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por Rogério Coelho

 

Do captativo ao ablativo


No amadurecimento afetivo o ser esplende e supera-se


(...) As ideias só pouco a pouco se modificam e os velhos hábitos precisam de tempo para desaparecerem. - 
L.E. q. 800


Desde a infância até à senectude o ser humano atravessa algumas fases que podem muito bem ser comparadas com as estações do ano:

Primavera – infância – fase captativa – vige o egoísmo;

Verão – juventude – fase captativa – quente – explosão de hormônios;

Outono – madureza – fase ablativa – frutos, altruísmo, distribuição;

Inverno – velhice – fase ablativa – frio – lentidão – sementes...

Somente o amor, esse fogo sagrado, em sua expressão mais profunda poderá operar a radical mudança na vida das criaturas, emancipando-as dos sombrios vales do egoísmo (captativo) para os acumes da Caridade (ablativo).

O Amor lecionado e exemplificado por Jesus, segundo Joanna de Ângelis, tem o condão de levar a criatura “a procurar em torno de si o sentido íntimo de todas as dores que acabrunham seus irmãos, para suavizá-las”.

Em suas fases mais primitivas da caminhada evolutiva, o homem é puro instinto e egoísmo... Porém, com o fatalismo do  progresso inerente a tudo e a  todos,  do  patamar receptivo-egoísta (fase captativa) ele  vislumbra  a  imperiosa  necessidade   de estreitamento  dos laços com seu semelhante, surgindo,  então,  a fase  do crescimento onde a ampliação do  relacionamento  imposta por  sua  condição  gregária o impulsiona  para  as  primeiras  e singelas  expressões  do amor, estabelecendo o  primado  da  fase ablativa, na qual o egoísmo vai – pouco a pouco – oferecendo espaços ao altruísmo.

Nessa fase, à semelhança do bom samaritano, com a visão livre das belidas do egoísmo, portanto, com o Espírito não mais embaçado pelo véu do exclusivismo-captativo, a dor do próximo passa a ser também a sua dor.  Sua maturidade psicológica a duras penas vai-se processando por terrenos acidentados até que, finalmente, galgando os últimos patamares, deixa para trás o "homem-velho", oferecendo ensejo ao surgimento do homem novo, surgido das entranhas do amor, e transferindo-se para os níveis evolutivos superiores, abandona os resquícios do primitivismo ancestral.

Ainda no entendimento de Joanna de Angelis, “(...) o ser deixa de ser captativo por fenômenos atávicos para tornar-se ablativo, que é a fatalidade do processo no qual se encontra”.

E aduz a nobre Mentora: "(...) o Amor é a chama que arde atraente, oferecendo claridade e calor, ao tempo que alimenta com paz, face à permuta de energias entre quem ama e aquele que se torna amado.  Desenvolve-se, então, uma empatia que arranca o ser do seu primitivismo, conduzindo-o à imensa área do progresso, onde a experiência de doação torna-se enriquecedora, trabalhando pelo olvido do ser em si mesmo com a lembrança constante do seu próximo.  E nesse amadurecimento afetivo, o ser esplende e supera-se... 

O passo seguinte é o amadurecimento mental, graças à compreensão de que a vida é rica de significados e o seu sentido é a Imortalidade. Com essa identificação, alteram-se   os interesses, e as paisagens se clareiam ao sol da razão, que consubstancia a fé no homem, na vida e em Deus...

(...) Quando o processo do desenvolvimento não obedece ao “tempo certo”, alongando-se demasiadamente uma fase, a criatura em se recusando a crescer torna-se instável, atormentada, insegura, depressiva ou agressiva, ocultando-se sob vários mecanismos perturbadores.

O seu processo de amadurecimento psicológico, portanto, pode ser comparado a uma larga gestação, cujo parto doloroso propicia especial plenificação.

 Graças à sua constituição emocional e orgânica, na vida infantil o ser é egocêntrico, qual animal que não discerne, acreditando que tudo gira em torno do seu universo, tornando-se, em consequência, impiedoso, por ser destituído da afetividade ainda não desenvolvida, que o propele à liberdade excessiva e aos estados caprichosos de comportamento.

Passado esse primeiro período, faz-se ególatra, acumulando tudo e apenas pensando em si, em fatigante esforço de completar-se, isolando-se socialmente dos demais ou considerando as outras pessoas como descartáveis, cujo valor acaba quando desaparece a utilidade, de imediato ignorando-as, desprezando-as...  Em sucessão, apresenta-se introvertido, egoísta, possuindo sem repartir, detentor de coisas, não de paz pessoal. A imaturidade se expressa através da preservação dos conflitos, graças aos quais muda de comportamento em liberar-se da injunção causal, que são a frustração, o desconforto moral, a presença da infância.  E mesmo quando se apresenta   completado, as   suas   reações prosseguem infantis, destituídas de sensibilidade, no tormento de metas sem significado.

Para ele, o sentido da vida permanece adstrito ao círculo estreito da aquisição de coisas e à sujeição de outras pessoas aos seus caprichos. Torna-se ditador impiedoso, sicário implacável, juiz cruel. Proporciona-lhe prazer mórbido a dependência das massas e dos indivíduos particularmente, fruindo, de maneira masoquista, do prazer na dor própria ou alheia, desenvolvendo a degenerescência afetiva até o naufrágio fatal...

Cada pessoa é a soma das suas experiências transatas, e sua mente é o veículo formador de quanto se lhe torna necessário para o processo iluminativo.

Essa percepção, o entendimento desse fator, faz-se relevante em qualquer proposta de psicologia transpessoal, no estudo das causalidades de todos os fenômenos humanos. Os velhos paradigmas e modelos sobre o homem cedem passo à introdução do conceito do ser ancestral, com toda a historiografia das suas reencarnações, que se tornam responsáveis pelo desenvolvimento do eu profundo.

A enunciada cisão entre o eu e o si, atávica, desaparece quando a análise do perispírito demonstra que a personalidade resulta da experiência de cada etapa, mas a individualidade é a soma de todas as realizações nas sucessivas reencarnações.

Graças a esses fenômenos, as pressões psicossociais — ambiente, educação, lutas e atividades — aparecem contribuindo, de uma ou de outra forma, para a realização das metas ou reparação delas, em razão dos processos de mérito ou débito que cada um se faz portador.

Todos nascem ou renascem nos núcleos familiares e sociais de que necessitam para aprimorar-se, e não conforme se assevera tradicionalmente: que merecem.

As cargas de genes e cromossomas, as condições psicossociais e econômicas, formam o quadro dos processos de burilamento moral-espiritual, resultantes da reencarnação caldeadora dos dispositivos individuais para a evolução.  E tal razão prepondera na elucidação das diferenças psicológicas dos indivíduos, mesmo entre os gêmeos uniovulados, defluentes das conquistas anteriores.

A maturidade psicológica tem um curso acidentado, feito de sucessos e repetições, por formar um quadro muito completo na individualidade humana.

A sua primeira fase se expressa como maturidade afetiva, quando o ser deixa de ser captativo por fenômeno atávico, para tornar-se ablativo, que é a fatalidade do processo no qual se encontra. Da posição receptiva egoísta, profundamente perturbadora, surge a necessidade de crescer e ampliar o círculo de amigos, na sua condição de animal gregário, surgindo as primeiras expressões do amor; expande o sentimento afetivo e compreende que o narcisismo e o egoísmo somente conduzem à autodestruição, à perturbação...

Quem aspira por ser amado mantém-se na imaturidade, na dependência psicológica infantil, coercitiva, ególatra.  A afetividade é o campo central para a batalha entre as diversas paixões de posse e renúncia, de domínio e abnegação, ensejando a predominância da doação plena.

Quem lograr a sua consciência individual supera a violência, a separatividade e, afetuoso, racional, integra o grupo social promovendo-o e desenvolvendo-se cada vez mais, rico de compreensão, fraternidade, amor e paz...  O homem maduro psicologicamente vive a amplidão infinita das aspirações do bom, do belo, do verdadeiro, e, esvaído do ego, atinge o superego, tornando-se homem integral, ideal, no rumo do infinito”.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita