Por um orçamento justo
Era um domingo à tarde, ouvi que batiam no portão. Pela
janela da sala não reconheci quem era, mas como esperava
um pedreiro indicado por um amigo, saí e o recebi.
Identificou-se como Borges e desde logo mostrou-se
bastante humilde, dizendo que estava à minha disposição
e procuraria fazer o melhor. Expliquei ao seu Borges a
breve reforma que pretendia fazer na casa e também sobre
uma edícula que queria erguer nos fundos da propriedade.
Levei-o a conhecer o local da obra e, enquanto informava
das minhas pretensões, vi que ele anotava num papelzinho
meio amassado umas coisas que imaginei serem números,
talvez. Uma característica sua que me agradou de cara
foi seu bom humor. Sem ser inconveniente, em algumas
ocasiões soltou umas pilhérias que me fizeram rir.
Depois disso sentamo-nos e, tomando um cafezinho,
discutimos o orçamento. Essa foi para mim a parte mais
curiosa daquela entrevista. Perguntado sobre quanto
ficaria o seu trabalho, seu Borges sacou o papelzinho
que guardara no bolso e, com um toco de lápis, passou a
fazer contas, pelo menos assim eu entendi. Passado um
instante, me dirigiu um olhar que eu diria bem
profissional, e me deu o valor. Levei um susto.
Se naquele dia tivesse fechado o acordo naquelas
condições, não sei se não sentiria remorso mais tarde.
As condições eram tão desfavoráveis para ele que percebi
seu acanhamento quando eu aumentei por conta própria, o
valor do seu ganho. Praticamente quem avaliou o serviço
fui eu, mas era uma atitude que eu precisava tomar em
nome do que era justo. O que se deu foi que ele conhecia
o seu ofício e isso ficou provado depois, mas nada sabia
de orçamento. E comigo se dava o contrário. Fechamos
acordo.
Seu Borges acabou se tornando amigo da minha casa.
Humilde, cordato, aceitava sugestões e críticas, coisa
rara entre certos profissionais.
A obra durou várias semanas e nesse período travamos
conversas, e ouvi-o algumas vezes cantando baixinho o
que parecia ser música evangélica. Apesar desse aparente
perfil religioso, seu Borges demonstrou não ter
dificuldade em compreender as explicações de viés
espírita que externei em resposta a perguntas que me
fazia. Ele confessou participar, vez ou outra, de
reuniões no centro espírita e fazer algumas leituras do
Evangelho.
Hoje, ao me lembrar disso, fico feliz por não ter
querido me aproveitar daquela pessoa simples para levar
vantagem sobre o seu suor, seu ganha-pão. Ganhei um
amigo, me contentei com o serviço prestado, e não
aviltei a minha consciência.
O que fiz foi extraordinário? Absolutamente, não! Apenas
alinhei uma atitude de empatia por um ser humano às
teorias morais do Espiritismo que sempre defendi. Se
tivesse cedido à tentação de ser esperto, além de
ludibriar um irmão, daria a ele totais condições de me
qualificar como um hipócrita.
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