Trojan em grupos espíritas
Trojan Horse,
ou simplesmente trojan, é um tipo de programa
eletrônico malicioso que pode entrar em um computador
disfarçado como um programa comum e legítimo. Ele serve
para possibilitar a abertura de uma porta de forma que
usuários mal-intencionados possam invadir o computador e
roubar ou destruir dados, além de outros danos.
O termo é derivado da história narrada por Homero no
poema Odisseia, no século VIII a.C., sobre o estratagema
grego de simular uma retirada do cerco de guerra que
promoviam à cidade de Troia e deixar um grande e ornado
cavalo de madeira com soldados escondidos em seu
interior. Os troianos, ao se depararem com o inusitado
objeto, decidiram levá-lo para dentro da cidade
fortificada. Durante a noite, os soldados gregos saíram
do cavalo, mataram os sentinelas e permitiram a entrada
de seu exército, dominando toda a cidade.
Assim como trojans, uma modalidade de invasão
perniciosa está se fazendo perceber não em computadores
ou em cidades, mas em grupos espíritas.
Disfarçadas de propostas modernas e doutrinariamente
legítimas, pautas político-ideológicas, típicas de
programas partidários, tentam se infiltrar na tribuna e
em outras atividades de organizações espíritas por meio
de militantes que se passam por adeptos preocupados e
conscientes dos problemas sociais. Procurando camuflar a
real intenção, a invasão segue a cartilha gramsciana
para a conquista de posição, formação de consenso e de
pensamento hegemônico.
O alerta
Allan Kardec, em mensagem dirigida aos espíritas
lioneses em 1862, já alertava sobre a armadilha
preparada por adversários encarnados e desencarnados do
espiritismo, a qual buscava levar à casa espírita a
discussão política.
"Devo ainda assinalar-vos outra tática dos nossos
adversários, a de procurar comprometer os espíritas,
induzindo-os a se afastarem do verdadeiro objetivo da
doutrina, que é o da moral, para abordarem questões que
não são de sua alçada e que, a justo título, poderiam
despertar suscetibilidades e desconfianças. Não vos
deixeis cair nessa armadilha; afastai cuidadosamente de
vossas reuniões tudo quando se refere à política e a
questões irritantes; a tal respeito, as discussões
apenas suscitarão embaraços, enquanto ninguém terá nada
a objetar à moral, quanto esta for boa.” (Allan Kardec, Revista
Espírita, fev.1862)
A transformação social, para Kardec, não ocorrerá de
maneira impositiva e totalitária ao indivíduo, mas de
maneira oposta, decorrente da melhoria do indivíduo
respeitando-se a liberdade de consciência de cada um.
“Procurai no espiritismo aquilo que vos pode melhorar:
eis o essencial. Quando os homens forem melhores, as
reformas sociais realmente úteis serão uma consequência
natural; trabalhando pelo progresso moral, lançareis os
verdadeiros e mais sólidos fundamentos de todas as
melhoras, e deixareis a Deus o cuidado de fazer com que
cheguem no devido tempo. No próprio interesse do
espiritismo, que é ainda jovem, mas que amadurece
depressa, oponde uma firmeza inquebrantável aos que
quiserem vos arrastar por uma via perigosa." (Allan
Kardec, Revista Espírita, fev.1862)
Maturidade e sensatez
Não é de hoje que militantes reformistas sociais, que
acreditam estar em luta contra determinados segmentos da
sociedade, alardeiam que os espíritas, em geral, são
alienados, pois deveriam içar com veemência bandeiras
político-ideológicas, necessariamente as mesmas que tais
reformistas seguram, pois se forem de cores diferentes,
aí o discurso muda e serão considerados párias a serem
banidos da vida em comunidade e não poderiam ser
considerados espíritas.
O que faz com que adeptos, com as mais diferentes
convicções partidárias, compartilhem e desenvolvam
atividades na casa espírita em ambiente respeitoso é,
justamente, a inexistência de discussões dos chamados
“assuntos irritantes” que Kardec ressaltou.
Certamente, em um mundo de expiações e provas não se
pode esperar plena harmonia nas relações sociais,
inclusive dentro do centro espírita, mas abrigar o vírus
da discórdia e da divisão por motivos
político-ideológicos é a receita para que os sentinelas
da razão sejam abatidos e prevaleçam as paixões
partidárias, culminando com o afastamento de
colaboradores ou a dissolução da própria instituição.
Na condição de cidadão, esse mesmo espírita tem
liberdade de se expressar e abraçar a corrente
ideológica que achar a mais adequada e o fato de não
levar suas preferências políticas para serem discutidas
no centro espírita não o caracteriza como alienado, ao
contrário, demonstra maturidade, sensatez e respeito
pela organização que colabora e por seus companheiros de
trabalho.
Nota da
Redação: O presente artigo, veiculado nesta revista com
permissão do autor, foi originalmente publicado no
periódico CORREIO.news
Marco Milani é diretor do
departamento de doutrina da USE- SP.
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