Mãe e filha
O destino de uma mulher é ser mulher.
Clarice Lispector
Às vezes faço planos sobre coisas que pretendo deixar
escritas/feitas, e como se fosse a parte final de meu
itinerário. Quero, por exemplo, terminar um livro que
comecei há três anos sobre filosofia da educação; quero
plantar um jardim de árvores aromáticas; quero retomar o
curso de história da arte, abandonado por falta de
tempo, porque o cotidiano no geral, tão permeado por
tarefas, acaba por nos desviar de nossos desejos mais
profundos e bonitos.
Aconteceu isso agora. Pensando nos meus leitores, ao
invés de revisar o escrito que havia feito e dedicado à
infância, resolvi escrever outro e para falar um
pouquinho sobre a maternidade ou o que entendo
importante sobre o relacionamento mãe-filha – e isso
porque sou filha e também sou mãe de filhas.
A história da educação de uma filha é, em palavras
simples, o enredo de atenção para que a criança
amada/acolhida, em primeiro lugar, não seja vítima de
nossas expectativas, pois os “nossos filhos não são
nossos”, já alertou o poeta Gibran.
Um fato: não nascemos mães. É um aprendizado a
maternidade e, por isso, a mãe sempre pode melhorar.
Sobretudo melhoramos como mães quando cuidamos bem de
nós mesmas, ganhando mais confiança, valendo-nos de
ferramentas diversas para encarar a própria vida e ainda
dar conta do compromisso amoroso de amar-educar a filha.
É necessário, no entanto, entender que esse autocuidado
implica querer a mulher também persistir no caminho do
autodesenvolvimento. Apropriar-se a pessoa de um saber a
respeito das próprias necessidades e, às vezes,
aprender a desaprender, recusando, por exemplo, a
repetição de atitudes que foram transmitidos pela
própria mãe, mas que não fazem o menor sentido – usar o
medo como ‘estratégia pedagógica’, por exemplo.
Maternidade pressupõe revisão do que foi herdado… Não é
à toa que D. W. Winnicott, pediatra e psicanalista,
escreveu que “para toda mulher há sempre três mulheres:
ela menina, sua mãe e a mãe de sua mãe”…
A mãe e sua filha.
Tudo começa na barriga. Depois, nas brincadeiras:
casinha, panelinhas, os bichinhos de pelúcia. Então a
menina cresce e finalmente se torna adulta. Assim a mãe,
desde a gravidez [já vou avisando], precisa estar
consciente de que a filha, avezinha, está destinada ao
voo.
Tem filha que detesta laço de fita. A mãe suficiente
entende a sobriedade da menina. Abre mão. Mas, distinta
dessa mãe suficiente, conheci, no tempo da escola, uma
menina cuja mãe, vaidosa e autocentrada, obrigava a
filha usar fita no cabelo. Passados trinta anos, a
menina-filha ainda sofre. Contou-me que perdoou, mas não
esqueceu. Quem esquece?
Tem filha que ao crescer conta para a mãe que deseja ser
enfermeira. A mãe em silêncio aceita a justa recusa à
sua fantasia: engenharia. Pois filha tem alma e coração.
Não existe mãe perfeita. Mas existem mães suficientes.
Essas mães não usam em relação à filha a estratégia da
competição, muito menos da culpa. Não lançam em voz alta
a sentença que é sempre uma armadilha: “Eu lutei por
você. Agora você tem que cuidar de mim.”
Sobre a minha mãe.
Sempre a associei a uma árvore. Fui crescendo e ela foi
se tornando cada vez mais desnecessária. Três dias antes
de minha mãe morrer sonhei com 4 árvores – ela teve quatro
filhos. Por ela, no jardim que ainda cultivarei,
plantarei um pé de camélia branca.
Sobre as minhas filhas.
Tenho consciência de que estão no mundo por urgências
que não me pertencem. A mais velha reside em outra
cidade e abandonou, desde o início da faculdade, a
proteção do ninho; há tempos testa por si mesma as
exigências da própria liberdade. A mais nova está com
onze anos, e se despedindo da infância – de minha parte,
procuro praticar esse indispensável movimento de ir e
vir, segurar e soltar, acolher e libertar (recordo, por
exemplo, o primeiro dia na escola…).
Um bom relacionamento mãe e filha?
Penso que para a maioria das mães inevitavelmente
chegará o tempo de abster-se da condição de “aves
protetoras”. Sim, porque há para certas mães as filhas
doentes ou com transtornos...
Filha adulta. Um método para a mãe desnecessária?
Treinar beijar à distância, apoiar decisões que fogem
às nossas idiossincrasias, entender que a filha está
sujeita a erros e fracassos, vibrar por conquistas das
quais não participamos. Aceitar que a filha tem o
direito de seguir com sua vida. Isso é amor.
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