O
fenômeno da aporofobia
e o trabalho
Cresce nas grandes
cidades brasileiras o
fenômeno da aporofobia,
neologismo que designa
basicamente rejeição aos
pobres. Tal fenômeno,
que foi
significativamente
exacerbado com o
aparecimento da Covid-19
pelo menos em nosso
país, tomou corpo com o
fechamento de empresas e
empreendimentos
comerciais e, por
extensão, vagas de
trabalho. Vale lembrar
que muitas pessoas
ficaram sem renda de uma
hora para outra e,
assim, se viram
obrigadas a morar nas
ruas aumentando
substancialmente o
número dos deserdados
sociais.
Dados de 2021 relativos
à cidade de São Paulo
indicavam existir mais
de 31.884 pessoas nessa
condição, ou seja, um
crescimento de mais de
31% em comparação à
2019. É importante
destacar que a epidemia
só fez agravar a
situação de miséria
nesta nação onde o
egoísmo, infelizmente,
ainda prevalece. Aliás,
cumpre ressaltar que o
Brasil tem
sistematicamente se
notabilizado pelos
motivos errados, a
saber: alta inflação e
desemprego, crescente
endividamento das
famílias, extrema
violência urbana,
corrupção em larga
escala, desmandos de
toda sorte e desrespeito
às questões ambientais,
entre outros
descalabros. Em suma, a
nação não avança.
Mas, se não bastasse o
lamentável quadro de
penúria (lembro que 33,1
milhões de pessoas estão
passando fome no país),
tem-se, ainda, a ojeriza
de parte da população
aos menos favorecidos
(ver, a propósito, o
vídeo: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/sp2/video/moradores-de-rua-relatam-aporofobia-nas-ruas-da-capital-paulista-10627090.ghtml).
No plano prático,
inúmeras ações são
tomadas pelos
administradores dos
edifícios e gestores
públicos para dificultar
ainda mais a expiação de
quem vive nas ruas. Como
esclarece a reportagem
acima, até mesmo uma
marquise de um prédio ou
bancos de praças têm
sido negados como local
de repouso aos nossos
irmãos mais desprovidos
da sorte. Com efeito, a
sociedade mais
favorecida em termos
econômicos tem
conscientemente negado o
amparo e a caridade
àqueles nossos irmãos
duramente atingidos
pelos reveses da vida.
O Brasil, que um dia foi
celebrado por ter um
povo amistoso e
solidário, mostra agora
uma faceta cruel e
egoísta. A propósito,
atualmente discute-se
tanto a respeito dos
programas de
transferência de renda
(que, na essência, visam
a obtenção de votos em
tempos de eleição), mas
a miséria - que só faz
aumentar - continua
sendo um tema de somenos
importância. Já não se
trata mais apenas de
lidar com os pobres –
cujo contingente avança
consideravelmente -, mas
de assisti-los
dignamente. Como bem
pondera o Espírito
Lancellin, no livro Cirurgia
Moral (psicografia
de João Nunes Maia):
“Nós todos precisamos
uns dos outros na
sequência da própria
vida. [...] O patrão que
se esquece dos seus
empregados perde seus
tesouros. Uma nação que
não cuida dos seus
filhos, passa a pedir
auxílio às outras que
cumprem o dever para com
aqueles que trabalham. O
nosso próximo é a nossa
primeira meta de vida.”
Posto isto, muito mais
inteligente seria
desenvolver uma
sociedade através da
qualificação e amparo
dos seus cidadãos para
que possam algo
retribuir ao Estado, do
que abandoná-los
completamente. No
entanto, não tem sido
assim, infelizmente, em
nossas plagas,
esgarçando cada vez mais
nossas profundas mazelas
coletivas. É verdade que
a miséria, de modo
geral, tem se espalhado
por praticamente todos
os quadrantes do
planeta. Mas há
diferenças consideráveis
na maneira como ela é
enfocada pelas nações.
Ou seja, enquanto
algumas atuam de maneira
proativa, outras agem a
reboque dos
acontecimentos,
assumindo apenas uma
postura reativa. Esse
cenário degradante, cabe
lembrar, tem muito a ver
com a forma negligente
que a questão do
trabalho tem sido
tratada pelas
organizações humanas e
órgãos mundiais da
esfera do trabalho.
A OCDE, por exemplo,
estima que 1,1 bilhão de
postos de trabalho
deverão ser radicalmente
afetados na próxima
década por causa das
mudanças tecnológicas.
Em outras palavras, um
contingente enorme de
pessoas provavelmente
perderá o seu ganha-pão,
já que menos de 0,5% do
PIB global é investido
em programas de educação
continuada (lifelong
learning). Nesse
sentido, um relatório
sobre o futuro do
trabalho recentemente
publicado pela revista
Veja apontava que: “As
mudanças tecnológicas, a
pandemia de Covid-19 e a
transição para as
economias limpas e
livres de carbono
implicam em um grande
risco para o meio de
vida de muitas pessoas.
[...]. Com isso, é
urgente o investimento
em capital humano para
criar um mundo mais
justo ao garantir que as
pessoas tenham a chance
de alcançar seu
potencial e evoluir
profissionalmente”.
Portanto, investir no
capital humano é não
apenas uma necessidade
econômica imperiosa, mas
igualmente espiritual.
Cabe lembrar que a lei
do trabalho é uma
das leis morais
divisadas por Allan
Kardec com a ajuda dos
seus mentores
espirituais. A
propósito, na questão
621 d’O Livro dos
Espíritos somos
informados que a “Lei de
Deus” está exarada em
nossa consciência.
Deduz-se, assim, que lá
dormita os caminhos
(retos e justos) a serem
seguidos pela
humanidade, assim como
em suas deliberações.
Desse modo, é inequívoco
que sabemos o que deve
ou não ser feito,
especialmente nesse
particular tão crítico à
vida humana. Sendo o
trabalho também uma
questão de natureza
transcendente, ele serve
a propósitos superiores
delineados pelo Criador
às suas criaturas (nós).
A resposta dada à
questão 676 da referida
obra não deixa nenhuma
dúvida a respeito:
“[...] Sem o
trabalho, o homem
permaneceria sempre na
infância, quanto à
inteligência. Por isso é
que seu alimento, sua
segurança e seu
bem-estar dependem do
seu trabalho e da sua
atividade [...] (ênfase
minha)”.
Pelo exercício do
trabalho, enfim, a
criatura humana deve (1)
encontrar significado e
realização em suas
habilidades inatas, (2)
suprir as suas
necessidades básicas,
além de prosperar, e (3)
contribuir para algo
maior. Assim sendo, tal
lei moral revela enorme
importância para o
equilíbrio geral haja
vista o seu caráter
humanitário. Desse modo,
cabem aos governos do
mundo identificados com
os valores cristãos, o
dever e a
responsabilidade de
eliminar tal aberração,
que avilta a nossa
civilização.
Primeiramente, assim
creio, provendo
condições decentes para
que o desventurado se
reerga.
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