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por Paulo da Silva Neto Sobrinho

 

Reminiscências do passado não deixarão de existir
 

“Quando temos uma ideia preconcebida sobre determinado ponto, nada enxergamos além dos limites que ela nos impõe; em razão disso não enxergamos o óbvio.”

 

O esquecimento do passado é algo que a maioria de nós, os espíritas, não temos dúvida que acontece. Porém, alguns pensam que ele seja uma espécie de “delete”, ou seja, como se as nossas aquisições pretéritas fossem totalmente apagadas.

Mas a ideia dominante é a de que as nossas reencarnações se ligam umas às outras, de tal forma que podemos dizer que, na verdade, hoje não somos senão o produto de nossas aquisições anteriores. Obviamente que ela tem respaldo nas instruções dos Espíritos que participaram da codificação espírita.

No item VI de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec (1804-1869), entre várias coisas esclarece que “na sua volta ao mundo dos Espíritos, a alma encontra todos aqueles que conheceu na Terra, e todas as suas existências anteriores se refletem na sua memória, com a lembrança de todo bem e de todo mal que fez” (1) (grifo nosso)

Ora, se ao voltar ao mundo do além-túmulo, a alma recorda de suas existências exteriores, isso só pode ocorrer pelo fato delas estarem arquivadas no seu inconsciente. E diante dessa conclusão óbvia, podemos afirmar que as nossas experiências pretéritas não são “deletadas”, mas arquivadas na memória integral, que denominamos de inconsciente.

Vejamos as seguintes questões de O Livro dos Espíritos:

218. O Espírito encarnado conserva algum vestígio das percepções que teve e dos conhecimentos que adquiriu nas existências anteriores?

“Resta-lhe uma vaga lembrança, que lhe dá o que se chama ideias inatas.”

219. Qual a origem das faculdades extraordinárias dos indivíduos que, sem estudo prévio, parecem ter a intuição de certos conhecimentos, como o das línguas, o do cálculo etc.?

Lembrança do passado; progresso anterior da alma, mas de que ela mesma não tem consciência. De onde queres que venham tais faculdades? O corpo muda, mas o Espírito não muda, embora troque de vestimenta.”

220. Mudando de corpo, pode o Espírito perder algumas faculdades intelectuais, deixar de ter, por exemplo, o gosto das artes?

“Sim, se corrompeu sua inteligência ou a utilizou mal. Além disso, uma faculdade qualquer pode ficar adormecida durante uma existência inteira, se o Espírito quiser exercitar outra que com ela não guarde relação. Neste caso, permanece em estado latente, para ressurgir mais tarde.” (2) (grifo nosso)

Todas essas respostas só vêm confirmar que nossas aquisições do passado estão “adormecidas” em nós, seguramente, em nosso inconsciente.

308. O Espírito se recorda de todas as existências que precederam à que acaba de deixar?

Todo o seu passado se desenrola diante dele, como as etapas de um caminho que um viajante percorreu, mas, como já dissemos, não se recorda de maneira absoluta de todos os atos. Lembra-se deles em razão da influência que tiveram sobre o seu estado atual. Quanto às primeiras existências, as que se podem considerar como a infância do Espírito, essas se perdem no vago e desaparecem na noite do esquecimento.” (3) (grifo nosso)

As primeiras existências “se perdem no vago”, pela razão de não terem mais significado, pois a gama de conhecimentos adquiridos ao longo de sua evolução se sobrepõem aos precários daquelas. Processo não muito diferente acontece conosco, ao perdermos quase completamente a lembrança das nossas aquisições na infância.

Julgamos bem oportunas as considerações do Codificador às questões 393 e 399, de O Livro dos Espíritos, nas quais, respectivamente, lemos:

Embora em nossa vida corpórea não nos lembremos com exatidão do que fomos e do que fizemos de bem ou de mal nas existências anteriores, temos a intuição de tudo isso, sendo as nossas tendências instintivas uma reminiscência do nosso passado, tendências contra as quais a nossa consciência, que é o desejo que sentimos de não mais cometer as mesmas faltas, nos adverte para resistir. (4) (grifo nosso)

Embora o homem não conheça os próprios atos que praticou em suas existências anteriores, sempre pode saber qual o gênero das faltas de que se tornou culpado e qual era o seu caráter dominante. Basta estudar a si mesmo e julgar do que foi, não pelo que é, mas pelas suas tendências. (5) (grifo nosso)

Ora, se nossas aquisições passadas estão armazenadas no nosso inconsciente, nada mais previsível de que podem se manifestar em forma de tendências instintivas – Allan Kardec foi bem cirúrgico nesse ponto.

Na Revista Espírita 1859, mês de março, o Codificador novamente faz referência às tendências instintivas, designando-as de” reminiscências”:

[…] Estamos persuadidos de que devemos ter reminiscências de certas disposições morais anteriores; diremos, até, que é impossível que as coisas se passem de outro modo, pois o progresso só se realiza paulatinamente. […]. (6) (grifo nosso)

Allan Kardec, até aqui, mantém a coerência no desenvolvimento de seus argumentos.

Mas o Mestre de Lyon tem ainda algo interessante a acrescentar. No cap. V – Bem-aventurados os aflitos, de O Evangelho segundo Espiritismo, ao discorrer sobre o tema “Esquecimento do passado”, no último parágrafo, ele diz:

Não é somente depois da morte que o Espírito recobra a lembrança do passado. Pode-se dizer que jamais a perde, pois a experiência demonstra que, mesmo encarnado, o Espírito goza de certa liberdade durante o sono e tem consciência de seus atos anteriores; sabe por que sofre e que sofre justamente. A lembrança somente se apaga no curso da vida exterior de relação. Mas, na falta de uma recordação exata, que lhe poderia ser penosa e prejudicar suas relações sociais, ele haure novas forças nesses instantes de emancipação da alma, se souber aproveitá-los. (7) (grifo nosso)

Portanto, a nossa conexão com as experiências em vidas pretéritas pode ser comprovada pelos instantes em que nossa alma se emancipa do corpo, momento no qual o nosso passado se faz presente em nossa mente. Como dito, essa ocorrência é mais comum no sono.

Assim, caso se queira levantar as reencarnações passadas de qualquer pessoa, deve-se sempre ter em mente que os seus personagens estão ligados uns aos outros pelas suas tendências instintivas. Julgamos até que, quanto mais próximos, mais evidentes elas deverão ser. Além disso, diremos ainda que não faz o menor sentido apresentar algum que não tenha nada dos seus supostos personagens anteriores.

 

Notas:

(1) KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 25.

(2) KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 136-137.

(3) KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 179.

(4) KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 203.

(5) KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 206.

(6) KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 86.

(7) KARDEC, O Evangelho segundo o Espiritismo, p. 80.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita