Nossos
vizinhos
Como bem esclareceu
Allan Kardec, n’O
Livro dos Espíritos (comentários
referentes à questão nº
271), “O Espírito
só gradativamente avança
[...]”. Sendo essa uma
verdade inconteste,
portanto, “[...] Não lhe
é dado transpor de um
salto a distância que da
civilização separa a
barbárie e é esta uma
das razões que nos
mostram ser necessária a
reencarnação, que
verdadeiramente
corresponde à Justiça de
Deus”. Vemos tal
discrepância, aliás, em
todos os setores da vida
humana onde normalmente
habitam criaturas dos
mais diferentes graus de
progresso evolutivo. Uns
comportam-se como
verdadeiros cidadãos
universais, dada a sua
maturidade, enquanto
outros assemelham-se a
verdadeiros trogloditas,
dado o seu comportamento
animalesco ou errático.
As imagens da guerra da
Ucrânia, por exemplo, de
cidadãos mortos, cujos
corpos revelaram claros
sinais de tortura e
falta de piedade, nos
dão uma ideia dos traços
de barbárie fortemente
presentes (ainda) no
coração do invasor
russo. Relatos e
evidências abundam sobre
o abuso das forças
militares russas à
população indefesa. Com
efeito, não é por outra
razão que muitos deles
(inclusive o seu líder,
Vladimir Putin) deverão
enfrentar, no devido
tempo, os tribunais de
justiça internacionais.
Ou seja, em pleno
terceiro milênio da era
cristã ainda se assiste
a crimes horrendos de
guerra, que mostram
inequivocamente todo o
atraso moral da raça
humana. Em suma, vivemos
numa civilização que
progride muito em termos
tecnológicos, mas
permanece estacionada na
dimensão ético-moral.
Kardec aprofundou sua
investigação nesse
particular, como revela
a questão nº 793 da
citada obra:
“Por que indícios se
pode reconhecer uma
civilização completa?
“Reconhecê-la-eis pelo
desenvolvimento moral.
Credes que estais muito
adiantados, porque
tendes feito grandes
descobertas e obtido
maravilhosas invenções;
porque vos alojais e
vestis melhor do que os
selvagens. Todavia,
não tereis
verdadeiramente o
direito de dizer-vos
civilizados, senão
quando de vossa
sociedade houverdes
banido os vícios que a
desonram e quando
viverdes como irmãos, da
lei do progresso
praticando a caridade
cristã. Até então,
sereis apenas povos
esclarecidos, que
hão percorrido a
primeira fase da
civilização” (ênfase
minha).
Posto isto, podemos
afirmar, sem exagero,
que estamos muito longe
de vivermos nesse mundo
como verdadeiros irmãos.
Até mesmo nas relações
comezinhas do dia a dia
nota-se tal dificuldade
de entendimento e,
sobretudo, prática. Para
ilustrar o meu
raciocínio lembro o fato
de que vivemos cada vez
mais em espaços
horizontalizados,
particularmente nas
grandes cidades. Sendo
assim, temos, então, a
realidade de que morar
em edifícios nos coloca
diante de grandes
desafios à convivência
pacífica, já que nesses
locais compartilham-se,
forçosamente, espaços
comuns. Dito de outra
maneira, viver em
prédios é muito
diferente de viver em
uma casa própria onde,
via de regra,
estabelecemos e
definimos o que nos
convém quase de forma
absoluta.
Mais ainda, morar em
prédios nos coloca na
situação de ter, não
raro, vizinhos que
deliberadamente
desrespeitam os seus
limites e invadem os dos
outros tornando a vida
mais áspera. Ou seja,
pessoas que não ligam
para as boas regras de
convivência e agem de
maneira incivilizada.
Embora existam regras e
normas para coibir os
excessos, eles ainda
estão por aí a nos
atazanar. No entanto,
também nós necessitamos
ficar atentos à maneira
como nos comportamos.
Nesse sentido, cabe
indagar se, de fato, nos
ajustamos ao perfil de
seres civilizados
capazes de conviver com
outros de forma
harmoniosa e
construtiva. Afinal,
viver em sociedade
pressupõe deveres e
responsabilidades muito
bem explicitados.
A propósito, uma das
lições mais marcantes
que recebi em minha vida
de estudante foi na
adolescência com a
Profa. Dona Mercedes,
que lecionava a
disciplina de Educação
Moral e Cívica. Com
muito acerto, ela
ensinava: “Nossa
liberdade termina quando
começa a dos outros”.
Nunca esqueci daquela
sábia lição. Ela ajudou,
aliás, a moldar o meu
caráter ao longo da
vida. Através dela
entendi a relevância de
considerar a perspectiva
do outro (alteridade, se
quiserem) em minhas
deliberações.
Posto isto, na condição
de vizinhos de outras
pessoas podemos e
devemos ajustar nossa
conduta, de modo a não
extrapolarmos em nossa
liberdade. Via de regra,
em nossas interações
sociais esperamos
respeito, mas também nos
cabe praticar tal
virtude, ou seja,
vivenciá-la plenamente
em nossos contatos e
conexões. Assim sendo,
verifiquemos como nos
conduzimos nessa
importante dimensão, e
se não há motivos para
outros se queixarem de
nós.
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