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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

Somos realmente livres como pássaros?


Há algum tempo ouvi uma pessoa afirmar peremptoriamente que era “livre como um pássaro”. Um tanto surpreendido com a declaração, fiquei a conjecturar se tal comportamento é compatível com as almas realmente maduras. Em meio às minhas elucubrações indaguei-me, afinal, o que é ser livre? É poder simplesmente fazer o que bem entender na hora que desejar? É viver sem nenhuma preocupação? É abolir completamente os laços sociais ou sentimentais? É, por fim, existir sem nenhum tipo de preocupação ou responsabilidade? É provável que viver em tal estado signifique cultivar um pouco de cada uma dessas coisas, entre outras mais.

Mas tal baliza de vida pode ser vista como algo construtivo à luz do Espírito imortal? Suspeito que é pouco provável. Nesse sentido, vejamos, por exemplo, o que a mãe natureza nos ensina. É fato indiscutível que os pássaros vivem livres, assim como outros animais, por sinal, mas, normalmente, até certo ponto. Recordemos que os filhotes de muitas espécies, ao ingressar na fase adulta, são automaticamente compelidos - para preservação da espécie - a formar suas próprias famílias – mesmo que temporariamente. Em outras há uma forte ligação afetiva, como é o caso dos pinguins e araras-azuis, que perdura por toda a existência dos casais. Os elefantes, por sua vez, vivendo em manadas, formam, por assim dizer, uma grande e admirável família. Ou seja, os membros dessas espécies nos mostram claramente que convivem com grandes responsabilidades e obrigações.  

Em outras menos adiantadas, no entanto, os animais usam a liberdade para caçar, alimentar e criar sua prole – até que estes estejam prontos para seguir o seu próprio caminho. Há, indubitavelmente, um programa divino delineando os seus passos para que prevaleça o equilíbrio das coisas. Por outro lado, há espécies cujos machos vivem totalmente apartados dessa direção, e a sua função se limita à fecundação das fêmeas de tempos em tempos. Mas, mesmo eles, com toda a liberdade que possuem, também estão cumprindo um papel estabelecido pelo Criador, que lhes cabe executar. Dito de outra maneira, não há uma ponta solta na criação divina, pois tudo se entrelaça de uma maneira ou de outra. Todos os seres vivos cumprem uma função mais ou menos complexa consoante o seu grau de evolução.

E os seres humanos: como ficam nesse contexto? Ora, Deus nos concede o livre-arbítrio para que façamos as nossas escolhas de vida e estabeleçamos as nossas prioridades. Todavia, Ele também espera algo mais de nós nesse tocante, afora o fato de que a encarnação para uns constitui uma missão, enquanto para outros é uma expiação. Como os maiorais da espiritualidade esclareceram a Kardec, em O Livro dos Espíritos (questão 132):

“[...] Visa ainda outro fim a encarnação: o de pôr o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da Criação. Para executá-la é que, em cada mundo, toma o Espírito um instrumento, de harmonia com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de DeusÉ assim que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta (ênfase minha)”.

Sendo assim, a noção de total liberdade, acalentada por determinados seres humanos, não se coaduna com tais diretrizes celestiais. E para cooperar com “a obra geral”, arquitetada pelo Criador da vida, supõe-se que de nossa parte haja pelo menos algum tipo de engajamento social. A propósito, como bem observa o Espírito Joanna de Ângelis, no livro Desperta e Seja Feliz (psicografia de Divaldo Pereira Franco), “À medida que o ser se autodescobre, mais percebe a necessidade dos relacionamentos sociais, seja para buscar e intercambiar experiências, seja para contribuir em favor do desenvolvimento do grupo no qual se encontra”.

Com feito, o indivíduo simpatizante da liberdade total e absoluta como estilo de vida pode objetar, com toda razão, que convive com outros socialmente. Mas a questão palpitante é em que nível isso ocorre? Essa pessoa possui a capacidade de estreitar seus laços com outras pessoas? Está ela apta a abraçar mais responsabilidades e incumbências? Ser livre, na medida aqui analisada, pressupõe experienciar a existência sob um regime de alta volatilidade com pouca ou mesmo nenhuma raiz. Desse modo, a não fixação em algo (social) mais sólido pouco contribui para uma vida exitosa do ponto de vista espiritual na qual, aliás, sacrifícios e renúncias não são palavras jogadas ao léu, mas nossos reais tesouros. É com eles, se os cultivamos, que um dia nos apresentaremos à espiritualidade. São eles que nos pavimentarão o caminho para o nosso retorno à verdadeira vida realizados ou, na sua ausência, simplesmente derrotados.  

Para concluir, a advertência do Espírito Emmanuel, contida na obra Fonte Viva (psicografia de Francisco Cândido Xavier), parece bem apropriada: “Adiar o bem que podemos realizar é desaproveitar o tempo e furtar do Senhor”.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita