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por Maria de Lurdes Duarte

 

Tempo de isolamento, tempo de reflexão


Momentos oportunos para refletir é coisa que não tem faltado, nos últimos tempos, na nossa vida, minha e de todos nós, segundo creio.

Encontrando-me, pela segunda vez neste ano letivo, em isolamento profilático, desta vez por ter tido contato com um aluno positivo, a acrescer a um grande período de ensino a distância, on-line, neste e no ano letivo anterior, dou por mim a interrogar-me com preocupação sobre o rumo que as relações humanas podem vir a tomar, se não formos suficientemente precavidos. Este sentimento de impotencialidade que mais ou menos acentuadamente nos vai invadindo a todos, cavando túneis escuros nas profundezas da alma, vai conduzindo, aos poucos, a outros sentimentos que importa analisemos e combatamos a todo o custo. Podemos apontar, de entre outros, o medo de nos relacionarmos, de nos chegarmos aos outros, o medo do toque, do beijo, do abraço, do simples aperto de mão, gestos tão humanos e tão imprescindíveis para que sintamos o calor do afeto que nos une.

Na escola, nomeadamente, entre as crianças, quer quando imersas nas suas brincadeiras, quer no trabalho de cooperação, entreajuda, partilha, que tanto vimos incentivando no quotidiano escolar, não conseguimos imaginar uma educação de sucesso sem que os relacionamentos sejam profundos e repletos de momentos presenciais e sem distanciamentos. O afeto está na raiz da educação e da preparação da criança e do jovem para a plena realização da sua cidadania livre, consciente e solidária. São estes os valores que eu, como os educadores em geral, temo que sejam, paulatinamente desvalorizados. Passo a redundância, mas acho necessária para realçar a preocupação que nos assalta.

São grandes os recursos tecnológicos de que dispomos atualmente, na maioria dos países desenvolvidos, ou até em desenvolvimento, fato pelo qual nos devemos sentir reconhecidos. Noutros tempos, noutras situações similares à que hoje vivemos, os isolamentos eram muito mais solitários, quando as escolas fechavam, paravam as aulas, não havia formas de comunicação avançadas, as pessoas ficavam distantes e sós. Hoje estamos on-line com o mundo, mas queixamo-nos, como nunca, de solidão. Hoje estamos sós dentro de nós mesmos.

Por isso mesmo, importa aproveitar este tempo tão especial, em que vimos as nossas vidas transformadas de uma forma que nunca julgaríamos possível, em tempo de reflexão, em tempo de busca de um sentido para tudo o que nos está a acontecer. Não é o Covid-19, certamente, o único problema que assola este nosso mundo, onde o sofrimento e a dor não faltam. Continua o nosso planeta a ser avassalado por catástrofes de toda a ordem, quer de cariz social e humano, quer da ordem dos fenômenos naturais. Mas, sem qualquer dúvida, a pandemia ofereceu-nos este tempo de paragem obrigatória de que necessitávamos para refletirmos sobre o que temos estado a fazer da nossa vida. Diz-se no meu país, Portugal, “deitar contas à vida”. Diria eu “Deitar contas às nossas vidas” porque, apesar de não termos memória nítida sobre o acervo de experiências que temos vivenciado ao longo das inúmeras existências, elas estão fortemente interligadas e, mais não temos andado do que a colher constantemente os frutos das sementeiras pregressas. E a semear para continuar a colher. Mas… o que temos aprendido com todo este semear e colher incessantes? Valerá a pena continuar no mesmo rumo? Haverá mudanças prementes a encetar?

Continuando na mesma linha de preocupações, iniciada acima, quais os valores que temos cultivado até hoje? Serão os que nos aproximam dos outros? Ou serão os que nos afastam até de nós mesmos e dos nossos objetivos de felicidade? Que objetivos temos andado a delinear? Serão os certos? Estarão a dar os resultados pretendidos? Estas são questões que um gestor faz constantemente para bem gerir a sua empresa. Teremos nós menos cuidado na gestão da nossa existência? Não será cada vida que Deus nos concede como oportunidade de aprendizagem a maior empresa que temos em mãos?

Agora que nos vemos forçados a parar e a viver alguns momentos “breves” de isolamento, em que nos sentimos acossados pela solidão, talvez seja ocasião de aprendermos a valorizar os momentos em que poderíamos estar juntos mas apenas demos importância aos assuntos materiais, à diversão, ao personalismo, ao individualismo, que, no fundo, agora, de pouco nos servem. Se os valores que cultivamos são mais materiais do que espirituais, quiçá quase exclusivamente materiais e quase nada espirituais, quando chegam os momentos difíceis que, com ou sem pandemia, são comuns à caminhada de todos nós, faltam-nos as reservas de afeto, a nossa resistência moral é quase nula, vem o desânimo, a tristeza, a depressão.

Quero com isto dizer que não nos é legítimo sentir tristeza por toda a situação que estamos a atravessar? Que não devemos sentir dor pela ausência ou distanciamento daqueles que amamos?  Que não devemos sofrer com a dor que avassala o mundo? Evidentemente que não se trata disso. Trata-se de, como espíritas, com alguma compreensão acerca dos mecanismos de ação e reação presentes nas Leis Divinas, e com o dever de um sentir mais profundo acerca da necessidade de pautar a vida por valores maiores que nos conduzam ao crescimento espiritual, não nos deixarmos abater e encontrar na Fé, no Conhecimento, a força de que carecemos para seguir adiante. Trata-se de, como espíritas, sermos uma das forças motrizes que poderá içar o mundo para tempos mais felizes, em que os relacionamentos humanos sejam vivos, profundos, solidários, altruístas, presentes.

Pensemos: Será que o vírus veio realmente separar-nos? Ou estaríamos já, desde há muito, separados, e nem parávamos para nos darmos conta de tão triste fato? Talvez tenha o vírus chegado para que nos apercebêssemos da solidão em que temos andado a “viver”. Pensemos ainda: Se nada acontece por acaso… Se Deus a tudo provê… Se temos a Espiritualidade com os olhos postos em nós, trabalhando incansavelmente para nos fazer avançar e evoluir, quer a nível pessoal, quer ao nosso mundo… façamo-nos merecedores de toda a ajuda que recebemos, demos graças ao Pai pelos recursos que temos no tempo que nos é dado viver, e pela oportunidade de aqui estar agora, neste exato momento, que é indubitavelmente o tempo certo e adequado às nossas necessidades. E… não desperdicemos o ensejo de refletir e crescer.

E, quanto às nossas crianças, como educadores empenhados, sejamos professores ou pais, aproveitemos também para as ajudarmos a refletir, na medida das capacidades inerentes à sua idade, de modo a que, desde cedo, valorizem o que é realmente importante, e não descurem os afetos, sem os quais a vida tem tão pouco sentido. Ajudemo-las a cultivar a sua espiritualidade e a fazer da vida uma caminhada com os outros.
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita