Bendita reflexão
Conhecimentos e experiências, inteligências[1] e
sentimentos são alguns dos elementos que influenciam na
moldagem do pensamento. Além disso, se a casa mental
está higienizada, organizada e voltada para os objetivos
do bem, do belo e da verdade universal, também
influencia na qualidade das ideias. Já dispõe Emmanuel[2],
o pensamento como precedente à vida. Pensar de maneira
correta é uma condição essencial para que a existência
transcorra de modo desejado. Todavia, a correria do dia
a dia, as rotinas turbulentas, os compromissos diversos,
o peso da matéria nos faz muitas vezes não ter a
condição adequada para pensar e decidir de modo justo e
preciso.
De maneira similar, nos recorda Herbert Simon, prêmio
Nobel de Economia em 1978, que o ser humano apresenta
racionalidade limitada. Ou seja, o decisor não consegue
maximizar as decisões devido às restrições cognitivas,
de informação, tempo e comportamento. Por limitações
cognitivas pode-se dizer que o cérebro humano não é um
aparelho decisor perfeito, mas que foi sendo moldado ao
longo dos anos para se adaptar com aquilo que estava
disponível ao indivíduo[3].
Além disso, a pessoa não possui todas as informações
necessárias para a tomada de decisão perfeita. Há também
a limitação de tempo para decidir. Por fim, as condutas,
medos, receios, coragem para assumir riscos e outros
comportamentos podem limitar o indivíduo nas escolhas.
Então, a realização do pensamento e da decisão do
caminho da ação não depende apenas de se analisar
corretamente os dados e as informações. Mas, também, de
saber sintetizá-los em um contexto e averiguar as
consequências, de modo a alargar suas possibilidades.
Deste modo, surge a reflexão como uma legítima ponte que
beneficia o pensamento, a ação, a vida.
Refletir, na etimologia da palavra, representa ‘olhar
novamente’, uma dupla vista, ou ainda, de dobrar outra
vez. Por meio dela é possível aprofundar as vistas em
determinados assuntos e ver, perceber com profundidade e
compreender (Mateus 10:17). Através da reflexão se
ultrapassa os véus de ilusão de Maya ou da aparência dos
fenômenos para penetrar de modo justo em seu conteúdo.
Quem se precipita nos pensamentos e nas ações pode
acabar complicando ainda mais o problema e ser ‘extinto
por afobação’. O lado contrário é demorar demais e
perder o timing certo por causa da inércia.
Uma possível alternativa para a reflexão, em ser
competente para usá-la, é tornar o ato de refletir um
hábito, tal qual pregava o filósofo e matemático
Pitágoras no século VI a. C.. Para ele, todo final de
dia era consagrado para repassar pela sua consciência o
que havia feito de bom, aonde havia errado e o que
poderia melhorar. Uma reflexão simples, mas rotineira,
disciplinada. Por isso, o comentário de Emmanuel: “A
prece e a reflexão constituem o lubrificante sutil em
nossa máquina de experiências cotidianas[4]”.
Os filósofos estoicos buscavam também no ato de refletir
um modo de conexão com sua consciência e com o universo.
Famosos são os pensamentos do imperador romano Marco
Aurélio em suas anotações de campo, bem como as práticas
de Sêneca com a expressão latina Momento
mori[5].
Esta tinha a intenção de fazer com que o indivíduo não
se esquecesse da transitoriedade da vida e que era
preciso fazer o seu melhor aqui e agora. Em sentido
semelhante, há o destaque da vigilância e da efemeridade
nas observações do mestre Nazareno: “Olhai, vigiai e
orai, porque não sabeis quando chegará o tempo”. (Marcos
13:33).
A reflexão possibilita a averiguação dos pontos de
aprimoramento e também de vasculhar prováveis
consequências para as ações, tal como criação de
cenários mentais futuros. Quem reflete de modo honesto
sabe que as escolhas são livres, mas as consequências
não. Como bem expressou o apóstolo dos Gentios, Paulo de
Tarso: “Tudo é permitido, mas nem tudo convém. Tudo é
permitido, mas nem tudo edifica” (1 Coríntios 10:23).
Além disso, a reflexão possibilita alargar a consciência
e buscar áreas escondidas em um primeiro relance do
olhar. Não apenas no fenômeno em si, mas também no
próprio indivíduo. Quem consegue ter mais opções nas
escolhas e gerir até mesmo seus velhos hábitos dispõe de
estratégias pessoais diversas para o enfrentamento das
situações e problemas[6].
O que permite maior eficácia e desbastar, ainda que a
repetição e paciência sejam necessárias, as más
tendências e vícios passados. Nas advertências de Paulo
de Tarso: “Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o
mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo”
(Romanos 7:19).
Apenas quem reconhece suas fraquezas e consegue sair do
modo automático de responder na vida tem condições de
realizar este enfrentamento. Entretanto, a reflexão
sinaliza, mas apenas a vontade tem forças suficientes
para transgredir este vício para uma nova virtude[7].
É alteração das sombras pessoais para algo neutro ou,
até mesmo, positivo.
Enfim, a reflexão é o aprofundamento do pensamento que
permite desenvolver nossas habilidades mentais e
abstratas e a decidir com maiores probabilidades de
êxito. Cabe a cada um de nós fazer bom uso desta senda
para que os pensamentos desejados e a vida vivida possam
ser testemunhas do progresso do ser. [8]
[1] Howard
Gardner. Inteligências Múltiplas: A
Teoria na Prática. Porto Alegre: Ed. Penso,
1995.
[2] Emmanuel. Pensamento
e vida. Brasília: Ed. FEB, 2013.
[3] Gary
Marcus. Kludge: a construção
desorganizada da mente humana. Campinas: Ed.
Unicamp, 2010.
[4] Emmanuel. Fonte
Viva. Cap. 69, Firmeza e constância.
Brasília: Ed. FEB, 2007.
[5] “Lembre-se
que você é mortal”.
[6] Bandler,
R., Grinder, J. Sapos em Príncipes. São
Paulo: Summus, 1982.
[7] Emmanuel. Pensamento
e vida. Brasília: Ed. FEB, 2013.
[8] Em
homenagem aos meus queridos pais, Paulo Hayashi
e Ioko Ikefuti Hayashi, que já se encontram na
Pátria espiritual.