Há 38 anos Yvonne Pereira regressava à
pátria espiritual
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Na última quarta-feira, dia 9, fez 38 anos que
ocorreu a desencarnação da médium e estudiosa
espírita Yvonne do Amaral Pereira. Nascida em 24 de |
dezembro de 1900 na pequena Vila de Santa Tereza
de Valença (hoje Rio das Flores), estado do Rio
de Janeiro, ela estava com 83 anos de idade.
Corria então o dia 9 de março de 1984. |
Primogênita do casal Manoel José Pereira Filho e
Elisabeth do Amaral Pereira, Yvonne teve cinco irmãos,
além de outro mais velho, filho do primeiro casamento de
sua mãe. Seu pai, pequeno comerciante, homem generoso de
coração e desprendido dos bens materiais, faliu por três
vezes por favorecer a clientela em prejuízo próprio.
Mais tarde tornou-se funcionário público, de cujos
modestos proventos viveu até sua desencarnação, ocorrida
no ano de 1935.
Fontes ligadas à família dizem que, com apenas 29 dias
de idade, após um acesso de tosse, sobreveio-lhe uma
sufocação que a deixou como morta, em estado de
catalepsia. Depois de seis horas nesse estado, a criança
foi dada como morta e o velório foi preparado. Sua mãe,
que não acreditava que a menina estivesse morta,
retirou-se para um aposento, onde orou fervorosamente a
Maria de Nazaré e, momentos depois, a criança acordou
aos prantos.
A infância
Yvonne viveu em lar pobre e modesto e aprendeu com os
pais a servir os mais necessitados, pois em sua casa
eram acolhidos com carinho pobres criaturas sem
recursos, inclusive mendigos.
A infância de Yvonne foi recheada de fenômenos
espíritas, como ela narrou no livro Recordações da
Mediunidade, em cuja Introdução, datada de 29 de
junho de 1966, a médium escreveu:
Disseram-nos os nossos Instrutores Espirituais há cerca
de seis meses, quando aguardávamos novas ordens para o
que ainda tentaríamos no ângulo da mediunidade
psicográfica:
“Narrarás o que a ti mesma sucedeu, como médium, desde o
teu nascimento. Nada mais será necessário. Serás
assistida pelos superiores do Além durante o decorrer
das exposições, que por eles serão selecionadas das tuas
recordações pessoais, e escreverás sob o influxo da
inspiração."
E por essa razão aí está o livro Recordações da
Mediunidade, porque estas páginas nada mais são que
pequeno punhado de recordações da nossa vida de médium e
de espírita.
Muito mais do que aqui fica poderia ser relatado.
Podemos mesmo dizer que nossa vida foi fértil em dores,
lágrimas e provações desde o berço. Tal como hoje nos
avaliamos, consideramo-nos testemunho vivo do valor do
Espiritismo na recuperação de uma alma para si mesma e
para Deus, porque sentimos que absolutamente não
teríamos vencido, nas lutas e nos testemunhos que a vida
exigia das nossas forças, se desde o berço não fôramos
acalentada pela proteção vigorosa da Revelação Celeste
denominada Espiritismo.
Aos quatro anos, ela já se comunicava com os Espíritos,
que ela imaginava que fossem pessoas normais,
encarnadas. Dois deles lhe eram particularmente caros:
Charles, que fora seu pai em sua penúltima existência e
a quem considerava como tal, devido a lembranças vivas
de uma encarnação anterior à atual, e Roberto de
Canalejas, que fora médico espanhol em meados do século
XIX e pelo qual ela nutria profundo afeto, decorrente de
ligações espirituais de longa data. Charles foi seu
orientador durante toda a sua vida, inclusive nas
atividades mediúnicas.
Quando adulta, ela manteve contatos mediúnicos regulares
com outras entidades evoluídas, como o Dr. Bezerra de
Menezes, Camilo Castelo Branco, Léon Denis e Frédéric
Chopin.
Afloramento da mediunidade
Aos oito anos, repetiu-se o fenômeno de catalepsia,
associado a um desprendimento parcial. O fato se deu à
noite e a visão que teve marcou-a para sempre.
Desprendida do corpo, ela se viu, em espírito, diante de
uma imagem do Senhor dos Passos, na igreja que
frequentava. Ela pedia socorro, pois sofria muito. A
imagem, como que adquirindo vida, disse-lhe: “Vem
comigo, minha filha; será o único recurso que terás para
suportar os sofrimentos que te esperam”. Ela aceitou a
mão que lhe era estendida, subiu os degraus e não se
lembrou de mais nada.
Infeliz em sua infância, Yvonne vivia acossada por uma
imensa saudade do ambiente familiar que tivera em uma
encarnação na Espanha e de que se lembrava com clareza.
Por causa disso, considerava seus familiares atuais,
principalmente seu pai e irmãos, como estranhos, visto
que, para ela, o pai verdadeiro era Charles e sua casa
era a da Espanha.
Esses sentimentos desencontrados, acrescidos do
afloramento das faculdades mediúnicas, faziam com que
tivesse comportamento considerado anormal por seus
familiares, motivo pelo qual até os dez anos passou a
maior parte do tempo na casa da avó paterna.
Aos oito anos, ela teve o primeiro contato com um livro
espírita. Aos 12, o pai deu-lhe de presente O
Evangelho segundo o Espiritismo e O Livro dos
Espíritos, obras que a acompanharam pelo resto da
vida, sendo sua leitura um bálsamo que a confortou nos
momentos difíceis. Aos 13 anos, começou a frequentar as
sessões práticas de Espiritismo, que muito a encantavam,
pois via os espíritos comunicantes.
No tocante aos estudos escolares, só pôde cursar o
primário, uma vez que, por motivos econômicos, foi
impedida de fazer outros cursos, o que representou para
ela uma grande frustração, pois amava o estudo e a boa
leitura, tanto que, aos 16 anos, já tinha lido obras de
grandes autores como Goethe, Bernardo Guimarães, José de
Alencar, Alexandre Herculano e Arthur Conan Doyle. Além
do mais, desde cedo precisou trabalhar para garantir o
seu próprio sustento.
Os labores mediúnicos
O fenômeno de catalepsia repetiu-se várias vezes,
tornando-se comum em sua vida a partir dos 16 anos. A
maior parte das reportagens de além-túmulo, dos
romances, das crônicas e contos escritos por ela foi
coletada no mundo espiritual através desse processo.
Suas faculdades mediúnicas foram, porém, diversificadas.
Médium psicógrafa e receitista, possuía também
mediunidade de efeitos físicos, chegando a realizar
algumas sessões de materialização, embora nunca sentisse
atração por essa modalidade mediúnica. Os trabalhos de
que mais gostava no campo da mediunidade eram os de
desdobramento, incorporação e receituário homeopático.
Nesta última atividade trabalhou em diversos centros
espíritas nas várias cidades em que morou durante seus
54 anos de labor mediúnico.
Como médium psicofônica, pôde atender obsessores,
obsidiados e suicidas, aos quais devotava um carinho
especial, sendo que muitos deles tornaram-se Espíritos
amigos. Costumava ler nos periódicos e jornais nomes de
suicidas e orava por eles constantemente, catalogando-os
num livro de preces criado por ela. Era o que fazia como
forma de reparação pelo que ela mesma fizera quando
cometeu suicídio por afogamento.
De acordo com o livro Leila, A Filha de Charles, do
espírito Arnold de Numiers, psicografado por Denise
Corrêa de Macedo, Yvonne chamara-se, em sua penúltima
reencarnação, Leila de Vilares Montalban Guzman, uma
jovem espanhola que acabou por suicidar-se no rio Tejo.
Charles era seu pai e Roberto de Canalejas, seu marido.
Como forma de reconhecimento, muitos dos Espíritos por
quem ela orava vinham agradecer-lhe as orações e
davam-lhe forte abraço, passeando com ela de braços
dados pelo casarão em que morava, sem que ela soubesse
distinguir se o visitante era encarnado ou desencarnado.
O legado doutrinário
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Yvonne deixou-nos vários livros de sua própria autoria e
cerca de 20 obras de origem mediúnica, entre as quais Memórias
de um Suicida, considerada por Chico Xavier a que
melhor retrata a |
profundeza do Umbral. Esse livro,
ditado pelo espírito Camilo Castelo Branco, que usou o
pseudônimo Camilo Cândido Botelho, foi recebido em 1926,
mas publicado somente 30 anos depois, em 1956, pela
Federação Espírita Brasileira (FEB). |
Dentre suas principais obras mediúnicas citam-se os
livros Nas Telas do Infinito, Amor e Ódio, Nas
Voragens do Pecado, O Drama da Bretanha, O
Cavaleiro de Numiers, Ressurreição e Vida,
Sublimação, Dramas da Obsessão, Devassando o Invisível e
Recordações da Mediunidade, tendo como autores
espirituais Bezerra de Menezes, Charles, Leon Tolstoi e
Roberto de Canalejas.
Foi esperantista convicta e trabalhou arduamente em sua
propaganda e difusão, através de correspondência que
mantinha com outros esperantistas, tanto no Brasil
quanto no exterior.
Yvonne A. Pereira serviu como médium de 1926 a 1980,
quando um acidente vascular cerebral impossibilitou-a
para a atividade mediúnica. Sempre humilde, terna e
vivaz, morava num casarão em Piedade, subúrbio do Rio de
Janeiro, em companhia de sua irmã casada, Amália Pereira
Lourenço, também espírita.
Na noite de 9 de março de 1984, vitimada por trombose,
desencarnou durante uma cirurgia a que se submetera no
Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro. Seu corpo foi
sepultado no Cemitério de Inhaúma. Tinha 83 anos e
mantivera-se solteira, cumprindo dignamente o mandato
mediúnico exercido com amor e total devotamento ao
semelhante.