Espíritas de gabinete?
Daniela Arbex é uma escritora muito conhecida pela sua
obra “Holocausto brasileiro”, que trata dos horrores de
um sanatório mineiro, além da sua recente obra sobre as
vítimas do desastre de Brumadinho. Mas a autora se
aventurou nas questões do mundo invisível com a
excelente biografia “Os dois mundos de Isabel”, lançada
em 2020 pela Editora Intrínseca e que trata da vida da
médium, radicada em Juiz de Fora-MG, Isabel Salomão de
Campos.
O livro é emocionante, super bem escrito e de uma
leitura fluida e prazerosa. Em determinado trecho da
obra (p. 131), narrando um ocorrido com a médium, em
relação a uma oposição se ela deveria estudar ou
trabalhar atendendo, e a resposta que lhe é dada é: “Atenda,
minha filha, porque cristão de gabinete existe um monte.
Precisamos é de trabalhador”, invocando uma
expressão “de gabinete” que surge, vira e mexe, em falas
do movimento espírita, mais ou menos nesse sentido.
Qual o busílis, o ponto nessa questão que enseja
escrever algumas linhas para a reflexão é essa
insistente pseudo-oposição entre estudo e trabalho, como
se, ao se priorizar um, necessariamente o outro é
reduzido, isolados em caixas diferentes. Para não dizer
que não falei das flores, como existe a pecha de
espírita de gabinete para o que foca no estudo e não
quer trabalhar, muitos dirigentes espíritas também
colocam o foco no estudo, de modo absoluto, e minimizam
iniciativas práticas na assistência e na área mediúnica.
E assim caminha a humanidade, nessa luta velada dos que
metem a mão na massa contra os que enfiam a cara nos
livros. Ledo engano, pois essas atividades se
complementam e só tem sentido juntas. O estudo fortalece
a prática. A prática dá sentido ao estudo. Parafraseando
o físico Albert Einstein, que dizia que “Ciência sem
religião é coxo, religião sem ciência é cega”,
pode-se dizer também que o estudo sem a prática é coxo,
e a prática sem o estudo é cega.
Essa visão “de gabinete” dá a entender que as funções de
caráter intelectual, de direção, de livros grossos, não
fossem tão importantes quanto aquelas que nos colocam
com o pé no barro, muitas vezes uma crítica fundamentada
na vaidade que seria alimentada por essa vertente
intelectual, e que pode perfeitamente florescer em
atividades mais concretas, seja na mediunidade, seja na
atividade assistencial. Não se iluda, a vaidade se
enraíza no coração de todos.
Importante resgatar esse equilíbrio entre os que estão
no gabinete e os que estão na ponta, todos músicos da
orquestra da evolução espiritual, trilhada no planeta
Terra, entendendo sim a necessidade do trabalho que
modifique realidades e que nos torne melhores, mas
também a importância do estudo que nos ilumine e oriente
diante dos desafios.
Se as escolhas na vida espírita nos empurram para
atividades mais intelectuais, pelo nosso perfil ou pela
necessidade do contexto, importante lembrar que o estudo
e a sua divulgação podem ter um sentido de trabalho, de
consolo e esclarecimento, valendo o mesmo para os
chamados para ações mais práticas, que não podem
esquecer do estudo da doutrina espírita e seus
fundamentos.
Ouve-se muito nas casas espíritas que quem trabalha deve
estudar, mas pouco que quem estuda deve trabalhar.
Outras facetas desse antagonismo que nos torna menores.
Faz-se necessário entender essas asas, que mais do que
um equilíbrio permanente, são membros que se comunicam
entre si, ligadas ao mesmo pássaro e que, juntas,
compõem o corpo que realiza o voar necessário, firme e
determinado. Uma visão de totalidade.
Colabore na obra do Cristo, amigo leitor, de acordo com
a sua afinidade e necessidade, mas não se esqueça de que
a mente guia a mão, e que a mão transforma o mundo que
os olhos veem. A vida nos pede integração de forças, e
não para ficarmos isolados, em caixas que na verdade se
comunicam, e nós é que, por motivos diversos, não
percebemos.
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