Liberdade e servidão
Estima-se que existam no mundo entre 12 a 27 milhões de
pessoas escravizadas nas diversas atividades da
indústria, serviços urbanos, agricultura e nos
calabouços da prostituição. Andrew Forrest, o 4º homem
mais rico da Austrália e 211º do mundo, segundo o
ranking da revista Forbes, almeja erradicar a exploração
do trabalho forçado do planeta. Em 2012 ele criou a ONG
Walk Free, injetou nela 8 milhões de dólares, mais doze
milhões em 2013, e aliou-se ao mais famoso dos
neoabolicionistas, o americano Kevin Bales. O primeiro
fruto da Walk Free é um mapeamento da exploração da mão
de obra em 162 países do mundo.
Constatamos que Forrest (talvez ele nem saiba disso)
movimenta-se sob os auspícios dos ideais que alguns
ricos disseminaram na Europa no século XIX. À época
instituíram metas solidárias (1) para a erradicação da
escravidão na sociedade, e sob essa bandeira
abolicionista vários países aderiram, inclusive o
Brasil.
No entanto, os envelhecidos ideários abolicionistas não
conseguiram erradicar a servidão da sociedade. O termo
“escravidão” constitui prática social em que um homem
assume direitos de propriedade sobre outro através do
engenho da barbaridade. Em algumas sociedades, desde os
tempos mais remotos, os escravos eram legalmente
definidos como uma mercadoria. A expressão “escravidão”
aqui pesquisada tem significado peculiar, pois
atualmente não se compram ou se vendem pessoas como
outrora. No entanto, é legítima a expressão escravidão
para mencionar, por exemplo, as atuais relações de
cidadania ante governos autoritários e de trabalho em
que os trabalhadores são constrangidos a desempenhar uma
atividade contra sua vontade, sob intimidação, agressão
corporal e psicológica ou outras formas de barbaridade.
Portanto podemos dizer que há escravidão nos países,
notadamente os de “soberania popular volátil”, regados a
regimes totalitários, onde não se admite livre expressão
do pensamento. A liberdade de consciência é uma
particularidade da civilização em seu mais adiantado
estágio de desenvolvimento. Uma sociedade pacata para
sustentar a estabilização, a conformidade e o conforto,
necessita constituir preceitos coerentes, leis e códigos
legais portadores de medidas disciplinadoras.
Para a Doutrina dos Espíritos, os meios compõem os fins;
não se pode aspirar ao amor, à justiça, à liberdade,
operando por meios impetuosos, abomináveis, políticos e
partidários violentos. Na questão 837 de O Livro dos
Espíritos, Kardec indagou qual seria o resultado dos
entraves à liberdade de consciência. E os Espíritos
responderam: "Constrangimento dos homens a agir de
maneira diversa ao seu modo de pensar, o que os tornaria
hipócritas". (2) As doutrinas materialistas “são as
grandes chagas da sociedade”. (3) Qualquer organização
social “fundada sobre base materialista traria em si
mesma os germes da dissolução e os seus membros se
despedaçariam entre si como animais ferozes”. (4)
Há diversos tipos de cerceamento da liberdade
(“escravidão contemporânea”), a exemplo das mulheres e
meninas que são “arrebatadas” para a servidão dos
empregos de ocupações domésticas ou de ajudantes de
serviços gerais, além de ocorrerem, em várias partes do
orbe, o tráfico de mulheres para o meretrício forçado.
Impossível permanecermos impassíveis frente à
brutalidade e violência contra a liberdade humana em
pleno século XXI. Sou apolítico por natureza, mas,
avaliando diariamente os noticiários nacionais e
internacionais sobre a liberdade do cidadão, apesar de
revelar uma aberração, identificamos que a escravidão,
sobretudo ideológica e partidária, ainda acontece em
diversas partes do mundo, mormente nos países
unipartidários, a exemplo da República Popular da China,
República de Cuba, República Socialista do Vietname,
República Democrática Popular da Coreia, República
Democrática Popular de Laos.
Sobre a escravidão através do tráfico de pessoas
(principalmente mulheres e crianças), nenhum país do
planeta está livre dessa desonra. O trabalho escravo
contemporâneo pode ser tão ou mais cruel que sua versão
histórica, pois suas vítimas oferecem-se voluntariamente
ao serviço, iludidas por uma promessa de emprego.
Mergulhando doutrinariamente na essência do tema
“Escravidão X Abolição”, somos convidados a compulsar a
monumental obra literária espírita “Brasil, Coração do
Mundo, Pátria do Evangelho”, a fim de nos determos na
elaboração da Abolição no Brasil, inicialmente
articulada no além-túmulo, segundo certifica o Espírito
Humberto de Campos.
O célebre poeta maranhense, “Conselheiro XX” da Academia
Brasileira de Letras, expõe que a Princesa Isabel
reencarnou compromissada com a libertação dos escravos
na “Pátria do Cruzeiro”. Todavia, todo o curso do
processo já vinha sido tracejado pelas equipes de
Ismael, sob as ordens de Jesus, que buscavam administrar
as animações republicanas e abolicionistas com elevada
quietação e muita prudência, com o intento de impedir
desordens.
Disse o Mestre:
- Ismael, o sonho da liberdade de todos os cativos
deverá concretizar-se agora, sem perda de tempo.
Prepararás todos os corações, a fim de que as nuvens
sanguinolentas não manchem o solo abençoado da região do
Cruzeiro. Todos os emissários celestes deverão conjugar
esforços nesse propósito e, em breve, teremos a
emancipação de todos os que sofrem os duros trabalhos do
cativeiro na terra bendita do Brasil.
Sob a anuência do Governador da Terra, Ismael deu início
à tarefa de erradicar a escravidão no Brasil.
Influenciado pelos responsáveis invisíveis da pátria, D.
Pedro II foi apartado do trono nos albores de 1888.
Desta forma, a Princesa Isabel, que já havia sancionado
a Lei do Ventre Livre em 1871 - lei que garantia a
liberdade aos filhos dos escravos - assumia a Regência.
Sob a inspiração do Divino Galileu, a princesa escolhe o
Senador João Alfredo para organizar o novo ministério,
que seria formado por notáveis Espíritos ali encarnados.
Em 13 de maio de 1888, os abolicionistas apresentam à
regente a proposta de lei que Isabel, cercada de
entidades angelicais e misericordiosas, sancionou sem
hesitar. Nessa data, toda uma onda de claridades
compassivas descia dos céus sobre as vastidões do norte
e sul da Pátria do Evangelho. Ao Rio de Janeiro afluem
multidões de seres invisíveis, que se associam às
grandiosas solenidades da abolição. Junto ao espírito
magnânimo da princesa, permanecia Ismael com a bênção da
sua generosa e tocante alegria.
Enquanto se entoavam hosanas de amor no Grupo Ismael e a
Princesa Imperial sentia, na sua grande alma, as
comoções mais ternas e mais doces, os pobres e os
sofredores, recebendo a generosa dádiva do céu, iam
reunir-se, nas asas cariciosas do sono, aos seus
companheiros da imensidade, levando às alturas o preito
do seu reconhecimento a Jesus que, com a sua
misericórdia infinita, lhes outorgara a carta de
alforria, incorporando-se, para sempre, ao organismo
social da pátria generosa dos seus sublimes
ensinamentos. (5)
Na “Pátria do Evangelho”, a escravidão foi abolida
oficialmente em 13 de maio de 1888; porém,
lamentavelmente, 107 anos após a “Lei Áurea” (1995), o
governo brasileiro admitiu a existência de condições de
trabalho análogas à escravidão do século XIX. Embora
haja diversos acordos e tratados internacionais que
abordam a questão do trabalho escravo, muitos
trabalhadores ainda não recebem salários, assistência
médica nem têm direitos trabalhistas. São vigiados por
pistoleiros e proibidos de sair dos locais de trabalho
forçado.
Para os espíritas, é totalmente “contrária à lei de Deus
toda sujeição absoluta de um homem a outro homem. A
escravidão é um abuso da força. Desaparece com o
progresso, como gradativamente desaparecerão todos os
abusos. É contrária à Natureza a lei humana que consagra
a escravidão, pois que assemelha o homem ao irracional e
o degrada física e moralmente”. (6)
Referências bibliográficas:
(1) Consistentes teses acadêmicas
comprovam que não foi e nem poderia ter sido por motivos
econômicos;
(2) Kardec, Allan. O Livro dos
Espíritos, questão 837, RJ: Ed. FEB, 2006;
(3) Idem, questão 799;
(4) Idem, questão 148;
(5) Xavier, Francisco Cândido. Brasil,
Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, ditado pelo
Espírito Humberto de Campos, RJ: ed. FEB, 2006;
(6) Kardec, Allan. O Livro dos
Espíritos, questão 829, RJ: Ed. FEB, 2006.
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