Correio mediúnico

Espírito: Hilário Silva

 

Tesouro enterrado


I

Antes da volta à reencarnação, Levindo Sena foi homenageado por amigos no Plano Espiritual.

E conversava:

— Felizmente, na casa em que vou renascer, não há mais preocupação de tesouro. Árdua luta para banir essa praga…

Indagações surgiram e Levindo resumiu assim a história de sua última existência na Terra:

— Meu irmão Jacinto e eu, com pequeno sítio no sudoeste de Minas Gerais, ouvimos informações sobre a riqueza do Rio Bagagem. Para lá nos dirigimos, tentando a sorte. E por lá, vencendo dificuldades e multiplicando ambições, estivemos na mineração doze anos. Em viradas e negócios, conseguimos boa provisão de diamantes.

Por vezes, à noite comentávamos: “É fortuna para o resto da vida.”

Fazíamos planos. Casar. Criar filhos. E comprar fazendas em sociedade.

Quando nos julgávamos mais que suficientes, abalamos de volta.

Nós dois, em valentes cavalos ferrados e dois burros de cangalha com a mudança.

A qualquer ruído no caminho ou em qualquer desconfiança nas pousadas, empinávamos os trabucos em riste para a defesa dos picuás cheios, a tiracolo.

Tudo ia bem, quando, na marcha vagarosa, em tarde garoenta de julho, Jacinto agastou-se comigo por “dá cá aquela palha” e começou a discutir. Revidei. Trocamos frases amargas.

Mal refeito do espanto, vi meu irmão retirar a arma da cinta e imitei-o.

“Você pensa que tocará nos diamantes?” — gritou. “Nunca. São meus, são meus.”

E investiu contra mim. Lutamos como dois caititus danados. Por fim, disparou e acertou-me no peito. Maquinalmente, fiz o mesmo e feri-lhe um dos pés.

Perdendo sangue, escutei-lhe ainda as últimas ameaças, até que um sono pesado me entorpeceu.

Quando dei conta de mim, nada sabia de tempo. Reconheci apenas que me sentia sufocar sob águas pesadas, com enorme pedra atada ao pescoço.

Amigo anônimo libertava-me e trazia-me à tona, carregando comigo para a margem.

Vim, então, a saber que não mais envergava corpo de carne. Jacinto atirara-me a carcaça à corrente profunda do Rio Grande.

Chorei. Quis vê-lo e consegui. Depois de rápida viagem, contemplei-o, isolado, de cócoras sobre grande pedra. Ao rever-me, explodiu em revolta. Afastei-me.

E o amigo providencial, que me amparara deste lado, explicou que Jacinto, logo após liquidar-me, passou a noite incomodado pelas dores do pé.

Ao raiar do dia seguinte, montou e tangeu os animais, reconhecendo-se na verde região em que se encontram Ibiraci e Delfinópolis. Penetrou pequeno sítio, sentindo febre.

Comprou grande caldeirão de ferro batido, com tampa forte, e escolheu um grupo de pedras, em grotão das cercanias, muniu-se de sinais e enterrou os diamantes, para buscá-los depois de refazer-se.

No velho sítio, porém, apesar de receber tratamento, perdeu o corpo, em terrível agonia, minado pela gangrena. Entretanto, permanecia, em Espírito, sobre a pedra marcada. Montava guarda aos diamantes, sem desistir da ideia de posse.


II


Ouvíamos em suspenso.

E, atendendo-nos à solicitação, Levindo prosseguiu:

— Ambos sofremos muito. Aceitei a verdade e conformei-me. Passei a frequentar escolas espirituais de esclarecimento, mas Jacinto conservou-se acocorado na pedra.

Trinta anos rolaram, quando nossa mãezinha, desde muito desencarnada, conseguiu deslocá-lo, conduzindo-o para o norte do Paraná com promessas de volta.

Ali, porém, Jacinto reencarnou, com as bênçãos protetoras de antigos familiares.

Hoje é um moço pobre e triste, recém-casado, entre colonos de vida simples, numa plantação de café. Aguarda-me em breve tempo. Será meu pai e seremos sócios de trabalho e de luta. Ajudar-me-á e, mais tarde, ajudá-lo-ei.

— E o tesouro? — perguntamos a uma voz.

Sena sorriu e terminou:

— Imaginem vocês que Jacinto, reencarnado, desde criança começou a sonhar com os diamantes guardados. Muito moço ainda, recebeu favores da Doutrina Espírita e começou a interessar-se pela mediunidade.

Vez por outra, fora do corpo, em serviço espiritual, era atraído à paisagem a que se ligou por tantos anos. À noite, em desdobramento, buscava as pedras não muito longe de Delfinópolis.

Sem que pudesse romper o olvido com que mergulhara no berço, conhecia, por intuição, a zona que nos registrara o débito moral. Colecionava fotografias. Indagava. Gente que procedesse do sudoeste de Minas Gerais era por ele visada logo. E sonhava que por lá havia um tesouro à espera dele.

Percebendo o perigo, começamos a orar, pedindo socorro.

Minha mãe, outros amigos e eu rogamos providências da Esfera Superior e incorporamo-nos à falange espiritual que inspirou a construção de grande represa, para a produção de força elétrica.

E quando Jacinto, em nova forma, visitou a cidade de Ibiraci, em Minas Gerais, acompanhando amigos da região, espantado verificou que toda a configuração geográfica lhe era familiar. Tudo respondia afirmativamente à sua expectativa. Tudo por fora era o que via por dentro. Mas, intentando procurar particularidades mais amplas, reconheceu que, se havia algum monte de pedras acolá, amoitando uma panela de diamantes, devia estar irremediavelmente sepultado sob as águas profundas…

 

Do livro Almas em Desfile, obra psicografada pelos médiuns Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita