Alma escrava
“Por que, meu Deus, a carne inda me prende,
Por que me arrasto como um triste duende,
Em miserabilíssimos despojos?”
Era o ser encarnado que falava,
Amarguradas queixas da alma escrava,
No mais horrendo dos martirológios.
Como pude descer nos labirintos,
Onde os lobos vorazes dos instintos
Nos consomem nos dentes esfaimados;
E por que, idealizando puros gozos,
Busco na carne abismo tenebrosos,
Abominando todos os pecados?“
“Sou no mundo um fantasma solitário,
Só porque, um dia, um espermatozoário
Uniu-se, ansioso, ao óvulo fecundo.
E emergindo das ânsias e dos partos,
Suguei, unindo a boca a uns seios fartos,
Substâncias misérrimas do mundo...”
“Desde esse dia tormentoso e aflito
De intensa dor, envergo o sambenito
De matérias iguais aos polipeiros,
Entre as disposições hereditárias,
Chorando as mesmas dores milenárias
Dos que gemeram nesses cativeiros!”
Nada, contudo, lhe respondeu, de perto...
A alma, porém, sozinha, no deserto,
Viu sobre o mundo um monte de destroços;
Sentiu, no além, a vida verdadeira,
Mas contemplando, pela Terra inteira,
A carne infame, chocalhando os ossos!...
Do livro Lira Imortal, obra
psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.