O aborto, a lei divina e a inércia
espírita
Pesquisando artigos espíritas na internet, sobre o
aborto, deparei-me com o seguinte texto publicado no
site “justificando.com”1, na data de
28/03/2018, de autoria de Bruna Rocha Silveira2:
Título: “Espíritas e a negligência do aborto
paterno”. A autora discorre sobre os direitos da
mulher no caso do aborto, a negligência do homem em
relação à gravidez da mulher e em determinado ponto faz
uma pergunta e apresenta sua resposta:
“Mas então, é incoerente ser espírita e ser a favor
da legalização do aborto? Na minha visão não.
Enquanto mulher, mãe e espírita, quero ser dentro da
casa espírita a pessoa que acolhe quem busca informação
sobre a maternidade e que apoia as decisões das mulheres
sem julgamentos.
“Quero ser aquela que abraça aquelas que, por algum
motivo que não cabe a mim julgar, escolheram não ser
mães agora e que, com toda certeza do mundo, sofrem,
sim, com essa decisão também.
“Sou contra os julgamentos morais que se fazem sobre as
escolhas de cada uma de nós. Afinal, o livre-arbítrio
está aí. Não acho que uma mulher que comete um aborto
seja uma assassina como muitos dizem. Nem que seja uma
pessoa melhor ou pior.
“Estamos todos aqui para aprender, amar e evoluir. Jesus
nos disse ‘amai-vos uns aos outros’ e não, julgai-vos.
Acredito que as mulheres, independente das escolhas que
façam, precisam ser abraçadas, acolhidas e amadas dentro
das religiões”.
A afirmação desta nossa companheira, mulher, mãe,
espírita, quando ela diz que “na sua visão não há
incoerência entre ser espírita e a favor do aborto”,
vem de encontro aos ensinamentos da Doutrina Espírita?
Está alinhada com os postulados ensinados e
exemplificados por Jesus, constantes do Seu Evangelho?
Eu, particularmente, concordo com parte da afirmação da
nossa companheira Bruna e, em parte discordo de sua
afirmação. Mas vamos ver o que nos diz a doutrina
espírita:
A lei de Deus só permite o aborto, não espontâneo,
quando a gravidez colocar em risco a vida da mãe3.
Há sempre crime, quando se transgride a lei de Deus. A
mãe ou qualquer pessoa cometerá sempre um crime ao tirar
a vida à criança antes do seu nascimento, porque isso é
impedir a alma de passar pelas provas de que o corpo
devia ser o instrumento4.
O aborto espontâneo, neste caso, não entra em questão.
Aqui, falamos somente do aborto provocado, isto é, da
interrupção intencional da gravidez.
Então, baseado nas afirmações de Kardec, constante das
questões 358 e 359 de O Livro dos Espíritos, não posso
concordar com a nossa companheira Bruna, quando ela
entende que não há incoerência entre ser espírita e ser
a favor da legalização do aborto. No meu entender,
apoiar a legalização do aborto, a interrupção
intencional da gravidez, afronta a lei Divina e,
portanto, é incoerente com os postulados da doutrina.
Não é possível ser espírita e ser contrário aos
ensinamentos da doutrina. Ela nos pede coerência no
pensar, sentir, falar e agir, e em relação às leis
Morais.
Mas concordo com ela em seu artigo, quando afirma: “quero
ser dentro da casa espírita a pessoa que acolhe quem
busca informação sobre a maternidade e que apoia as
decisões das mulheres sem julgamentos”.
Dra. Marlene Nobre afirma: ...anualmente, em todo o
mundo, são 60 milhões de abortos provocados, contra 90
milhões de crianças nascidas5...o
aborto é o paroxismo da violência, por isso,
pretendemos, [...], trabalhar pela paz6... no
caso do aborto induzido, é a legalização da pena de
morte para inocentes, sem defesa, sem julgamento...7.
Talvez aqui caiba uma outra pergunta: se nós espíritas
somos defensores da vida por princípio, por coerência
doutrinária, o que fazemos para modificar a situação do
aborto em nosso país?
Paramos para pensar como se sentem: as mães que tomam a
decisão de abortar por não ter o apoio do companheiro,
e/ou da família? Os pais que escolhem esse caminho
orientados pelos médicos, quando o feto é portador de
anencefalia ou outras doenças congênitas? As meninas ou
mulheres que foram estupradas e escolhem no aborto um
caminho de violência para solucionar outra violência?
Nós que buscamos seguir os ensinamentos doutrinários,
como conviver com situações e pessoas que defendem a
liberação total do aborto, ou que praticaram aborto(s)
durante suas vidas? Vamos julgar e condenar as mães e os
pais que fazem os abortos contrários à lei Divina, mesmo
que amparados pelas leis dos homens? Vamos julgar e
condenar as mães, os pais, parentes? (Lei de Justiça,
Amor e Caridade? O Livro dos Espíritos, Livro
III, Cap. XI.)
Esse fato acendeu um alerta em minha consciência. O que
nós espíritas estamos fazendo de prático para auxiliar:
1. As
mulheres e/ou pais que estão pensando em abortar, a não fazê-lo?
2. Aqueles
que já estiveram envolvidos com o aborto, a buscar
reparação das
escolhas equivocadas?
Cheguei à conclusão de que temos vivido a situação
confortável do nosso conhecimento teórico sobre o
assunto, sem nos movimentarmos para reverter esta
situação no país e no mundo. Temos sido negligentes e
indiferentes em relação à vida.
Kardec nos orienta8: ...é
preciso fazer o bem no limite das próprias forças, pois
cada um responderá por todo o mal que tiver ocorrido por
causa do bem que deixou de fazer.
Há uma diferença grande entre ser contra a legalização
do aborto e ser contra as pessoas envolvidas na prática
do aborto. Não podemos nos esquecer da máxima de Jesus: “fora
da caridade não há salvação”9.
...quero ser dentro da casa espírita a pessoa que
acolhe quem busca informação sobre a maternidade e que
apoia as decisões das mulheres sem julgamentos,
é a resposta da Bruna às duas questões do item anterior.
Dra. Marlene Nobre nos propõe a primeira solução,
quando defende claramente sua posição: ...a mulher
tem o direito de comandar os seus próprios gametas, dar
o destino
que melhor lhe aprouver aos seus ovócitos (óvulos), mas
não tem o direito de vida ou morte sobre o zigoto. Não
tem autonomia sobre a célula-ovo resultante da
fecundação. O mesmo raciocínio deve ser aplicado ao
homem. Com o planejamento familiar, ambos têm
esse direito assegurado, uma vez que possibilita a
homens e mulheres espaçarem o nascimento dos filhos, de
forma racional e saudável.10 Da
dor, a uma vida de amor!
O amor cobre uma multidão de pecados (I
Pedro 4:8).
Apropriando-me deste ensinamento de Jesus que nos é
trazido por Pedro em sua primeira epístola, tomo a
liberdade de exortar a todos os irmãos de ideal
espírita, todas as casas espíritas e a todas as
instituições espíritas federativas de nosso país para
que possamos vislumbrar, na “adoção”, o caminho
para auxiliarmos os Espíritos em vias de abortamento a
terem a sua oportunidade reencarnatória preservada e, a
todos os envolvidos na prática do aborto, a também
perceberem que a opção pela vida, pela adoção,
é o caminho da paz, a fim de não viverem os tormentos da
culpa, do remorso. Este é um caminho prático e efetivo,
sensato e amoroso, para combatermos essa violência que
assola o mundo, o aborto.
Mas precisamos sair da inércia, da nossa zona de
conforto, para transformarmos este ideal em prática
corrente dentro da sociedade terrena. São muitos os
atores envolvidos e muitas articulações precisam ser
desenvolvidas, muitos preconceitos a serem superados.
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1 Confira
neste Link-1
2 Publicitária,
mestre em Comunicação Social, doutora em Educação,
pós-doutoranda em Educação (UFRGS), blogueira, mulher,
feminista, espírita, mãe do Francisco.
3 Allan
Kardec, O Livro dos Espíritos, São Paulo-SP, LAKE
Editora, 46ª edição, janeiro/1987, Livro II, Cap. VII,
Q. 359, pág. 185.
4 Allan
Kardec, O Livro dos Espíritos, São Paulo-SP, LAKE
Editora, 46ª edição, janeiro/1987, Livro II, Cap. VII,
Q. 358, pág. 185.
5 Marlene Severino Nobre, O Clamor da Vida – Reflexões contra o aborto intencional,
São Paulo-SP, FE
Editora, 2ª edição, 2012, Cap. I, pág. 16.
6 Marlene Severino Nobre, O Clamor da Vida – Reflexões contra
o aborto intencional, São Paulo-SP, FE Editora,
2ª edição, 2012, Introdução, pág. XI.
7 Marlene Severino Nobre, O
Clamor da Vida – Reflexões contra o aborto intencional, São Paulo-SP, FE Editora, 2ª edição, 2012, Cap. 1, pág. 22.
8 Allan
Kardec, O Livro dos Espíritos, São Paulo-SP, LAKE
Editora, 46ª edição, janeiro/1987, Livro III, Cap. I, Q.
642, pág. 275.
9 Allan
Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, São
Paulo-SP, LAKE Editora, 40ª edição, abril/1991, Cap. XV,
pág. 194.
10 Marlene
Severino Nobre, O Clamor da Vida – Reflexões contra o
aborto intencional, São Paulo-SP, FE Editora, 2ª
edição, 2012, Cap. 2, pág. 58.
Nota da Redação:
Claudio Rariz Siqueira, palestrante
espírita, reside em Sorocaba-SP. Este texto foi
contemplado no concurso A Doutrina Explica –
2020-2021, promovido pelo Jornal Brasília Espírita
(www.atualpa.org.br), com o objetivo de sensibilizar
para a leitura, o uso da biblioteca espírita e levar a
conhecer alguma metodologia de pesquisa para apoiar o
estudo doutrinário, além de incentivar os participantes
para o potencial de racionalização e explicação da
realidade social e espiritual pela Doutrina Espírita.
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