Educação e os
limites pessoais
Em língua portuguesa, a palavra educação é dúbia e
apresenta duplo sentido. A educação como escolaridade e
também como polidez pessoal. O presente texto foca no
último sentido. O que representa o aspecto do caráter do
indivíduo, seu jeito de ser, hábitos e peculiaridades
que o tornam apto a responder com maior ou menor
presteza e facilidade aos chamamentos da vida. É a
responsabilidade pessoal sobre seu livre arbítrio e a
capacidade de suportar o peso das decisões, escolhas e
consequências, as quais, como legítima “bola de neve”,
fazem o indivíduo adentrar em ciclos virtuosos ou
viciosos, conforme as escolhas feitas.
A educação que reflete o reino interior e a capacidade
de organizar os pensamentos e seus recursos cognitivos,
de inteligências[1] e
criatividade não amadurece do dia para a noite. Ela
exige repetição, reflexão e tempo para que se consolide
como verdadeiro patrimônio atemporal. É essencial que o
ciclo se repita para que as lições fiquem impregnadas
por todo o infinito no ser. Além disso, para
Aristóteles: “Nós somos o que fazemos repetidamente, a
excelência não é um feito, e sim, um hábito”.
Todavia, a educação não é apenas um exercício de
polimento, tal como a capacidade da matéria de refletir
a luz como autêntico espelho. Mas, também de expandir as
áreas de conhecimentos e de possibilidades do ser
brilhar a própria luz. A expansão ocorre pela fé do
indivíduo e em seus recursos, bem como de saber de modo
consciente o que se sabe e o que não se sabe. É o poder
da consciência e reflexão sobre os conhecimentos
adquiridos e os não adquiridos.
A famosa frase “Conhece-te a ti mesmo”, máxima
sapiencial de tempos imemoriais da humanidade, presente
tanto na Grécia de Sócrates, Platão e Aristóteles,
quanto nas pirâmides do antigo Egito e outras
civilizações representa ponto ímpar para o progresso na
jornada de aprendizagens. Conhecer não apenas o que se
sabe, mas também o que não se sabe o que se sabe. É o
descortinar das viseiras pessoais que nublam o passado,
a memória longínqua, o inconsciente, o pretérito muitas
vezes não tão brilhante para que se possa aos poucos
saldar as contas do destino. Reconhecer os erros e
ilusões e avançar sobre as mazelas fazem parte da agenda
pessoal de desenvolvimento. Neste sentido, é essencial
que o avanço não se limite sobre o lado luminoso do ser,
mas também em suas sombras e imperfeições. A
integralidade pede passagem e desafia o discípulo à
revisitação das lições menos primorosas.
Além disso, o avanço do conhecimento também se faz sobre
aquilo que não se sabe. É a expansão de modo inequívoco
na aprendizagem e conjunto de competências do ser. Na
observação valiosa descrita pelo espírito de Isabel de
França: “Ignorais que há muitas ações que são crimes aos
olhos do Deus de pureza e que o mundo nem sequer como
faltas leves considera?[2]”.
Quem adquire novos conhecimentos, experiências primeiras
que expandem tanto o lado material quanto cognitivo,
valoriza-se por meio de tornar as escolhas ricas em
opções de respostas e de resultados. Para auxiliar na
questão, o Quadro I expressa algumas possibilidades de
conhecimentos adquiridos e que se tem consciência ou
não.
Quadro I - Quadrantes do conhecimento
|
Conhecido |
Desconhecido |
Conhecimentos adquiridos |
O que se sabe que sabe |
O que não sabe que sabe |
Conhecimentos não adquiridos |
O que se sabe que não sabe |
O que não sabe que não sabe |
Fonte: elaboração própria
Todavia, até que ponto o indivíduo consegue por si mesmo
expandir seus conhecimentos e limites de modo solitário?
A resposta dada por Santo Agostinho na complementação da
pergunta 919 de “O Livro dos Espíritos” ajuda a elucidar
a questão. É possível perceber dois aspectos distintos
na resposta.
Primeiro. Por meio da análise e da reflexão das
atividades diárias, de passar na consciência o que se
fez de bem ou de mal auxilia no avanço e consolidação da
melhoria pessoal. É auditar os próprios atos de modo a
corrigir os passos, caso necessário, pela mudança de
direção, velocidade ou até mesmo, trabalhando para que
não se perca o passo ritmado.
Segundo. Orando e pedindo a orientação e ajuda a Deus e
ao seu anjo protetor. Ou seja, o indivíduo, alinhado com
a espiritualidade superior, consegue ser assistido em
seu processo de trabalho e aprendizagem. Algo parecido
pode ser dito em relação a Sócrates e ao seu espírito
guardião. O filósofo ateniense era conhecido por
conversar com o seu guia espiritual, o seu daemon. Daemon significa
espírito ou divindade, mas seu sentido atual é
distorcido e representa apenas o lado negativo. Estar
alinhado e em cooperação com o anjo protetor facilita o
descortinar de conhecimentos, os quais poderiam estar
inacessíveis ao indivíduo sem amparo. Neste ponto, é
imprescindível a recomendação da conquista do patrimônio
moral para facilitar a afinidade e a interação com seu
guia espiritual.
Valores pessoais tais como honestidade, humildade,
integridade, desinteresse podem servir como referência
neste patrimônio. O que permite a aproximação e
influência de espíritos superiores. Neste caso, a
dificuldade do ser humano é de se desapegar do egoísmo,
da vaidade, do orgulho em saber pedir e pedir de modo
apropriado a ajuda sublime.
Para ser uma pessoa de bem é essencial se despir das
facilidades ou das falsas premissas para o trabalho
disciplinado e a ação educativa. O que permite a
emancipação do indivíduo em termos de liberdade,
responsabilidade, resultados. Todavia, jamais se abre
mão do bom senso e da fé raciocinada[3].
O futuro certo é aquele do indivíduo que conhece e
trabalha de modo consciente e produtivo para realizar no
presente as tarefas que darão testemunho de sua passagem
pela terra. O vencer na vida não é medido por réguas
materiais, mas por meio das luzes adquiridas através da
educação e da liderança de si, que permite ao indivíduo
se alargar na potência infinita do ser. Se o universo é
gigantesco, somos luz e sal[4] que
busca oficializar a nossa transição de simples matéria
para vibração superior. A educação é a passagem. Cabe a
cada um realizar sua viagem de modo inequívoco e com
vistas ao engrandecimento geral de todos[5].
[1] Gardner,
H. Inteligências Múltiplas: a teoria na
prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
[2]
Allan Kardec. O Evangelho segundo o
Espiritismo. Caridade para com os
criminosos. Capítulo XI, Item 14.
[3] O
Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan Kardec –
capítulo 19.
[5] Em
homenagem aos meus queridos e zelosos genitores,
Paulo Hayashi e Ioko Ikefuti Hayashi, que já se
encontram na pátria espiritual.