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por Marcus Vinicius de Azevedo Braga

 

Tô pagando! 


Caetano foi visitar uma cidade histórica e ao adentrar as igrejas antigas, para conhecer seus detalhes arquitetônicos, percebeu que em algumas janelas de madeira e atrás de alguns bancos estavam gravadas datas e nomes de famílias. Curioso, pergunta ao guia turístico sobre aquele fato e recebe a explicação de que a família que doava recursos para a construção da igreja tinha direito a gravar o seu nome nos móveis que custearam, para deixar claro a toda a comunidade a sua doação.

Essa questão, enterrada lá no Brasil colônia do passado, tem reflexos até hoje, e não somente nos irmãos católicos, mas também no contexto das casas espíritas, e os dilemas do financiamento de sua subsistência. Sim, nossos prédios, sua manutenção e atividades, geram custos de insumos, energia, alimentos, material de expediente, funcionários para a limpeza, e que demandam fundos para serem honrados.

Muitas fórmulas se apresentam na prática para arrecadar fundos para se manter as casas espíritas, e tradicionalmente se organizam almoços, bazares, venda de livros doutrinários, peças teatrais, shows de música e a cobrança de mensalidades dos associados, evitando-se, por conta de uma ética que tem se mostrado salutar, a cobrança direta relacionada a uma atividade, rateando esses custos entre todos, independente do que se frequenta ou não.

Não resta dúvida que na prática essa engenharia financeira, um tanto precária, por vezes não dá certo, e termina por surgirem na casa pessoas que, pela sua trajetória nesta encarnação, têm uma melhor situação econômica e podem doar mais, assumindo uma condição de patronesse das atividades da casa, contribuindo de maneira mais acentuada para o financiamento das atividades.

Muitos desses são discretos, auxiliadores anônimos, mas alguns, como um reflexo da nossa sociedade, começam a se achar mais do que os outros, suplantando a estrutura estabelecida para a casa pelo simples fato de estarem subsidiando de forma mais acentuada aquelas atividades. A dependência daquele aporte faz a casa, seus dirigentes, se calarem diante dessas situações, pela continuidade das atividades.

Aí, já vimos esse filme... Ascende o autoritarismo frente a gestão participativa, e o financiador vai se tornando dono da casa, e aspectos acessórios da infraestrutura vão ocupando espaço nas discussões das atividades, e se cria uma estrutura de poder paralela, na qual se valoriza mais investimento para se fazer o que as vezes não é importante, em termos doutrinários.

Com as devidas adequações dessa situação narrada as realidades observadas, essa trajetória que ocorre em diversas casas espiritas é a mistura de uma fragilidade no processo de financiamento das atividades atrelado a um desejo de se expandir mais do que se pode financiar, dependendo do apoio de frequentadores mais aquinhoados, mas que não necessariamente estão envolvidos e comprometidos com os ideais da casa.

Assunto árido, mas necessário, desemboca também nas questões éticas no financiamento de nossas atividades, que pode trazer conflitos de interesses e dissabores a atividade espírita, como o exemplo aqui detalhado do patronesse, mas pode se destacar também outros equívocos, como a busca de recursos públicos que podem atrelar as atividades da casa a agenda político-partidária, ou ainda, a obtenção de recursos pela exploração de atividades ou espaços da casa espírita com um espírito diverso dos fundamentos da doutrina.

Como dito no início do texto, as casas espíritas precisam financiar as suas atividades, de maneira sustentável, transparente e com provisões para as incertezas. Tudo isso se torna complexo em um país tão desigual, com bolsões de pobreza, e ainda, em casas que conduzem as suas atividades com voluntários, em tempos de uma vida tão atribulada.

E a questão se complica quando falamos das atividades assistenciais, uma agenda clássica em nosso movimento, mas que demanda recursos, pois as doações são sempre insuficientes para atender as famílias assistidas e sempre entra orçamento da casa para essas coisas. E haja almoço fraterno, campanha, e tudo isso em um cenário no qual os próprios frequentadores tem dificuldades de fechar as suas contas, pelas crises econômicas que surgem de vez em quando.

Além de árido, esse é um tema pouco debatido, e nós, frequentadores, esquecemos de nossa responsabilidade com a subsistência da casa, e nos encaminhamos para essas armadilhas já citadas, entendendo esses caminhos como um mal necessário para as nossas atividades, mas que, como meios tortos, têm consequências nas finalidades e, com o tempo, os problemas aparecem.

Não, este texto não vai terminar com uma solução mágica. Ele traz ponderações e alertas, fazendo luz sobre um tema que precisa entrar na pauta, que são os limites e cuidados no financiamento de nossas atividades. Um tema que, apesar de sempre ser enquadrado como acessório, pode se converter em um problema central, seja pela sobrevivência da casa espírita, ou, ainda, por riscos à imagem e de deturpação dos caminhos desejados. Vale o debate!

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita