O que aconteceu com o meu amigo?
Tentei fazer com que ele me ouvisse, tentei puxá-lo à
razão com argumentos para mim muito lógicos. Não queria
de forma alguma anular sua escolha, sua opinião. Meu
desejo era mostrar uma sequência de raciocínios que
levam a conclusões praticamente impossíveis de se
recusar. Mas não deu certo, ele estava decidido a não
aceitar nada que se opusesse à sua forma de pensar.
Esse meu amigo tem várias qualidades pessoais, tem bom
humor, sente prazer em trabalhar, lê de vez em quando, é
prestativo. Mas ultimamente afloraram nele umas opiniões
que chamaram a minha atenção e principalmente a de
pessoas que compartilham do seu dia a dia.
A nossa amizade sempre evidenciou concordâncias e
divergências, como é natural com todo mundo. Só que do
nada (não sei se do nada) ele veio com aquela de
não tomar a vacina. Achei curioso ele, com razoável
instrução, se posicionar desse modo. “Você já se vacinou
outras vezes?”, perguntei a ele. “Sim, mas dessa vez não
vai dar”, me respondeu.
Essa estranha recusa em tomar a vacina contra a perigosa
pandemia de Covid-19 me fez pensar “coisas paralelas e
horríveis” a seu respeito. Será que ele alimenta um
secreto desprezo pela ciência? Será que no íntimo aceita
o combo religião/armas como forma de melhorar o
mundo? Será que questiona o formato redondo da Terra, só
não teve oportunidade de dizer isso a alguém?
Confesso que essas ideias passaram pela minha cabeça.
Meu receio em relação ao meu amigo era o de que esse seu
posicionamento pudesse esconder contradições ainda
maiores, o que seria um enorme prejuízo para ele.
Mesmo impactado com a sua escolha, decidi não me
precipitar com o julgamento do certo ou errado. Se os
argumentos racionais e os fatos públicos acumulados não
eram capazes de fazê-lo cumprir com a sua obrigação,
isso não era da minha conta.
Por meu lado, além de tomar a vacina que a ciência
disponibilizou para proteger o meu corpo,
independentemente de questões que envolvam os bastidores
dessa pandemia, resolvi me automedicar com a vacina espiritual.
Essa vacina consiste em entender que eu não posso
convencer alguém que não quer ser convencido. Ela ativa
recursos internos que melhoram a compreensão e a
tolerância com o tempo de entendimento de cada um. Além
disso, combate os vírus do ódio, da raiva, do
destempero, causadores de inimizades. O princípio ativo
da vacina espiritual é o bom senso, portanto, não
tem contraindicações nem efeitos colaterais.
Embora devamos pensar no bem comum sempre, achei melhor
deixar o meu amigo em paz com as suas convicções. Se
elas trouxerem consequências, que ele esteja pronto para
enxergá-las e assumi-las.
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