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por Maria de Lurdes Duarte

 

Há dois mil anos


“Não julgueis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada.” (Mateus, X: 34-35)


“Eu vim trazer fogo à terra, e que quero eu, senão que ele se acenda? Eu, pois, tenho de ser batizado num batismo, e quão grande não é a minha angústia, até que ele se cumpra? Vós cuidais que eu vim trazer paz à terra?” (Lucas, XII:49-51)

 

"Há dois mil anos, esteve Ele entre nós

Trazendo uma Doutrina de Verdade

Que, qual fogo, deveria irradiar

Luz e Amor para toda a Humanidade.

 

Fundamentos de uma Era Futura,

Sementes a germinar Felicidade,

Espada do Amor a simbolizar

Lutas contra as amarras da maldade,

 

Que a nós trazíamos acorrentadas,

E que ainda não soubemos desprender.

Sem nada conseguirmos entender,

 

Saímos com a espada das cruzadas!

Quando iremos nós, finalmente, ver

Que essa luta é no imo de cada ser?!" (Maria de Lurdes Duarte)

 

Mais de dois mil anos se passaram desde a descida do Messias à nossa orbe planetária. Ele era Aquele previamente anunciado pelos profetas, desde todos os tempos. Era o tão ansiosamente esperado pelos judeus, Aquele que traria a libertação do jugo romano e ajudaria a implantar a supremacia do povo hebreu, que se tinha em conta de ser o povo escolhido de Deus.

Entretanto, o que se apressou Ele a declarar, quando interrogado por Pilatos sobre a Sua realeza? “O meu reino não é deste mundo”. Nisso não o soubemos entender. Envoltos no mundo de sombras da época, caraterizado pelas intensas preocupações de cariz material que nos assolavam, pela miséria física e espiritual, pela ignorância, pela escravidão de leis injustas, incoerentes e limitadoras do pensamento, mas também pela escravidão dos vícios, hábitos e atitudes de baixo teor moral, não estávamos capazes de assimilar a ideia de que a libertação anunciada pelo Mestre era a libertação de nós próprios.

Buscávamos a paz, anseio que é perfeitamente compreensível. Mas a paz que procurávamos era apenas a paz política, inclusive a paz que, segundo o nosso entender, nos daria a independência de outros povos. Era a paz/tranquilidade material. E, para a conquistar, contávamos com esse Messias anunciado, nada parecido com Aquele que a figura amável, bondosa, paciente, incentivadora do “Amai-vos uns aos outros”, “Amai os vossos inimigos” e “Perdoai setenta vezes sete vezes”, com que Jesus se apresentou diante dos nossos olhos equivocados. Por isso não o compreendemos. Por isso o rejeitámos.

O Deus que Jesus nos apresentou não era o Deus dos exércitos, o Deus que tinha um povo escolhido; era o Deus Pai: “O meu Pai é também vosso Pai”. Ensinou-nos o modo singelo de nos dirigirmos a esse Deus: “Pai Nosso…”. Era um Deus de Misericórdia, um Deus de Amor, um Deus de Perdão. Na hora suprema da “morte”, Jesus dirige-se ao Deus, que nos apresentara como Pai, e pede-lhe: “Perdoa-lhes, Pai, eles não sabem o que fazem”. Habituados que estávamos ao Deus das escrituras (antigo testamento), não foi fácil percebermos o novo conceito de Deus de que Jesus falava.

No entanto, a Boa Nova, libertadora, consoladora, renovadora, aí ficou, para o futuro. Jesus sabia como éramos limitados, nessa época. Como as nossas possibilidades de compreensão e de assimilação da Sua Mensagem eram poucas. Mas os ensinamentos que ministrava não se destinavam apenas aos seus conterrâneos e contemporâneos. Destinavam-se a todas as gerações vindouras, que em boa verdade, seríamos nós, reencarnados, muitas e muitas vezes, em cada existência física colhendo novos conhecimentos, alargando horizontes intelectuais e morais, em suma, crescendo espiritualmente e aumentando as possibilidades de compreensão do legado do Mestre.

Decorridos estes dois milénios, é altura para sérias reflexões. Evoluímos, disso não tenhamos dúvidas. Se tivermos um mínimo conhecimento da história da Humanidade, e se fizemos um breve relembrar deste tempo transcorrido entre a estadia de Jesus entre nós e a época atual, temos de admitir que os nossos hábitos, modo de pensar e agir, se suavizaram. Isso é sinal de evolução. Estamos longe da perfeição de que Jesus falava quando disse “Sede perfeitos”, mas evoluímos, aperfeiçoamo-nos, temos caminhado a passinhos curtos, demasiado curtos talvez, mais no sentido intelectual do que moral, mas enfim… estamos nessa caminhada mais conscientes e predispostos a mudar.

Mesmo assim, transcorrido tanto tempo, continuamos com imensa dificuldade em compreender a Boa Nova, porque não percebemos ainda que a mudança tem de ser em nós, no nosso interior. A espada de que Jesus falava, ao dizer “Vim trazer a espada”, não era a espada que agitámos perante os “inimigos da religião”, quando de cristãos perseguidos passámos a perseguidores, querendo obrigar, pela força, todos os povos a seguir os nossos ideais religiosos. Espalhamos dor, morte, fizemos cruzadas e guerras religiosas e, se hoje já não brandimos espadas físicas, estamos ainda prontos a agitar, perante os que não professam as nossas ideias, a espada das contendas verbais, ofendendo, magoando, e dando uma triste ideia do que é ser cristão. Em vez de sermos luz num mundo de sombras, consolação num mundo de dor, esperança num mundo de desânimo, quantas vezes afastamos ainda mais os que, já de si, pouca Fé têm, dessa luz que gostaríamos de espalhar, porque usamos a espada da dissensão, da supremacia de uma Fé que agitámos perante as mentes que achamos ignorantes. Pobres ignorante que somos nós! Pobres orgulhosos que nos achamos superiores e tão pouco percebemos dos ensinamentos de Jesus. Como queremos ser Luz, se continuamos imersos na própria sombra?

É altura de usarmos a verdadeira espada da luta contra as próprias imperfeições, contra os atavismos que ainda nos acorrentam e de que tardamos em nos libertar. É essa a função da espada empunhada por Jesus: a luta íntima contra tudo o que nos infelicita, para que sigamos mais libertos dos grilhões dos erros que trazemos do passado. E a luta para que possamos seguir com menos entraves que nos infelicitarão no futuro.

“Eu vim trazer fogo à terra”. Fogo abençoado a incendiar-nos a alma de esperança, de boa vontade, de anseio pela perfeição, de compreensão perante os outros e nós mesmos. Fogo do Amor pela Humanidade, por Deus e por nós próprios. Quem não se ama, quem não procura aperfeiçoar-se para se tornar uma pessoa melhor e mais feliz, como pode cumprir o “Ama o próximo como a ti mesmo”?

Cultivemos a humildade nos nossos corações, para que consigamos perceber o quanto temos ainda de melhorar e usemos a espada e o fogo trazidos pelo querido e amado Mestre Jesus, espalhando no nosso coração as sementinhas do Bem, porque, pelo exemplo do que formos, será o melhor método de disseminar a Mensagem ao mundo que tanto necessita dela. E, se nos sentimos abençoados pelo conhecimento e pela Fé Espírita, lembremo-nos que grande é a nossa responsabilidade, porque, tal como avisou Jesus, “A quem muito foi dado, muito será pedido”.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita