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por Marcelo Teixeira

 

O orgulho gay e o orgulho espírita


O dia 28 de junho é celebrado como o Dia Mundial do Orgulho LGBTQIA+. Vou utilizar a expressão orgulho gay para facilitar a escrita, mas farei um adendo, ao final, com a definição da sigla.

A data faz alusão à Rebelião de Stonewall, ocorrida em 28 de junho de 1969. Na ocasião, gays, transexuais e “drag queens” protestaram contra uma ação violenta de policiais da cidade americana de Nova York. Eles queriam fechar um bar chamado Stonewall Inn, onde a comunidade homossexual se reunia.

Era um período de muita tensão nos Estados Unidos, que viam muitos de seus filhos morrerem na Guerra do Vietnam. Aliados às manifestações contra o referido embate e também cansados de serem perseguidos, os gays confrontaram a repressão. No ano seguinte, o 28 de junho foi comemorado como dia da libertação gay, dando origem às paradas, que se espalharam pelo mundo, deram visibilidade à causa e abriram as portas para que estes nossos irmãos em humanidade – filhos de Deus, Espíritos em evolução e cidadãos como todos nós –, fossem ouvidos e respeitados.

Várias cidades brasileiras realizam paradas gays, que costumam ser bem concorridas, com grande participação de autoridades e artistas simpáticos à causa.

Há alguns anos, assistia eu a uma palestra num centro espírita. Não me lembro do tema em pauta; só sei que, em dado momento, Mathias, o expositor, conhecido meu de longa data, soltou a seguinte frase: – A pessoa é contra o carnaval, mas é a favor da parada gay! – Em seguida, fez aquela cara de que considera imorais ambos os eventos e que cidadão que se preza, principalmente se for espírita, deve manter distância de tais festas profanas, mundanas e repletas de Espíritos obsessores, como Mathias deixou subentendido pela cara que fez. 

Já abordei a relação dos espíritas com as folias de Momo em um artigo intitulado ‘Carnaval, preferências e preconceitos’. Nele, falo sobre a necessidade de percebermos que o desfile das escolas de samba vem mudando ao longo dos anos. Ele não é mais, a meu ver, o que o Espírito Manoel Philomeno de Miranda narra no livro “Nas Fronteiras da Loucura”. A festa se profissionalizou, não há mais a explosão erótica que havia em décadas passadas e nem causa mais o impacto de antes. A doutrina espírita ensina que o progresso é incessante, e as escolas de samba, em minha modesta opinião, não ficam de fora. Ambiência espiritual negativa no carnaval, decerto há, assim como ocorre em outras tantas festas ao longo do ano e também na particularidade existencial de cada um. E não nos esqueçamos das influências positivas, por favor. Voltemos, no entanto, às paradas gays, que são o motivo desta crônica.

Tive o ensejo de fazer um trabalho jornalístico sobre ser homossexual no Rio de Janeiro. Para ter um amplo painel a respeito, entrevistei psicólogos, médicos que lidam com portadores do vírus HIV, homens homossexuais cariocas, bem como gerentes de hotéis que hospedam grande contingente de gays europeus e americanos. E também entrevistei Almir França Xavier, pedagogo e então vice-presidente do Grupo Arco-íris, Organização Não Governamental (ONG) encarregada de organizar a parada do orgulho gay da capital fluminense.

Pela percepção de Mathias – espírita, branco, heterossexual, classe médio-alta e conservador – a referida parada é um ensejo à promiscuidade e, por conseguinte, um banquete em que hordas de Espíritos apegados às vicissitudes do sexo irão se locupletar. Acho triste quando me deparo com espíritas que têm esse tipo de visão, principalmente porque conhecem pouco sobre o que estão falando. É o hábito chato que muitos companheiros de doutrina possuem. Creem que o fato de serem espíritas lhes dá autoridade para discorrer sobre qualquer assunto e fazer juízo de valor de uma causa que pouco conhecem. E sempre sob um estreito ponto de vista espiritual, nunca histórico, sociológico, político etc.

As paradas gays ganharam particularidades conforme se espalharam pelo mundo. Segundo Almir, enquanto em Nova York ela é mais um desfile (a comunidade gay passando e o público assistindo), no Rio, ela é uma caminhada, ou seja, a multidão sai andando e o faz atenta às pautas que estão em discussão. Muitos avanços vêm sendo conseguidos graças à visibilidade que tais pautas ganham quando se tornam tema central das paradas gays. Elas também evidenciam que, embora a festa colorida que o evento traz consigo, a comunidade homossexual está atenta às demandas políticas e sociais, bem como às mudanças que precisam ser implementadas para que todos os brasileiros tenham um país melhor, com justiça social, respeito à diversidade, ética e democracia plena.

Dando uma olhada nos temas que estiveram na ordem do dia de 1997 a 2021, encontramos a importância de o Estado ser laico, combate à homofobia e à transfobia, formas de prevenção contra o vírus HIV, combate ao racismo e ao machismo, direitos humanos, amor e respeito a todo e qualquer próximo, entre outros que mostram a força política que os homossexuais, historicamente odiados e perseguidos, têm para participar das discussões que visam mudar a cara do Brasil, secularmente preconceituoso e violento para com as ditas minorias: gays, negros, mulheres e pobres.

É claro que, nessas ocasiões, há gente em busca de parceiros para aventuras, pessoas querendo aparecer ou afrontar, homens em trajes sumários exibindo os dotes físicos... Tanto é assim que nem todo homossexual se identifica com a parada gay e prefere não tomar parte. Mas encontraremos também muitas pessoas dispostas a levar para o centro do debate problemas que antes muitos fingiam não existir e que agora emergem a fim de serem discutidos. Foi o caso da criminalização da homofobia, reivindicação antiga tanto da comunidade homossexual como de todo cidadão que tem fome e sede de justiça social. Por essas e outras é que as paradas gays vêm carregadas de alarido. Afinal, trata-se de um grupo historicamente excluído e que agora quer ser ouvido e respeitado. Não fosse assim, pouco ou nada conseguiriam.

O Espírito Lacordaire (religioso francês do Século XIX), em mensagem a respeito do orgulho e da humildade contida no capítulo VII de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec, lembra aos orgulhosos que todos nós, seres humanos imperfeitos, somos iguais na balança divina e que só as virtudes nos diferenciam diante de Deus. A reencarnação, conforme o Espírito Hammed no livro “Estamos Prontos”, pressupõe respeito. Isso quer dizer que, no momento em que enxergamos uns aos outros como Espíritos imortais que já passaram por inúmeras experiências em corpos físicos, passamos a ter um olhar mais compreensivo e carinhoso para com todas as pessoas.

Desconhecemos as causas que levaram muita gente a se orientar pela homossexualidade. Causas estas que se perdem nos séculos das existências pretéritas e são muito mais intensas que convenções sociais que, cedo ou tarde, cairão por terra. A nós não compete julgar, condenar, desmerecer ou discriminar, mas ajudar nossos companheiros de jornada a serem felizes e viverem em paz com suas escolhas.

A palestra proferida por Mathias já tem alguns anos. Espero que, desde então, ele tenha revisto alguns conceitos e aprendido a se policiar para não cair no pedregoso terreno da generalização rasteira e apressada. Isso é orgulho! Por isso, reitero que o conhecimento espírita não nos dá autoridade para darmos opiniões definitivas sobre assuntos que não dominamos.

Termino estas linhas contando a história do professor americano Scott Dittman, de 44 anos. Ele foi convidado por uma amiga chamada Dana para ir à parada gay de Pittsburgh. Embora tenha estranhado o convite (Scott é heterossexual), ele aceitou. Dana faz parte de uma instituição que oferece auxílio emocional e financeiro a jovens que são expulsos de casa por serem homossexuais. Ela iria com uma camiseta em que estava escrito “Abraços de mãe grátis” e pediu a ele para vestir outra com os dizeres “Abraços de pai grátis”.

Qual não foi a surpresa de Scott ao ser abraçado por um sem-número de rapazes e moças! Todos carentes por um abraço paterno. Muitos choraram de soluçar porque estavam há anos sem falar com o pai, que os tocou para fora de seus lares. Scott declarou, mais tarde, que sentiu vários sentimentos naquele dia: “alegria, felicidade, tristeza, raiva e até abandono”.

Quando retornou para casa, narrou a experiência nas redes sociais: – Imaginem isso, pais. Imaginem que seu filho se sinta tão rejeitado por vocês que ele se entrega nos braços de um completo estranho e soluça de tanto chorar só porque aquele estranho está vestindo uma camisa oferecendo abraços de um pai!

Em vez de vermos espíritas enchendo a boca para condenar as paradas do orgulho gay, seria bem interessante vê-los no meio desses eventos trajando camisetas com as frases “Abraços de mãe grátis” e “Abraços de pai grátis”. Sem medo de voltarem para casa acompanhados de obsessores, sem se considerarem superiores ou impolutos... Apenas com a disposição de abraçar, ouvir e amparar gente carente! O resultado pode surpreender e abrir novas frentes de trabalho. Fica a sugestão. Afinal, como afirma a já citada obra de Kardec, nossos títulos de nobreza são a caridade e a humildade.  

 

Nota do Autor:

Significado da sigla LGBTQIA: lésbicas; gays; bissexuais; transexuais, transgêneros e travestis; “queer” (pessoas que transitam entre o masculino e o feminino); intersexo (hermafroditas); assexual (pessoas que não sentem atração sexual).

 

Bibliografia:

1- ESPÍRITO SANTO NETO, Francisco do – Estamos Prontos, Boa Nova Editora, 1ª edição, 2012, Catanduva, SP.

2- KARDEC, Allan – O Evangelho segundo o Espiritismo, 2ª edição, 2018, Federação Espírita Brasileira, Brasília, DF.

3- REDAÇÃO RPA – Homem oferece “Abraços de pai grátis” em parada LGBT e emociona participantes. Para acessar, clique aqui


  

 

     
     

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 Revista Semanal de Divulgação Espírita