Os fortes devem amparar, não esmagar os
fracos
Célia Cazeta – com quem estamos casado há mais de 54
anos – e nós somos de famílias bastante numerosas. Ao
todo, temos 17 irmãos, dez do nosso lado, sete do lado
dela, e por conseguinte uma multidão de sobrinhos e
outro número já bem grande dos filhos destes.
Como sabemos, em uma família numerosa nem todos
conseguem o mesmo sucesso no âmbito profissional. São
diversas as razões. Há aqueles que conseguem
oportunidades que faltam a outros, condições mais
favoráveis para estudar, facilidade na questão do
emprego, saúde em ordem e por aí vai. Deste modo há nas
famílias em geral alguns que conseguem uma situação
econômica mais favorecida, enquanto outros lutam com
dificuldades para custeio das despesas correntes com
escola, saúde e até alimentação.
Cientes disso, sempre que podemos, temos procurado fazer
algo no sentido de minimizar as dificuldades de um e
outro familiar, geralmente com apoio de familiares
generosos, o que não falta nas famílias em que Célia
Cazeta e nós fomos criados. Não se trata, evidentemente,
de nada especial, nada mais do que o cumprimento de um
dever, visto que entendemos que aqueles que podem ajudar
devem fazê-lo sempre que se apresentar a necessidade.
É uma faceta de uma máxima conhecida, segundo a qual os
fortes devem amparar os fracos, não esmagá-los. Aquele
que se encontra em condições de observar esse princípio,
que transparece com toda a clareza das páginas do Velho
e do Novo Testamento, não pode omitir-se, porque, assim
agindo, estará perdendo uma excelente oportunidade de
fazer algo em favor do semelhante e atender a uma das
principais recomendações que Jesus nos legou: - Fazer
aos outros o que quereríamos que os outros nos fizessem,
isto é, fazer o bem e não o mal. E
isso independentemente de ser o outro membro ou não de
nossa família consanguínea, porque todos – é bom
enfatizar: todos – somos irmãos.
Além da perda da oportunidade de ajudar, anos depois,
com toda a certeza, o remorso decorrente de nossas
omissões tornar-se-á inevitável, especialmente quando
tivermos de regressar à pátria espiritual, onde cada um
de nós terá de prestar contas do que fizemos com os
talentos que Deus nos emprestou.
Quando chegamos ao berço, nada trazemos em termos
materiais, nem mesmo o corpo físico que nossos pais
cuidaram de nos oferecer ao acolher-nos nesta nova etapa
evolutiva. E quando voltamos, também nada levamos, nem o
corpo nem as vestes, nem o carro nem a casa, nem os
investimentos nem as propriedades, fato que levou o
notável pensador Pascal (Espírito) a escrever:
“O homem só possui em plena propriedade aquilo que lhe é
dado levar deste mundo. Do que encontra ao chegar e
deixa ao partir goza ele enquanto aqui permanece.
Forçado, porém, que é a abandonar tudo isso, não tem das
suas riquezas a propriedade real, mas, simplesmente, o
usufruto. Que é então o que ele possui? Nada do que é de
uso do corpo; tudo o que é de uso da alma: a
inteligência, os conhecimentos, as qualidades morais.
Isso o que ele traz e leva consigo, o que ninguém lhe
pode arrebatar, o que lhe será de muito mais utilidade
no outro mundo do que neste. Depende dele ser mais rico
ao partir do que ao chegar, visto como, do que tiver
adquirido em bem, resultará a sua posição futura.” (Pascal.
Mensagem recebida em Genebra em 1860, publicada no cap.
XVI, item 9, d´O Evangelho segundo o Espiritismo.) (1)
Em face de tão claro ensinamento, apegar-se aos bens e
aos recursos financeiros de que dispomos, para calarmos
ante as necessidades do próximo, é um equívoco que
devemos lembrar sempre aos nossos irmãos, filhos, amigos
e sobrinhos.
De outro lado, fazer algo em favor de alguém, por mínimo
que seja, nos trará bênçãos incontáveis que nenhum
dinheiro do mundo é capaz de pagar. Não é que devamos
ajudar para sermos ajudados. É que assim é a vida, e
disso temos inúmeros exemplos, especialmente na
literatura espírita.
Um desses exemplos nos é narrado pelo Espírito de
Humberto de Campos numa de suas obras. Falamos do caso
Barsabás, o rico e poderoso tirano.
Quando Barsabás demandou o reino da morte, buscou em vão
reintegrar-se no grande palácio que lhe servira de
residência. Mas ninguém, nem os familiares nem os
amigos, lhe lembravam o nome, a menos que fosse para
reclamar o ouro e a prata que ele doara a mordomos
distintos.
Depois de muito sofrer no plano espiritual e vaguear por
muito tempo no nevoeiro, entre vozes acusadoras, certo
dia aprendeu a orar, e, como se a rogativa lhe servisse
de bússola, embora caminhasse às escuras, eis que, de
súbito, se lhe extinguiu a cegueira e ele viu, diante de
seus passos, um santuário sublime, faiscante de luzes.
Milhões de estrelas e pétalas fulgurantes povoavam-no em
todas as direções. Barsabás, sem perceber, alcançara a
Casa das Preces de Louvor, situada nas faixas inferiores
do firmamento.
Não obstante deslumbrado, chorou, impulsivo, ante o
ministro espiritual que velava no pórtico.
Após ouvi-lo, generoso, o funcionário angélico falou
sereno:
– Barsabás, cada fragmento luminoso que contemplas é uma
prece de gratidão que subiu da Terra...
– Ai de mim – soluçou o desventurado – eu jamais fiz o
bem...
– Em verdade – prosseguiu o informante –, trazes
contigo, em grandes sinais, o pranto e o sangue dos
doentes e das viúvas, dos velhinhos e órfãos indefesos
que despojaste, nos teus dias de invigilância e de
crueldade; entretanto, tens aqui, em teu crédito, uma
oração de louvor...
E apontou-lhe acanhada estrela, que brilhava à feição de
pequenino disco solar.
– Há trinta e dois anos – disse, ainda, o instrutor –,
deste um pão a uma criança e essa criança te agradeceu,
em prece ao Senhor da Vida.
Chorando de alegria e consultando velhas lembranças,
Barsabás perguntou:
– Jonakim, o enjeitado?
– Sim, ele mesmo – confirmou o missionário divino.
– Segue a claridade do pão que deste, um dia, por amor,
e livrar-te-ás, em definitivo, do sofrimento nas trevas.
Barsabás acompanhou o tênue raio do tênue fulgor que se
desprendia daquela gota estelar, mas, em vez de
elevar-se às alturas, encontrou-se numa carpintaria
humilde da própria Terra.
Ali um homem calejado refletia, manobrando a enxó em
pesado lenho... Era Jonakim, aos quarenta anos de idade.
Como se estivessem os dois identificados no doce fio de
luz, Barsabás abraçou-se a ele, qual viajante abatido,
de volta ao calor do lar.
Decorrido um ano, Jonakim, o carpinteiro, ostentava,
sorridente, nos braços, mais um filhinho, cujos louros
cabelos emolduravam belos olhos azuis. Com a bênção de
um pão dado a um menino triste, por espírito de amor
puro, conquistara Barsabás, nas Leis Eternas, o prêmio
de renascer para redimir-se. (2)
Referências:
(1) Blaise
Pascal (Clermont-Ferrand, 19 de junho de 1623 – Paris,
19 de agosto de 1662) foi matemático, escritor, físico,
inventor, filósofo e teólogo católico francês. Prodígio,
Pascal foi educado por seu pai. Depois de uma
experiência mística que experimentou em novembro de
1654, dedicou-se à reflexão filosófica e religiosa, sem
renunciar ao trabalho científico. Escreveu durante este
período The Provincials and Thoughts, publicado
somente após sua morte. Em 8 de julho de 2017, em uma
entrevista ao jornal italiano La Repubblica, o
Papa Francisco anunciou que Blaise Pascal "merece a
beatificação" e que planejava iniciar o procedimento
oficial. Para saber mais sobre Pascal, clique
aqui
(2) Do
conto História de um pão, autoria de Irmão X,
pseudônimo usado pelo Espírito de Humberto de Campos,
publicado no livro O Espírito da Verdade, psicografado
pelos médiuns Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira.
|