Artigos

por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

Os acontecimentos e os seus impactos em nossas vidas


Muitos perguntam-se como interpretar a ocorrência dos acontecimentos em suas vidas. Não há como negar que eles constituem o pano de fundo das nossas existências. Como tal, devem ser adequadamente compreendidos para que tenhamos um bom aproveitamento em nossa experiência corporal. Dito de outra forma, precisamos entender por que eles se desenrolam e os seus significados em nossas trajetórias. Posto isto, se prestarmos bem a atenção, notaremos que o acaso não faz parte dessa fórmula transcendental. A propósito, as evidências claramente indicam que tal elemento não consta nas deliberações divinas.

Portanto, antes de reiniciarmos nossa jornada nessa dimensão – repleta, aliás, de caos e incertezas, mas igualmente de oportunidades de autoiluminação – nos comprometemos, via de regra, a passar por determinadas situações e desafios, o que implica em receber o impacto (nem sempre positivo) de certos acontecimentos. Nesse sentido, somos levados a experienciar constantemente uma série de eventos e fatos. Cumpre reconhecer que eles moldam nossa trajetória, a fim de que os objetivos inicialmente fixados pela espiritualidade maior, que sempre visa o melhor às nossas necessidades, sejam preservados.

É preciso, portanto, extrair as lições e aprendizados neles embutidos, de modo tal que a nossa encarnação seja exitosa. Definitivamente, Deus não brinca com os seres humanos. Na verdade, ele nos dá os instrumentos para que as nossas sombras interiores sejam diluídas pelo autoconhecimento e as firmes iniciativas. Identificando com clareza o que ainda carregamos de ruim dentro de nós – o que nem sempre é fácil, pois a autocrítica ainda não é apanágio da humanidade -, e tendo a coragem moral de vencê-lo, certamente pavimentaremos o nosso caminho ascensional. Baseando-me nessa premissa, não pretendo oferecer uma perfeita taxonomia, mas, creio firmemente que os acontecimentos em nossas vidas visam a atender nossas deficiências pelo menos em termos de: aprendizagem, expiação/sofrimento, avaliação aplicação. Como disse antes, eles obedecem a um propósito superior.

Assim sendo, se olharmos pelo lado das carências humanas na esfera da aquisição de sabedoria, dificilmente deixaremos de entender que os eventos que nos atingem também nos facultam a oportunidade de algo aprendermos. Por exemplo, quando estamos num consultório médico aguardando serenamente a nossa vez de sermos atendidos, estamos exercitando a virtude da paciência. Quando ouvimos os relatos de um outro paciente queixando-se das suas dores ou enfatizando as suas agruras pessoais, estamos demostrando possuir, além de educação, comiseração pelas dificuldades alheias. Quando optamos em aproveitar o longo tempo ali despendido lendo algo digno ou valoroso em seu conteúdo, estamos agregando mais entendimento ao nosso Espírito. Quando suportamos com sorriso a grosseria da espera excessiva sem queixa (médicos, aliás, geralmente dão pouca ou nenhuma atenção à agenda dos pacientes), demonstramos resiliência. Quando ouvimos outros pacientes conversando em voz alta, e nos mantemos em silêncio, respeitamos o direito de cada um. Veja que um simples acontecimento – um atraso na consulta médica – pode proporcionar momentos concretos de autoaperfeiçoamento e aprendizado.

Avançando em nossa análise, os acontecimentos também têm, às vezes, o caráter gerador de expiações e/ou sofrimento. Constatar que o exame médico que realizamos dias antes revelaram, por exemplo, um tumor maligno é absolutamente devastador para qualquer um – pelo menos num primeiro momento. Submeter-se aos terríveis tratamentos quimioterápicos ou radioterápicos exigem muito de qualquer um. No entanto, se formos o autor do mal que ora se instalou em nosso organismo devido à nossa incúria e risco, talvez a expiação que se manifesta nos ensine a repensar, doravante, a nossa conduta e hábitos. Em outras ocasiões, as doenças se manifestam sem que tenhamos feito nada de errado. Pode-se, assim, conjecturar que talvez não estejam vinculadas às nossas atitudes atuais.

Ou seja, não é improvável que, em outra romagem, tenhamos agido irresponsavelmente em relação ao nosso veículo físico. Consoante à legítima lei de causa e efeito, a moléstia poderia estar ali dormitando em nosso perispírito pronta para eclodir no momento oportuno. Seja como for, tenhamos em mente que a saúde humana é uma concessão extraordinária dada pelo Criador em nosso benefício. Preservá-la, então, é dever de todos nós, e os acontecimentos que permeiam as nossas vidas simplesmente reforçam tal percepção.

Por outro lado, os eventos podem ocorrer para que a espiritualidade possa avaliar até que ponto aprendemos certas lições. Nesse sentido, os reveses, contratempos, adversidades e até mesmo as desgraças obedecem a um mecanismo sutil e providencial elaborado pelas entidades divinas. Eles têm, essencialmente, a finalidade de testar o nosso grau de desenvolvimento espiritual. Geralmente, eles surgem de maneira inesperada e nos arrastam às espinhosas experiências. Para ilustrar o raciocínio cabe recordar que recentemente tivemos os Jogos Paralímpicos de Tóquio. O traço comum de todos aqueles atletas era, como sabemos, o fato de portarem algum grau de deficiência física ou mental. Nasceram ou adquiriram alguma doença ao longo das suas jovens vidas que os limitou significativamente nessa dimensão.

Em função disso, poderiam perfeitamente aceitar as imposições cármicas e seguir adiante sem grandes mudanças em suas existências. No entanto, preferiram um outro caminho muito mais louvável e digno. Grande número deles conquistaram medalhas pelo seu extraordinário desempenho – o que nos dá enorme alegria. Outros ainda, aquinhoados pelas bênçãos de ter o corpo perfeito, veem-se às voltas com enormes dificuldades de sobrevivência, mas continuam lutando por um futuro melhor. Conduzem-se com ética e equilíbrio em ambientes intoxicados pelas gangues criminosas e intenso tráfico de drogas. E apesar dos péssimos quadros sociais que testemunham diariamente, suas convicções no exercício do bem e na prática da cidadania permanecem inalteradas.

Como recentemente afirmou um editor de destacada publicação acadêmica brasileira na área de estudos organizacionais, “[...] Longe de qualquer nostalgia infundada, mas realmente algo se perdeu. Referimo-nos à civilidade, a certa noção de trato social, a um quadro em que ser discordante de alguém não convertia as pessoas em inimigas a serem extirpadas da sociedade como tumores. Os níveis crescentes de intolerância em praticamente todos os campos da sociedade sugerem que estamos diante de relações sociais inflamadas”. Pessoas pertencentes ao referido grupo, não obstante as mazelas e diatribes que obscurecem ainda mais o nosso contexto de vida, conforme observa-se no comentário acima, continuam fazendo a sua parte e, sobretudo, dando os bons exemplos.

Não posso deixar de arrolar aqui as oportunidades de fazermos o bem. Às vezes, o indivíduo tem todas as condições de aliviar o fardo de outrem, mas nem sempre o faz. Em vez de implementar a caridade ou solidariedade ao seu alcance, prefere a omissão ou indiferença. Obviamente, sua avaliação de conduta pela espiritualidade não lhe será favorável.

Por fim, e muito longe de exaurir o assunto, temos o grupo devotado à aplicação da sua salutar bagagem nas lides humanas: trabalho, família, comunidades e nação. São os executores propriamente dito das grandes realizações humanas. Usam os seus conhecimentos e virtudes para o enfrentamento positivo dos acontecimentos. Em decorrência dessa maneira de ser, extraem o melhor das situações, pois têm um olhar positivo e benéfico pronto a empregar. Dessa forma, encaram os eventos mais dificultosos com absoluta confiança e paz interior, pois são almas psicologicamente maduras. Adoram a Deus e Jesus com fé absoluta. Intuem que a sua cooperação na obra divina, que abarca todo o planeta e a humanidade, é imperiosa para que um dia possam alcançar a plenitude espiritual e a felicidade sem manchas.

Um outro fator importante a considerar aqui é o papel exercido pelas pessoas nos episódios que nos atingem. Algumas serão lembradas por nós com muito carinho e amor pela ajuda, solidariedade e amizade que nos dedicaram em certos acontecimentos. Assim sendo, nunca esqueceremos do seu afeto para conosco, pois foram verdadeiros anjos em nossos caminhos. No entanto, há muitas que representam um papel neutro. Simplesmente cruzam nossos caminhos deixando uma vaga lembrança sem nada de interessante a ressaltar. Mas há aquelas que têm um papel decisivo em nossas angústias e adversidades. Lembraremos delas pelo mal e sofrimento que nos causaram. Devemos perdoá-las, assim como nos ensinou Jesus, pois a vida se encaixa de entregar a colheita adequada a cada um de nós... 

Olhando os acontecimentos sob uma perspectiva menos sombria, neles enxergaremos a mão de Deus a nos indicar o caminho da luz.


 
 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita