Madalena
havia sido mesmo
prostituta, qual o
problema?
Maria Madalena ou Maria
de Magdala, antiga vila
próxima de Cafarnaum,
tem a trajetória mais
enigmática e controversa
da história do
cristianismo. Não por
acaso, foi abordada em
vários livros e filmes,
além de uma popular
série televisiva. Sua
peculiaridade se deve ao
fato de o Papa Gregório
I (Gregório Magno,
540-604) ter feito
determinada confusão.
Afirmou ele, em 591, que
Madalena seria tanto a
mulher anônima que -
dentro da casa do
fariseu Simão, na cidade
de Naim - lavou em
lágrimas, ungiu com
perfume e secou com os
seus cabelos os pés de
Jesus (Lucas 7, 33-50),
quanto Maria, a irmã de
Marta e Lázaro, que fez
algo semelhante na
cidade de Betânia, porém
sem prantos e com um
perfume mais caro,
conforme: Mateus
26, 6-13; Marcos 14,3-9
e João 12,1-8 (Maisch,
1998; Haag,
2018; Tomaso, 2020). A
partir da pregação
daquele pontífice em
prol do valor do
arrependimento,
Madalena, passou a ser
reconhecida como
prostituta convertida ou
“pecadora arrependida”,
deixando de ter o título
de “apóstola dos
apóstolos”, algo que
seria retomado somente
em 2016 pelo Papa
Francisco.
É bastante veemente e
frequente a negação de
que Madalena foi
prostituta. No meio
espírita, é comum a
acusação à Igreja
Católica pela deturpação
ocorrida na imagem
daquela que acompanhou
Jesus na crucificação e
foi a primeira a
avistá-lo, já
ressuscitado, sofrendo
desconfiança dos
apóstolos, também pelo
baixo valor então
atribuído à palavra das
mulheres em geral.
Mas no livro Boa Nova,
o Espírito Humberto de
Campos (2013, p.
127-128) explicita que a
apóstola havia sido
efetivamente não só
prostituta, mas também a
mulher sofredora
retratada apenas no
Evangelho de Lucas.
Maria de Magdala ouvira
as pregações do
Evangelho do Reino, não
longe da vila
principesca onde vivia
entregue a prazeres, em
companhia de patrícios
romanos, e tomara-se de
admiração pelo Messias. (...) Decorrida
uma noite de grandes
meditações e antes do
famoso banquete em Naim,
onde ela ungira
publicamente os pés de
Jesus com os bálsamos
perfumados de seu afeto,
notou-se que uma barca
tranquila conduzia a
pecadora a Cafarnaum.
Dispusera-se a procurar
o Messias, após muitas
hesitações. Como a
receberia o Senhor, na
residência de Simão?
Seus conterrâneos nunca
lhe haviam perdoado o
abandono do lar e a vida
de aventuras. Para
todos, ela era a mulher
perdida, que teria de
encontrar a lapidação na
praça pública.
Ali na casa de Simão
Pedro - que lançou sobre
ela um “olhar glacial,
quase denotando
desprezo” - Madalena
ouviu de Jesus algo
profundamente marcante
que o apóstolo
reproduziria, mais
tarde, em sua primeira
epístola: “o amor cobre
a multidão de pecados”
(1 Pedro, 4:8). E
Humberto de Campos
(2013, p. 132-133),
complementa sobre ela:
Humilde e sozinha,
resistiu a todas as
propostas condenáveis
que a solicitavam para
uma nova queda de
sentimento. Sem recursos
para viver, trabalhou
pela própria manutenção,
em Magdala e Dalmanuta (...) Certo
dia, um grupo de
leprosos veio a
Dalmanuta. Procediam da
Idumeia aqueles
infelizes, cansados e
tristes, em supremo
abandono. Perguntavam
por Jesus Nazareno, mas
todas as portas se lhes
fechavam. Maria foi ter
com eles e, sentindo-se
isolada, com amplo
direito de empregar a
sua liberdade, reuniu-os
sob as árvores da praia
e lhes transmitiu as
palavras de Jesus,
enchendo-lhes os
corações das claridades
do Evangelho.
E foi em Dalmanuta que
Paulo de Tarso a
conheceu enquanto ele
voltava a Jerusalém,
após converter-se,
reunindo relatos sobre a
vida de Jesus, conforme
o livro Paulo e
Estêvão (2013, 466). Como
sabemos, o ex-rabino -
que havia sido
responsável pela
execução de Estêvão e
outros cristãos - deixou
de ser grande pecador
para se tornar um dos
maiores servidores do
Cristo na história. E
tanto ele quanto
Madalena foram
desacreditados
inicialmente pelos
apóstolos quando
anunciaram seus
respectivos encontros
espirituais com o mestre
divino. Importante ainda
lembrar que na referida
obra de Emmanuel (2013,
p. 466) e de modo
coerente com Jesus, o
convertido de Damasco se
contrapõe à hipocrisia
frequente na avaliação
da conduta feminina:
“Irmãos, é indispensável
compreender que a
derrocada moral da
mulher, quase sempre,
vem da prostituição do
homem”.
Verifica-se, portanto,
que Gregório I não
estava de todo enganado.
E quanto às prostitutas,
que, hoje, recebem, em
alguns lugares, auxílio
da católica Pastoral da
Mulher Marginalizada,
nós observamos uma
arraigada discriminação,
algo que é manifestado
na indignação quando se
refere ao caso de Maria
Madalena. Por que ela
não poderia ter sido uma
meretriz? Qual o
problema disso? Por que
ainda depreciar,
indiretamente, tanto as
prostitutas? Precisamos
reconhecer honestamente
todos os nossos
preconceitos. Cabe, por
fim, lembrar que o mais
importante, de fato, não
é o que fomos, mas sim o
que nos tornamos. Ao
olhar para ela, assim
como para Paulo de Tarso
e para Públio Lêntulo, o
senador romano retratado
no livro Há dois mil
anos, de Emmanuel -
tendo sido uma
reencarnação dele -
Jesus não viu a meretriz
obsediada, o assassino
perseguidor e o patrício
orgulhoso, mas sim seres
humanos, além de
missionários da luz que
eles viriam se tornar.
Tanto quanto pudermos
sem ingenuidade, mas com
a firme humildade,
procuremos sempre ver
nossos irmãos
marginalizados com os
olhos verdadeiramente
cristãos.
Referências
bibliográficas:
TOMMASO,
Wilma Steagall. Maria
Madalena: história,
tradição e lendas.
São Paulo, Paulus, 2020.
XAVIER,
Francisco Cândido. Paulo
e Estêvão. Pelo
Espírito Emmanuel. 45ª
edição. Brasília, FEB,
2013.
_______. Há
dois mil anos. Pelo
Espírito Emmanuel 46ª
edição. Rio de Janeiro.
FEB, 2009.
_______. Boa
nova. Pelo Espírito
Humberto de Campos. 37ª
edição. Brasília, FEB,
2013.
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