Somos
realmente livres como
pássaros?
Há algum tempo ouvi uma
pessoa afirmar
peremptoriamente que era
“livre como um pássaro”.
Um tanto surpreendido
com a declaração, fiquei
a conjecturar se tal
comportamento é
compatível com as almas
realmente maduras. Em
meio às minhas
elucubrações
indaguei-me, afinal, o
que é ser livre? É poder
simplesmente fazer o que
bem entender na hora que
desejar? É viver sem
nenhuma preocupação? É
abolir completamente os
laços sociais ou
sentimentais? É, por
fim, existir sem nenhum
tipo de preocupação ou
responsabilidade? É
provável que viver em
tal estado signifique
cultivar um pouco de
cada uma dessas coisas,
entre outras mais.
Mas tal baliza de vida
pode ser vista como algo
construtivo à luz do
Espírito imortal?
Suspeito que é pouco
provável. Nesse sentido,
vejamos, por exemplo, o
que a mãe natureza nos
ensina. É fato
indiscutível que os
pássaros vivem livres,
assim como outros
animais, por sinal, mas,
normalmente, até certo
ponto. Recordemos que os
filhotes de muitas
espécies, ao ingressar
na fase adulta, são
automaticamente
compelidos - para
preservação da espécie -
a formar suas próprias
famílias – mesmo que
temporariamente. Em
outras há uma forte
ligação afetiva, como é
o caso dos pinguins e
araras-azuis, que
perdura por toda a
existência dos casais.
Os elefantes, por sua
vez, vivendo em manadas,
formam, por assim dizer,
uma grande e admirável
família. Ou seja, os
membros dessas espécies
nos mostram claramente
que convivem com grandes
responsabilidades e
obrigações.
Em outras menos
adiantadas, no entanto,
os animais usam a
liberdade para caçar,
alimentar e criar sua
prole – até que estes
estejam prontos para
seguir o seu próprio
caminho. Há,
indubitavelmente, um
programa divino
delineando os seus
passos para que
prevaleça o equilíbrio
das coisas. Por outro
lado, há espécies cujos
machos vivem totalmente
apartados dessa direção,
e a sua função se limita
à fecundação das fêmeas
de tempos em tempos.
Mas, mesmo eles, com
toda a liberdade que
possuem, também estão
cumprindo um papel
estabelecido pelo
Criador, que lhes cabe
executar. Dito de outra
maneira, não há uma
ponta solta na criação
divina, pois tudo se
entrelaça de uma maneira
ou de outra. Todos os
seres vivos cumprem uma
função mais ou menos
complexa consoante o seu
grau de evolução.
E os seres humanos: como
ficam nesse contexto?
Ora, Deus nos concede o
livre-arbítrio para que
façamos as nossas
escolhas de vida e
estabeleçamos as nossas
prioridades. Todavia,
Ele também espera algo
mais de nós nesse
tocante, afora o fato de
que a encarnação para
uns constitui uma
missão, enquanto para
outros é uma expiação.
Como os maiorais da
espiritualidade
esclareceram a Kardec,
em O Livro dos
Espíritos (questão
132):
“[...] Visa ainda outro
fim a encarnação: o de
pôr o Espírito em
condições de suportar a
parte que lhe toca na
obra da Criação. Para
executá-la é que, em
cada mundo, toma o
Espírito um instrumento,
de harmonia com a
matéria essencial desse
mundo, a fim de aí
cumprir, daquele ponto
de vista, as ordens de
Deus. É assim
que, concorrendo para a
obra geral, ele próprio
se adianta (ênfase
minha)”.
Sendo assim, a noção de
total liberdade,
acalentada por
determinados seres
humanos, não se coaduna
com tais diretrizes
celestiais. E para
cooperar com “a obra
geral”, arquitetada pelo
Criador da vida,
supõe-se que de nossa
parte haja pelo menos
algum tipo de
engajamento social. A
propósito, como bem
observa o Espírito
Joanna de Ângelis, no
livro Desperta e Seja
Feliz (psicografia
de Divaldo Pereira
Franco), “À medida que o
ser se autodescobre,
mais percebe a
necessidade dos
relacionamentos sociais,
seja para buscar e
intercambiar
experiências, seja para
contribuir em favor do
desenvolvimento do grupo
no qual se encontra”.
Com feito, o indivíduo
simpatizante da
liberdade total e
absoluta como estilo de
vida pode objetar, com
toda razão, que convive
com outros socialmente.
Mas a questão palpitante
é em que nível isso
ocorre? Essa pessoa
possui a capacidade de
estreitar seus laços com
outras pessoas? Está ela
apta a abraçar mais
responsabilidades e
incumbências? Ser livre,
na medida aqui
analisada, pressupõe
experienciar a
existência sob um regime
de alta volatilidade com
pouca ou mesmo nenhuma
raiz. Desse modo, a não
fixação em algo (social)
mais sólido pouco
contribui para uma vida
exitosa do ponto de
vista espiritual na
qual, aliás, sacrifícios
e renúncias não são
palavras jogadas ao léu,
mas nossos reais
tesouros. É com eles, se
os cultivamos, que um
dia nos apresentaremos à
espiritualidade. São
eles que nos
pavimentarão o caminho
para o nosso retorno à
verdadeira vida
realizados ou, na sua
ausência, simplesmente
derrotados.
Para concluir, a
advertência do Espírito
Emmanuel, contida na
obra Fonte Viva (psicografia
de Francisco Cândido
Xavier), parece bem
apropriada: “Adiar o
bem que podemos realizar
é desaproveitar o tempo
e furtar do Senhor”.
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