Todo o reino dividido
contra si mesmo é devastado
“Trouxeram-lhe, então, um endemoninhado cego e mudo; e,
de tal modo o curou, que o cego e mudo falava e via. E
toda a multidão se admirava e dizia: Não é este o Filho
de Davi? Mas os fariseus, ouvindo isto, diziam: Este não
expulsa os demônios senão por Belzebu, príncipe dos
demônios. Jesus, porém, conhecendo os seus pensamentos,
disse-lhes: Todo o reino dividido contra si mesmo é
devastado; e toda a cidade, ou casa, dividida contra si
mesma não subsistirá. E, se Satanás expulsa a Satanás,
está dividido contra si mesmo; como subsistirá, pois, o
seu reino?” (Mateus,
12: 22-26).
Esta passagem evangélica está no contexto em que os
religiosos judeus acusavam Jesus de curar e expulsar
maus Espíritos por influência do demônio.
A resposta do Cristo
foi: “Todo o
reino dividido contra si mesmo é devastado; e toda a
cidade, ou casa, dividida contra si mesma não
subsistirá. E, se Satanás expulsa a Satanás, está
dividido contra si mesmo; como subsistirá, pois, o seu
reino?”
Da resposta do Mestre Jesus aos fariseus, podemos
extrair algumas reflexões.
Como poderá haver união de ações edificantes para o bem
se o nosso movente for de divisão ou separação, seja em
qualquer nível da sociedade, no lar ou nas práticas
religiosas?
Como alguém que pratica o bem e a caridade poderá estar
sendo influenciado por maus Espíritos ou “demônios”?
Qual é a lógica nisso?
Se o mal procura destruir o próprio mal, como poderá o
mal subsistir e construir o seu reino?
Quanto aos aspectos religiosos, a cegueira dogmática, o
fanatismo, o egoísmo de seita, o espírito de orgulho, a
intolerância, a fé inoperante, a pretensão de reter a
posse da verdade absoluta, a ambição de poder, o desvio
doutrinário, o mercantilismo religioso, dentre outros
tantos sentimentos inferiores, tornam-se fontes e
instrumentos de divisão, desavenças, devastação e
destruição.
Ao longo da história, muitos que praticavam o bem e a
caridade foram injustamente hostilizados, intitulados de
bruxos e martirizados por serem identificados como
pessoas influenciadas pelo demônio.
A esse respeito, fez-me lembrar da Parábola do cego que
guia outro cego: “E dizia-lhes uma parábola: Pode
porventura o cego guiar o cego? Não cairão ambos na
cova?” (Lucas, 6: 39). “Então, acercando-se dele
os seus discípulos, disseram-lhe: Sabes que os fariseus,
ouvindo essas palavras, se escandalizaram? Ele, porém,
respondendo, disse: Toda a planta, que meu Pai celestial
não plantou, será arrancada. Deixai-os; são cegos
condutores de cegos. Ora, se um cego guiar outro cego,
ambos cairão na cova”. (Mateus, 15: 12-14)
Nessa Parábola, os fariseus, em suas hipocrisias,
valorizavam mais as práticas exteriores do que realmente
seguir os preceitos das leis de Deus, e tinham a
pretensão de ser os mais esclarecidos da sua nação. As
práticas do bem e da caridade sucumbiam para o
formalismo religioso. A maioria dos fariseus e escribas
estava cega e surda espiritualmente.
O próprio Espiritismo também sofreu a acusação de ser
obra do demônio, tanto que Allan Kardec, em “A Gênese”,
Capítulo XV, “Os milagres do Evangelho”, registra:
“Os fariseus acusavam a Jesus de expulsar os demônios
pela influência dos demônios. Segundo eles, o bem que
Jesus fazia era obra de Satanás, sem refletirem que, se
Satanás expulsasse a si mesmo, praticaria uma
insensatez. É de notar-se que os fariseus daquele tempo
já pretendessem que toda faculdade transcendente e, por
esse motivo, reputada sobrenatural, era obra do demônio,
visto que, na opinião deles, era do demônio que Jesus
recebia o poder de que dispunha. É esse mais um ponto de
semelhança daquela com a época atual e tal doutrina é
ainda a que a Igreja procura fazer que prevaleça hoje,
contra as manifestações espíritas” 188. (...)
“188 Nota de Allan Kardec: Nem todos os
teólogos adotam opiniões tão absolutas sobre a doutrina
demoníaca. Aqui está uma e o valor o clero não pode
contestar, emitida por um eclesiástico, monsenhor
Freyssinous, bispo de Hermópolis, na seguinte passagem
das suas Conferências sobre a religião, volume II, p.
341 (Paris, 1825):
‘Se Jesus operasse seus milagres pelo poder do demônio,
este teria trabalhado pela destruição do seu império e,
portanto, empregado contra si próprio o seu poder.
Certamente, um demônio que procurasse destruir o reinado
do vício para implantar o da virtude seria um demônio
muito singular. Eis por que Jesus, para repelir a
absurda acusação dos judeus, lhes dizia: Se opero
prodígios em nome do demônio, o demônio está dividido
consigo mesmo, trabalhando, conseguintemente, para a sua
própria destruição’. Esta resposta não admite réplica.
É justamente o argumento que os espíritas opõem aos que
atribuem ao demônio os bons conselhos que os Espíritos
lhes dão. O demônio agiria então como um ladrão
profissional que restituísse tudo o que houvesse roubado
e exortasse os outros ladrões a se tornarem pessoas
honestas”.
Em um mundo regenerado, a integração religiosa será um
grande desafio, mas, cedo ou tarde, ela deverá ocorrer
pela força das coisas e pela necessidade de se estreitar
os laços de fraternidade entre as nações.
As pessoas se manterão unidas pela crença em princípios
espirituais universais e por um laço de fraternidade.
Compreenderão que somente o progresso moral pode
assegurar aos homens a felicidade na Terra, refreando as
paixões más.
Nesse sentido, o Espírito Emmanuel, em “Unificação”, na
psicografia de Francisco Cândido Xavier, orienta:
“Lembremo-nos de que a vitória do Evangelho, ainda não
alcançada, começou com a congregação de doze aprendizes,
humildes e sinceros, em torno de um Mestre sábio,
paciente, generoso e justo, e continuemos, cada qual de
nós, no posto de trabalho que nos compete, atentos às
determinações divinas, da execução do próprio dever” (Reformador,
out. 1977, p. 301).
Para nós cristãos, não podemos esquecer as palavras do
Mestre Jesus: “Eu sou o bom Pastor, e conheço as
minhas ovelhas, e das minhas sou conhecido. Assim como o
Pai me conhece a mim, também eu conheço o Pai e dou a
minha vida pelas ovelhas. Ainda tenho outras ovelhas que
não são deste aprisco; também me convém agregar estas, e
elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um
Pastor”. (João, 10: 14-16)
Nessa passagem, Jesus retrata a diversidade religiosa de
sua época, cuja maioria acreditava em vários deuses.
Mesmo entre os judeus, existiam divisões quanto à
revelação de Moisés. Apesar da evolução ocorrida, hoje,
a situação não é muito diferente, cujos antagonismos
religiosos alimentam adeptos na posse exclusiva da
verdade eterna.
O Cristo, como o bom Pastor, conhece as suas ovelhas e
elas o conhecem, porquanto os adeptos do Cristianismo
procuram seguir as suas orientações. Contudo, a mensagem
cristã não é crença universal. Daí Jesus anunciar a
conveniência de agregar ao seu aprisco outras ovelhas,
as que ainda não aceitam ou desconhecem a sua mensagem
de amor.
A profecia “haverá um rebanho e um Pastor” indica o
surgimento de uma geração nova, solidária e fraterna,
que caminhará unida em busca da felicidade espiritual.
Representa a idade de maturidade espiritual da
Humanidade. A nova geração marchará para a realização de
todas as ideias humanitárias compatíveis com o grau de
adiantamento a que houver chegado.
Trata-se de uma profecia que será cumprida,
possivelmente, durante o período de regeneração, quando
a Humanidade estará mais unida por ideias comuns,
sobretudo no campo da fé. Estenderemos as mãos uns aos
outros, quando todos os homens estiverem convencidos de
que Deus é o mesmo para todos, que somos filhos do mesmo
Pai e que esse Deus, soberanamente justo e bom, nada de
injusto pode querer.
Assim, não devemos dar guarida a manifestações que
dividem, diminuem ou subtraem, mas sim àquelas que
somem, multipliquem e unem para o caminho da verdade e
da vida, em direção ao Pai, tendo Jesus como modelo e
guia, pois ninguém chega a Deus senão por Ele.
Bibliografia:
BÍBLIA SAGRADA.
KARDEC, Allan; tradução de Evandro Noleto
Bezerra. A Gênese. 2ª Edição. Brasília/DF:
Federação Espírita Brasileira, 2013.
KARDEC, Allan; tradução de Guillon
Ribeiro. O Evangelho segundo o Espiritismo. 1ª
Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira,
2019.
MOURA, Marta Antunes de Oliveira de
(Organizadora). Estudo aprofundado da doutrina
espírita: Ensinos e parábolas de Jesus – Parte II:
orientações espíritas e sugestões didático-pedagógicas
direcionadas ao estudo do aspecto religioso do
Espiritismo. 1ª Edição. 1ª Edição. Brasília/DF:
Federação Espírita Brasileira, 2016.
SCHUTEL, Cairbar. Parábolas e Ensino
de Jesus. 28ª Edição. Matão/SP: Casa Editora O
Clarim, 2016.
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