos propósitos das existências terrenas; faltou-nos até (e muito importante) a consciência do fato de a Vida ser constituída por existências e não uma única existência, que nos poderia ter feito direcionar os interesses (e até o objeto das investigações da ciência, por que não?) para o crescimento espiritual, em detrimento da materialidade exagerada a que nos habituamos e submetemos. Faltou-nos porque, durante demasiado tempo, descuramos um pormenor imprescindível: a Ética que deve e tem mesmo de ser o contrapeso da ciência. Faltou-nos tudo isso e, como consequência inevitável, a ciência desiludiu-nos. Não por culpa dela, mas porque descuramos os nossos verdadeiros objetivos. Mais uma montanha a vencer: criar, dentro de nós mesmos, um sistema em que a Ética, a Ciência, a Moral, a Religião sejam as diversas facetas da Vida em crescimento para a Espiritualidade. Um sistema interior em que todas essas facetas nos ajudem a vencer a montanha aparentemente intransponível em que nos transformamos.

Que não nos falte agora a Fé verdadeira e inabalável e que saibamos dizer ao Espírito Imortal que somos: Move-te! Ergue-te! Segue em frente! Foi isso o que Jesus nos ensinou. É isso que continua a dizer-nos. É isso que Ele e o Pai esperam de nós.

 

Bibliografia:

O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec.

O Livro dos Espíritos, Allan Kardec.

Dias Gloriosos, Divaldo Franco, Joanna de Ângelis.  


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita