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por Paulo Hayashi Jr.

 

Bendita reflexão


Conhecimentos e experiências, inteligências[1] e sentimentos são alguns dos elementos que influenciam na moldagem do pensamento. Além disso, se a casa mental está higienizada, organizada e voltada para os objetivos do bem, do belo e da verdade universal, também influencia na qualidade das ideias. Já dispõe Emmanuel[2], o pensamento como precedente à vida. Pensar de maneira correta é uma condição essencial para que a existência transcorra de modo desejado. Todavia, a correria do dia a dia, as rotinas turbulentas, os compromissos diversos, o peso da matéria nos faz muitas vezes não ter a condição adequada para pensar e decidir de modo justo e preciso.

De maneira similar, nos recorda Herbert Simon, prêmio Nobel de Economia em 1978, que o ser humano apresenta racionalidade limitada. Ou seja, o decisor não consegue maximizar as decisões devido às restrições cognitivas, de informação, tempo e comportamento. Por limitações cognitivas pode-se dizer que o cérebro humano não é um aparelho decisor perfeito, mas que foi sendo moldado ao longo dos anos para se adaptar com aquilo que estava disponível ao indivíduo[3]. Além disso, a pessoa não possui todas as informações necessárias para a tomada de decisão perfeita. Há também a limitação de tempo para decidir. Por fim, as condutas, medos, receios, coragem para assumir riscos e outros comportamentos podem limitar o indivíduo nas escolhas.

Então, a realização do pensamento e da decisão do caminho da ação não depende apenas de se analisar corretamente os dados e as informações. Mas, também, de saber sintetizá-los em um contexto e averiguar as consequências, de modo a alargar suas possibilidades. Deste modo, surge a reflexão como uma legítima ponte que beneficia o pensamento, a ação, a vida.

Refletir, na etimologia da palavra, representa ‘olhar novamente’, uma dupla vista, ou ainda, de dobrar outra vez. Por meio dela é possível aprofundar as vistas em determinados assuntos e ver, perceber com profundidade e compreender (Mateus 10:17). Através da reflexão se ultrapassa os véus de ilusão de Maya ou da aparência dos fenômenos para penetrar de modo justo em seu conteúdo. Quem se precipita nos pensamentos e nas ações pode acabar complicando ainda mais o problema e ser ‘extinto por afobação’. O lado contrário é demorar demais e perder o timing certo por causa da inércia.

Uma possível alternativa para a reflexão, em ser competente para usá-la, é tornar o ato de refletir um hábito, tal qual pregava o filósofo e matemático Pitágoras no século VI a. C.. Para ele, todo final de dia era consagrado para repassar pela sua consciência o que havia feito de bom, aonde havia errado e o que poderia melhorar. Uma reflexão simples, mas rotineira, disciplinada. Por isso, o comentário de Emmanuel: “A prece e a reflexão constituem o lubrificante sutil em nossa máquina de experiências cotidianas[4]”.

Os filósofos estoicos buscavam também no ato de refletir um modo de conexão com sua consciência e com o universo. Famosos são os pensamentos do imperador romano Marco Aurélio em suas anotações de campo, bem como as práticas de Sêneca com a expressão latina Momento mori[5]. Esta tinha a intenção de fazer com que o indivíduo não se esquecesse da transitoriedade da vida e que era preciso fazer o seu melhor aqui e agora. Em sentido semelhante, há o destaque da vigilância e da efemeridade nas observações do mestre Nazareno: “Olhai, vigiai e orai, porque não sabeis quando chegará o tempo”. (Marcos 13:33).

A reflexão possibilita a averiguação dos pontos de aprimoramento e também de vasculhar prováveis consequências para as ações, tal como criação de cenários mentais futuros. Quem reflete de modo honesto sabe que as escolhas são livres, mas as consequências não. Como bem expressou o apóstolo dos Gentios, Paulo de Tarso: “Tudo é permitido, mas nem tudo convém. Tudo é permitido, mas nem tudo edifica” (1 Coríntios 10:23).

Além disso, a reflexão possibilita alargar a consciência e buscar áreas escondidas em um primeiro relance do olhar. Não apenas no fenômeno em si, mas também no próprio indivíduo. Quem consegue ter mais opções nas escolhas e gerir até mesmo seus velhos hábitos dispõe de estratégias pessoais diversas para o enfrentamento das situações e problemas[6]. O que permite maior eficácia e desbastar, ainda que a repetição e paciência sejam necessárias, as más tendências e vícios passados. Nas advertências de Paulo de Tarso: “Pois o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu continuo fazendo” (Romanos 7:19).

Apenas quem reconhece suas fraquezas e consegue sair do modo automático de responder na vida tem condições de realizar este enfrentamento. Entretanto, a reflexão sinaliza, mas apenas a vontade tem forças suficientes para transgredir este vício para uma nova virtude[7]. É alteração das sombras pessoais para algo neutro ou, até mesmo, positivo.

Enfim, a reflexão é o aprofundamento do pensamento que permite desenvolver nossas habilidades mentais e abstratas e a decidir com maiores probabilidades de êxito. Cabe a cada um de nós fazer bom uso desta senda para que os pensamentos desejados e a vida vivida possam ser testemunhas do progresso do ser. [8]

 


[1] Howard Gardner. Inteligências Múltiplas: A Teoria na Prática. Porto Alegre: Ed. Penso, 1995.

[2] Emmanuel. Pensamento e vida. Brasília: Ed. FEB, 2013.

[3] Gary Marcus. Kludge: a construção desorganizada da mente humana. Campinas: Ed. Unicamp, 2010.

[4] Emmanuel. Fonte Viva. Cap. 69, Firmeza e constância. Brasília: Ed. FEB, 2007.

[5] “Lembre-se que você é mortal”.

[6] Bandler, R., Grinder, J. Sapos em Príncipes. São Paulo: Summus, 1982.

[7] Emmanuel. Pensamento e vida. Brasília: Ed. FEB, 2013.

[8] Em homenagem aos meus queridos pais, Paulo Hayashi e Ioko Ikefuti Hayashi, que já se encontram na Pátria espiritual.


 

 

     
     

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