A
decrepitude
política como
forma de poder:
há esperança!
Por diversas vezes um pensamento doutrinário divergente
do corrente – em que os luzeiros de luzes emprestadas se
sentem incomodados, causa espécie e antes que o leitor
avance, diria tratar-se o presente artigo de uma
reflexão política, apartidária e que talvez o resultado
incomode mais do que lhe é de costume, caso seja um
leitor visceral. Por ser um terreno árido, tratado com
paixão e pouca racionalidade, busca-se com as reflexões
abaixo um entendimento do que está em jogo, respeitando
profundamente as reflexões contrárias e as
predisposições políticas de cada um.
Para avançarmos, no entanto, cabe deixar claro que as
ideias expostas são pessoais, ainda que pautadas no
pensamento daqueles que nos antecederam no âmbito
doutrinário e fora da doutrina.
Ainda no esclarecimento, o que menos se busca no artigo
é o rótulo ou a definição perfeita, intransigente e, por
isso, inquestionável. Pelo contrário: é uma reflexão
simples, em tema complexo, sem pretensão de esgotar o
assunto e que pode ser utilizada para o desenvolvimento
mais amadurecido do tema.
Como ponto de partida,
Arthur Conan Doyle, na obra A Nova Revelação,
segundo Freitas Nobre (já que na tradução da Federação
Espírita Brasileira, em sua 7ª edição, “revista e
atualizada” não se encontrou a expressão ipsis
litteris, pode ser por causa da tradução...), afirma
que “o homem é
livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com
as leis universais. Para reinar a ordem social, o
Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se
as mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo
idealista.”
Por socialismo idealista
é possível compreender, no pensamento de Léon Denis, a
profundidade da proposta em que se vincula o
Espiritismo: “Socialismo
e Espiritismo estão unidos por laços estreitos, visto
que um oferece ao outro o que lhe falta a mais, isto é,
o elemento de sabedoria, de justiça, de
ponderação, as altas verdades e o nobre ideal sem o qual
corre ele o risco de permanecer impotente ou de
mergulhar na escuridão da anarquia. (...) o Socialismo
poderá tornar-se uma das alavancas que levará a
humanidade para destinos melhores.”
O que o Espiritismo, assim como Cristianismo do Cristo,
preconiza, é a construção de uma sociedade mais justa.
Para que essa sociedade seja justa, há necessidade de se
construir bases sociais que permitam ao ser humano um
mínimo de dignidade para sobreviver, acima da condição
de miséria absoluta como se vê em partes cada vez
maiores do território brasileiro e em outros países
(desenvolvidos ou subdesenvolvidos).
A justiça social não exime o indivíduo de seus
compromissos reencarnatórios, no entanto, seria o
direcionamento mais adequado para aquelas lideranças que
estão em harmonia com as leis universais, em franco
combate ao egoísmo, produzindo riquezas,
desenvolvendo a sociedade e permitindo que outros tenham
acesso ao seu próprio desenvolvimento por meio de
trabalho digno para sustento próprio e da família.
Essa justiça social é fruto da mentalidade espírita.
Segundo Deolindo Amorim, a mentalidade espírita é aquela
obtida por quem estuda e compreende a doutrina,
aceitando de forma consciente os princípios e as
responsabilidades dela decorrentes. A mentalidade
espírita não é a de quem acredita pura e simplesmente em
algo que incentiva e valoriza o egoísmo, sobretudo
quando favorece a si mesmo. “Conhece-se o verdadeiro
espírita por sua transformação moral...”, já dizia
Allan Kardec. Ora, compreender o cenário político atual
deveria ser um exercício de mentalidade espírita a
depositar nas urnas da próxima eleição, seu poder de
transformar aquilo que não é mais possível aceitar sem
um mínimo de comiseração.
Todavia, a despeito das campanhas de fake news,
na hora de votar os argumentos são os mais estapafúrdios
possíveis: “meu voto é contra a corrupção”. Neste caso,
entenda-se, “meu voto é contra a corrupção do outro, já
que do meu candidato eu aceito”. No final voltaremos a
essa celeuma.
Antes, porém, cabe explorar um pouco mais os males
vigentes na sociedade e que o cidadão comum, com poder
de voto, é capaz de ajudar a mudar.
Albert Einstein, uma das mentes mais brilhantes que já
passaram pela Terra, disse que o “egoísmo e
a concorrência continuam infelizmente mais poderosos do
que o interesse de todos ou que o senso de dever”.
A cooperação é, talvez, um caminho mais justo e que
apresente maiores oportunidades sem perda para os
talentos individuais, com produções específicas em
ritmos diferentes. Portanto, combater o egoísmo não é
apenas uma ação do Espiritismo, é algo percebido por
mentes mais preparadas, educadas e que analisam em mais
profundidade os problemas humanos.
Embora o assunto seja repleto de variáveis que
influenciam a tomada de decisão na hora da escolha de um
candidato, como bem disse Einstein, pensando no
“interesse de todos”, não há sombra de dúvidas de que a
prática do Espiritismo pode ser uma alavanca que
impulsionará para o Socialismo ideal.
Para criticar ou defender o Socialismo, utilizam-se de
autores materialistas, como Karl Marx, evidenciando a
vida do autor de O Capital, que desencarnou na
miséria, como se a miséria material caracterizasse sua
condição espiritual. Novamente há necessidade de pensar
o tópico com uma mentalidade espírita, que
compreende os desafios de uma reencarnação como sendo
necessários para expiar ou até mesmo para provar seus
valores e conquistas de outras vidas. Uma ideia que
confronta o sistema vigente tende a fracassar, se
analisada apenas sob o ponto de vista material,
presente. Por isso a necessidade de maturidade na
compreensão dos desígnios superiores de um processo
reencarnatório, visando o bem de todos em um horizonte
ao longo do tempo.
“Somente o progresso moral pode assegurar aos
homens a felicidade na Terra, refreando as paixões más;
somente esse progresso pode fazer que entre os homens
reinem a concórdia, a paz, a fraternidade. (...) O
Espiritismo não cria a renovação social; a madureza
da Humanidade é que fará dessa renovação uma
necessidade.”, disse Kardec em A Gênese. A
dificuldade material por que passa um indivíduo na vida
presente pode ter como causa os abusos de vidas
passadas, cometidos por maldade e também por ignorância.
O processo é educativo e não punitivo como fazem crer.
Se assim não fosse, Chico Xavier teria sido um profundo
devedor porque viveu uma encarnação inteira com o suor
do seu trabalho, com o dinheiro contado, sem recursos
excedentes. Gabriel Delanne, nascido em berço espírita,
engenheiro de profissão, com um futuro brilhante pela
frente, ouviu de um Espírito Superior que não seria
rico, mas que teria o necessário e foi o suficiente para
legar-nos obras lúcidas e importantes.
O professor Celso Martins, escritor consagrado no meio
espírita, com mais de 100 obras escritas e organizadas,
encontra-se, desde 2016, após o desencarne de sua
companheira por mais de 40 anos, ocupando aposentos
modestos em uma Clínica de Repouso (apelo
fraterno).(1) Dono
de um currículo extenso e obras dignas, sua condição
financeira não define sua envergadura espiritual. O
espírita deveria ter vergonha em pensar que as
conquistas materiais onde predomina o egoísmo, os
títulos transitórios e a condição social também
transitória, definem a evolução espiritual do
reencarnado. Os exemplos se arrastam aos montes.
O Socialismo ideal, como processo progressivo,
inicia com os recursos que se tem na atualidade. No
prefácio brilhante de Freitas Nobre, na obra de Leon
Denis (Socialismo e Espiritismo), faz citação a um
discurso de Jean Leon Jaurés, político socialista
francês, defensor de uma revolução social democrática
e não violenta, que vale a pena reproduzir: “Coragem
é ir ao ideal e compreender o real... É
procurar a verdade e dizê-la; é não seguir a lei
da mentira triunfante, e não fazer da nossa alma, da
nossa boca e das nossas mãos, eco dos aplausos imbecis e
dos gritos fanáticos.”
Assim, voltamos ao ponto do combate a corrupção que
deixamos em aberto. O combate do espírita é ao egoísmo,
ainda que, e principalmente por isso, vivamos em um
planeta de provas e expiações. O combate do espírita é
pela democracia e não violência. O combate
do espírita é a favor da lucidez e do
esclarecimento, ainda que essa prática fira os
interesses pessoais (egoístas). Há, nos dizeres de
Manuel Castells, uma crise de “legitimidade política”.
Aqueles que são os representantes do povo, não
representam os valores preconizados pelo Espiritismo e
nem do Cristianismo do Cristo (não é redundante: é
proposital. Cristianismo das religiões e o cristianismo
usado pelos políticos é diferente do Cristianismo do
Cristo).
A maneira, portanto, mais adequada de mudar esse cenário
(legitimidade política) é pelo voto consciente.
Vote, exerça sua cidadania, e analise, com lucidez, as
propostas que mais se aproximam ou ainda que mais
permitem seja desenvolvido uma sociedade justa,
que combata o egoísmo cada vez mais poderoso, com
conquistas sociais relevantes na Educação, Arte,
Ciências, terrenos tratados como não prioridade em
governos liberais, que estimulam o ajuntamento material
egoísta, o abismo social, a desigualdade, a ausência de
projetos que pensem nos problemas do todo social. E,
talvez, o mais importante, continue vigilante durante a
gestão, acompanhando, participando, de forma não
violenta, do cumprimento dos projetos apresentados na
campanha. Desta forma, auxilia-se na oxigenação do
sistema carbonizado pelo egoísmo.
Ainda assim, se você não se convenceu de que esse seja o
caminho, faça um favor à democracia, não diga que seu
voto é em combate a corrupção, porque se fosse, você não
estaria satisfeito com a corrupção em um governo que
você ajudou a eleger. É tempo de mudar. Comece a mudança
por aí: entendendo seu voto. Há esperança!
(1) Cinco
anos após sua internação em uma Clínica de Repouso,
nosso saudoso colega Celso Martins desencarnou no dia 2
de agosto de 2021, em Niterói-RJ. (Nota da Redação)