Reminiscências do passado não deixarão de existir
Julgamos bem oportunas as considerações do Codificador às questões 393 e 399, de O Livro dos Espíritos, nas quais, respectivamente, lemos:
Embora em nossa vida corpórea não nos lembremos com exatidão do que fomos e do que fizemos de bem ou de mal nas existências anteriores, temos a intuição de tudo isso, sendo as nossas tendências instintivas uma reminiscência do nosso passado, tendências contra as quais a nossa consciência, que é o desejo que sentimos de não mais cometer as mesmas faltas, nos adverte para resistir. (4) (grifo nosso)
Embora o homem não conheça os próprios atos que praticou em suas existências anteriores, sempre pode saber qual o gênero das faltas de que se tornou culpado e qual era o seu caráter dominante. Basta estudar a si mesmo e julgar do que foi, não pelo que é, mas pelas suas tendências. (5) (grifo nosso)
Ora, se nossas aquisições passadas estão armazenadas no nosso inconsciente, nada mais previsível de que podem se manifestar em forma de tendências instintivas – Allan Kardec foi bem cirúrgico nesse ponto.
Na Revista Espírita 1859, mês de março, o Codificador novamente faz referência às tendências instintivas, designando-as de” reminiscências”:
[…] Estamos persuadidos de que devemos ter reminiscências de certas disposições morais anteriores; diremos, até, que é impossível que as coisas se passem de outro modo, pois o progresso só se realiza paulatinamente. […]. (6) (grifo nosso)
Allan Kardec, até aqui, mantém a coerência no desenvolvimento de seus argumentos.
Mas o Mestre de Lyon tem ainda algo interessante a acrescentar. No cap. V – Bem-aventurados os aflitos, de O Evangelho segundo Espiritismo, ao discorrer sobre o tema “Esquecimento do passado”, no último parágrafo, ele diz:
Não é somente depois da morte que o Espírito recobra a lembrança do passado. Pode-se dizer que jamais a perde, pois a experiência demonstra que, mesmo encarnado, o Espírito goza de certa liberdade durante o sono e tem consciência de seus atos anteriores; sabe por que sofre e que sofre justamente. A lembrança somente se apaga no curso da vida exterior de relação. Mas, na falta de uma recordação exata, que lhe poderia ser penosa e prejudicar suas relações sociais, ele haure novas forças nesses instantes de emancipação da alma, se souber aproveitá-los. (7) (grifo nosso)
Portanto, a nossa conexão com as experiências em vidas pretéritas pode ser comprovada pelos instantes em que nossa alma se emancipa do corpo, momento no qual o nosso passado se faz presente em nossa mente. Como dito, essa ocorrência é mais comum no sono.
Assim, caso se queira levantar as reencarnações passadas de qualquer pessoa, deve-se sempre ter em mente que os seus personagens estão ligados uns aos outros pelas suas tendências instintivas. Julgamos até que, quanto mais próximos, mais evidentes elas deverão ser. Além disso, diremos ainda que não faz o menor sentido apresentar algum que não tenha nada dos seus supostos personagens anteriores.
Notas:
(1) KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 25.
(2) KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 136-137.
(3) KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 179.
(4) KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 203.
(5) KARDEC, O Livro dos Espíritos, p. 206.
(6) KARDEC, Revista Espírita 1859, p. 86.
(7) KARDEC, O Evangelho segundo o Espiritismo, p. 80.