Qualidades que
nos faltam
A expressão qualidades
que nos faltam
foi apresentada
por Kardec, no
texto Profissão
de fé espírita
raciocinada,
publicado no
livro Obras
póstumas, e
convida a uma
reflexão sobre o
estágio
intelecto-moral
em que nos
encontramos, e o
que nos compete
desenvolver
daqui para
diante.
O conceito de
evolução como
progresso,
desenvolvimento,
aprimoramento
intelecto-moral,
consiste no eixo
central do
pensamento
espírita e
difere do
conceito de
evolução das
Ciências
biológicas,
embora este
conceito seja,
igualmente, o
eixo central da
Biologia.
As Ciências da
vida reconhecem
a evolução como
mudança ou
transformação no
conjunto de
genes e nos
traços físicos
ou psíquicos de
um indivíduo,
mas nunca como
progresso. Essas
mudanças
permitem que o
indivíduo melhor
se adapte à sua
realidade, mas
sem um
indicativo de
que as coisas
estejam
avançando do
menos para o
mais ou do pior
para o melhor.
Esse pensamento
pode ser
entendido se
examinarmos
alguns fatos.
Primeiro, muitas
espécies se
adaptaram melhor
ao meio,
“perdendo”
características
que nos parecem
“nobres” ou
“complexas”,
como a visão.
Alguns peixes
que vivem em
águas profundas,
evoluíram
perdendo os
olhos! Isso foi,
para eles, muito
proveitoso, pois
muito lhes
custaria, em
termos
enérgicos,
manter um órgão
tão sofisticado,
como os olhos,
em uma região
onde não chega a
luz solar.
Segundo, como
pensar-se em
evolução como
progresso,
quando o destino
da Terra é o
aniquilamento
total. Tudo
indica que, em
alguns bilhões
de anos, a
energia gerada
pelo Sol vai
esgotar-se, e
toda a vida que
depende dele vai
se extinguir.
Essa extinção
será definitiva,
embora muitas
outras extinções
parciais já
tenham se dado
no passado.
Ao negar a
evolução como
progresso, a
Biologia
mostra-se
coerente com
seus postulados,
que examinam a
vida apenas em
seu contexto
material. A
proposta
espírita,
todavia, é muito
mais ampla. Ao
contemplar a
vida também em
seu aspecto
espiritual,
mostra que a
evolução
representa
progresso porque
contempla o princípio
inteligente –
uma consciência
não física - que
se elabora
paulatinamente,
saindo do
simples para o
complexo,
através de
experiências em
corpos cada vez
mais elaborados.
Desperta-nos a
curiosidade o
fato de Allan
Kardec se valer
do termo inteligência para
qualificar o ser
espiritual. Em
uma análise
superficial,
poderia nos
parecer
inadequada, ou
pelo menos
incompleta essa
qualificação,
afinal a
inteligência,
como
habitualmente a
entendemos é
apenas um dos
atributos do
Espírito, ao
lado de muitos
outros: a
afetividade, a
memória, a
vontade, as
inclinações etc.
Não seria mais
apropriado o
termo consciência e,
consequentemente,
a expressão princípio
consciencial?
Afinal,
consciência
apresenta-se
como um conceito
bem mais
expandido do que
inteligência. A
consciência
abarcaria, de
maneira melhor,
todos os
atributos do
Espírito,
incluindo a
inteligência.
Em verdade, ao
aplicar ao ser
espiritual o
qualitativo de princípio
inteligente,
Kardec se
antecipou em um
século e meio às
modernas
considerações da
Psicologia
cognitiva. Os
bons livros de
Psicologia têm
apresentado
algumas
definições de
inteligência que
vão ao encontro
de tudo aquilo
que
identificamos no
Espírito.
Vejamos algumas
dessas
definições.
a) A
inteligência é a capacidade
de aprender com
a experiência.
Observamos nesse
conceito o
próprio retrato
do Espírito: a
capacidade de
aprender pelas
experiências.
Qual o sentido
das existências
corpóreas,
patrocinadas
pela
reencarnação?
Viver
experiências
diferentes para
aprender.
Formigas
aprendem em
laboratórios a
achar caminhos
corretos em
labirintos
complicados,
abelhas aprendem
qual cor é
associada à água
adocicada em
pratos de cores
diferentes,
polvos aprendem
a coletar restos
para construir
casas,
chimpanzés
aprendem a
linguagem dos
sinais.
b) A
inteligência é a capacidade
de resolver
problemas.
Parece ser o que
nós mais
fazemos:
resolver
problemas. Foi
através de
problemas
resolvidos que
vencemos uma
infinidade de
dificuldades que
sempre
atormentaram o
homem, aliviando
a dor,
aumentando o bem
estar e
expandindo a
expectativa de
vida. Resolvendo
problemas
expandimos as
capacidades da
alma.
c) A
inteligência é a
habilidade de
adaptar-se ao
meio onde está
inserido.
A plasticidade e
a maleabilidade
são capacidades
determinantes do
Espírito, e
graças a elas
nos tornarmos a
espécie mais bem
sucedida do
planeta,
altamente
social, que
habita quase
todos os
ecossistemas da
terra.
d) A
inteligência é a habilidade
em criar coisas
uteis a sua
comunidade.
Foi por criar
coisas úteis à
comunidade que o
Espírito gerou a
cultura,
possibilitando o
aprimoramento da
criatividade
humana.
Portanto,
notável e
plenamente
justificável a
expressão princípio
inteligente,
que segundo
Kardec, conforme
se lê no artigo
previamente
citado, foi
gerado com três
marcas de
nascença: a simplicidade,
a ignorância e
a perfectibilidade:
a)
Simplicidade
Talvez, Kardec
tenha sofrido
certa influência
de Herbert
Spencer,
pensador inglês
de sua geração
que acreditava
que tudo no
universo evoluí
do simples para
o complexo.
Podemos
entender simples como
algo homogêneo,
constituído de
poucas partes,
que interagem
umas com as
outras sem
sofisticação,
sem muitas
possibilidades.
Diferente de
algo complexo,
ou seja,
heterogêneo,
formado de
muitos elementos
diferentes, que
podem interagir
entre si com
certa
sofisticação.
Uma comparação
grosseira: um
carrinho de mão
seria algo
simples, porque
relativamente
constituído de
poucas peças e
um automóvel
seria algo
complexo, pois
formado de mais
de dez mil peças
diferentes.
b) Ignorância
No pensamento
kardequiano,
ignorância evoca
a ideia de algo
sem história,
sem
conhecimento,
sem vivência
prévia, que está
começando.
c) Perfectibilidade
Jean Jaques
Rousseau,
pensador
genebrino do
século XVIII, se
valeu do termo perfectibilidade,
para
caracterizar a
faculdade humana
de
aperfeiçoamento
paulatino. Para
Rousseau, a
perfectibilidade
não deve ser
entendida como o
poder de se
tornar perfeito,
pois a perfeição
é exclusividade
de Deus, mas
como o poder de
se desenvolver
progressivamente.
Esse pensamento
está presente na
proposta
kardequiana: o
princípio
inteligente
“nasceu” com um
projeto inato
de ser mais,
com a aptidão
para tudo
adquirir e tudo
conhecer com o
tempo. Perfectível porque
dotado da
potencialidade
de expandir
progressivamente
as faculdades
intelectuais e
morais.
Voltando uma
última vez ao
texto Profissão
de fé espírita
raciocinada,
encontramos o
pensamento do
codificador:
O
aperfeiçoamento
do Espírito, é
fruto do seu
próprio esforço;
ele avança na
razão da sua boa
vontade em
adquirir as
qualidades que
lhe faltam.
Que qualidades
são essas - as
que nos faltam?
Penso que só o
próprio
indivíduo está
habilitado a
escrever a lista
pessoal das
qualidades que
lhe faltam. Só
ele mesmo, após
longo e metódico
exercício de
autorreflexão, é
capaz de
verificar o que
já conseguiu e o
que lhe falta
ainda adquirir.
Belo e
necessário
exercício esse;
cada um de nós
examinarmos
sinceramente as
qualidades que
nos faltam e
desenvolvermos
um programa, o
mais prático
possível, no
sentido de
desenvolvê-las.