Correio mediúnico

Espírito: Hilário Silva

Um caso de ciúme


Atingimos grande maternidade, na altura da noite.

Antésio, o amigo espiritual que nos chamara, recebeu-nos a postos.

Seguimos.

O quarto de Maria Regina era um cubículo anexo à enfermaria. Velha câmara de despejo, convertida em refúgio. Espantada, rendia-se à prece. Não seria necessário maior exame para estabelecer o prognóstico.

O nascituro assemelhava-se a semente viva ansiando sair do fruto deteriorado.

Inclinamo-nos para a parturiente.

A agonia tomava-lhe o rosto edemaciado. Suor abundante. O organismo anêmico não reagia. Entretanto, o pequenino ser vivente excitava-se todo, como alguém a bater porta selada.

Maria Regina, esperando o cirurgião, recordava, recordava ...

Quantos sucessos dentro de um ano! Via-se abraçada, no cartório, ao desposar Gilberto, o marido confiante.

Rememorava o noivado difícil.

Gilberto, requestado por Clênia, demorara a se decidir. Clênia era prima dele, a quem devotava amizade pura. Seguira-o, desde os primeiros dias da escola.

Entre as duas, sofria ele a intercessão de parentes. Amava-a, a ela, que se lhe tornara a companheira legal; contudo, era sensível às demonstrações de ternura que recebia da outra.

Haviam sido felizes, imensamente felizes, durante dez dias. Depois disso, a rival caíra doente. Inspeções radiológicas. Desinteressada, talvez, da vida, Clênia entregava-se aos bacilos a lhe trabalharem os pulmões.

Surgiram as primeiras dificuldades sentimentais.

Experimentando conflito enorme, Gilberto, compadecido, deixava a residência da prima, alta noite. Confortava-a. Estimulava-lhe o gosto pela medicação...

Torturada, Maria Regina costumava dizer-lhe: "Venha hoje mais cedo ... sinto a cabeça pesada..."

– Ciumenta! – era só o que ele respondia, embrulhando amostras gratuitas de remédios caros, para a prima enferma.

O esposo era mecânico bem pago e saía cedo. Se quisesse vê-lo e ouvi-lo que levantasse de madrugada, oferecendo-lhe o café quente. Salvo isso, almoçava fora e à noitinha fazia trampolim do lar, simplesmente para a troca de roupa.

Relegada a si mesma, entregou-se ao ciúme, e começou a fantasiar. Como se possuída por fantasmas estranhos, parecia transportada, em espírito, à casa de Clênia. E mentalizava Gilberto a recostá-la no próprio peito.

Delirando, ouvia-lhe juramentos de amor. Chorava a debater-se no leito frio. O esposo chegava tarde e surpreendia-lhe os olhos vígeis, inchados de pranto.

– Que houve? – a pergunta vinha irritante como chicote no ar.

– Estou cansada, doente...

Ante a resposta, Gilberto ria, nervoso, irônico.

Depois de quatro meses, apareceu uma noite mais aflitiva. Procurara não pensar, trabalhando. Habituara a insculpir em madeira. Trouxe pequena faca. Cortava cuidadosamente com os dedos ágeis, mas o espírito andava longe. Tinha a ideia de entrar no quarto de Clênia e surpreender o marido em posição pouco digna.

Debalde o tentame. Deixou o instrumento cortante na mesa próxima. E deitou-se para sofrer ainda mais.

Madrugada além, chega Gilberto. Ela geme, estertora. O marido aproxima-se. Ela não se contém e grita-lhe insultos. O esposo estaca, aturdido.

– Loucura! Loucura! – clamou colérico.

Sentindo-se humilhada, bradou acintosamente.

Entretanto, porque o marido buscasse contê-la, premindo-lhe um dos braços, estendeu a outra mão e empunhou a faca. Gilberto, espantado, toma-lhe agora os pulsos. Atracam-se. E, sem querer, em movimento instintivo, ela lhe enterra toda a lâmina. O abdômen é atingido. O esposo rola. Ela sai dementada. Pede socorro aos vizinhos.

Gilberto é transportado ao pronto-socorro, perdendo sangue. A intervenção é feita num átimo; contudo, a hemorragia fora abundante. E a bênção da anestesia devolve simplesmente um cadáver.

 

II

Maria Regina continua lembrando...

Confessou-se assassina. Não lhe permitiram nem mesmo chorar sobre o morto. Detida. A polícia interveio. Advogado familiar esposa-lhe a causa. Requer a inspeção de saúde, admitindo-lhe a insanidade.

Submete-se à apreciação de generoso facultativo, que, após o exame, lhe fala em gravidez.

– A senhora deve ter coragem! Confiemos em Deus – dissera o clínico, entre discreto e humano, enquanto as lágrimas rolavam da face da infeliz.

Declara-se culpada.

– O esposo era amigo e leal – repetia, sempre –, fora o ciúme, simplesmente o ciúme...

Comovem-se autoridades e obtém-se o "habeas corpus".

Volta a casa. Sozinha. Desolada. Uma sombra que chora incessantemente. Nem as recordações do marido encontrara, ao retorno. A família tudo levara.

Alimentando-se à força e dormindo menos, ouve amigos preocupados:

"Maria Regina, lembre-se do filhinho ..."

"Maria Regina, nem tudo está acabado. Você vai ser mãe."

Aborrecia-se. Que lhe importava o filho? – pensava.

Queria somente tranquilidade. Mas o remorso era espinho invisível, revolvendo-lhe o coração.

A hora esperada chegou e dores rudes surgiram nela. Excitava-se o ser não-nascido com violência. Chegara a refletir consigo mesma: "Parece uma ave assustada buscando fugir ao ninho de angústia."

Amorosa parenta internou-a.

 

III

Manhãzinha, chega o cirurgião apressado. Ausculta. Compreende o problema grave e medita. Ajudamo-lo indiretamente, quanto possível.

Providências pré-operatórias. Socorro antecipado.

A parturiente é submetida à cesariana; no entanto, apesar da esmerada assistência, não mais se recupera.

Não vê o robusto menino em mãos da enfermeira. Quatro horas de inconsciência. E enquanto se lhe inteiriça o corpo frágil, devagarinho, desperta conosco em Espírito.

Está fatigada, mas grita em tremendo susto. Afirma-se assassina, assassina... Mas alguém chega até nós, trazido por benfeitores. É Gilberto a sorrir-lhe...

Como num pesadelo, a moça arregala os olhos e suplica:

– Perdoe-me! Perdoe-me!

O esposo, porém, abraça-a com carinho.

E Antésio esclarece:

– Maria Regina, seu débito foi pago. Gilberto apartou-se prematuramente da vida física. Você também. Gilberto perdeu a existência pelo ventre cortado. Você também...

Abraçados, ambos em lágrimas, foram conduzidos a câmara próxima.

Débil recém-nato dormia num berço. Ao pé dele, enxugando os olhos, a parenta amiga dizia à jovem de branco:

– Chamar-se-á Gilberto, e será meu!

Maria Regina agarra-se ao esposo e exclama, aflita:

– Que fazer? Que fazer?

O instrutor benevolente aponta a criança e fala bondoso:

– Gilbertinho é o grande porvir! Agora, lutaremos no reajuste. Mais tarde voltarão vocês no lar dele... Ser-lhe-ão filhos abençoados. E como irmãos um do outro aprenderão, enfim, o amor fraternal para sempre ...

Lá fora, o Sol rutilava... E a luz, invadindo o aposento, parecia a esperança de Deus, prometendo o futuro...

 

Do livro A Vida Escreve, obra psicografada pelos médiuns Francisco Cândido Xavier e Waldo Vieira.


 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita