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por Paulo da Silva Neto Sobrinho

 

O Espiritismo não se resume às obras de Allan Kardec


“Como, em tudo, os fatos são mais concludentes que as teorias, e são eles, em última análise, que confirmam ou destroem as últimas.” (ALLAN KARDEC, RE 1867, jun)

 

Infelizmente no movimento espírita brasileiro encontramos inúmeros confrades que agem como se Allan Kardec (1804-1869) tenha falado tudo sobre o Espiritismo e que nada mais seria colocado após ele. Ledo engano! Aliás, vamos demonstrar que ele jamais pensou dessa forma, trazendo o seguinte trecho do artigo “O Moinho de Vicq-sur-Nahon”, publicado na Revista Espírita 1867, mês de abril:

[…] estamos longe de conhecer todas as leis que regem o mundo invisível, todas as forças que este mundo encerra, todas as aplicações das leis que conhecemos. O Espiritismo não disse ainda a sua última palavra, muito longe disto, não mais sobre as coisas físicas do que sobre as coisas espirituais. Muitas das descobertas serão o fruto de observações ulteriores. O Espiritismo não fez, de alguma sorte, até o presente, senão colocar os primeiros degraus de uma ciência cuja importância é desconhecida. Com a ajuda do que já descobriu, ele abre àqueles que virão depois de nós o caminho das investigações numa ordem especial de ideias. Não procede senão por observações e deduções. Se um fato é constatado, se diz que ele deve ter uma causa, e que esta causa não pode ser senão natural, e então ele a procura. Na falta de uma demonstração categórica, pode dar uma hipótese, mas até a confirmação, não a dá senão como hipótese, e não como verdade absoluta. […]. ([1]) (grifo nosso)

Na Revista Espírita 1868, mês de dezembro, o Codificador publica o texto designado de “Constituição Transitória do Espiritismo”. Do tópico VII – Atribuições da Comissão, destacamos a seguinte atribuição da Comissão Central: “2º Estudo dos princípios novos, suscetíveis de entrarem no corpo da Doutrina;” ([2]) (grifo nosso) Julgamos tratar-se de algo que é completamente ignorado no movimento espírita.

Mesmo diante de posições tão claras do Codificador, vemos que nada é aceito se não constar de suas obras, demonstração evidente de falta de aprofundamento doutrinário de grande parte dos espíritas.

A frase que colocamos em epígrafe foi escolhida a dedo, pois vamos provar que, diante dos fatos, Allan Kardec mudou informações repassadas pelos Espíritos superiores, já que para ele “Os fatos, eis o verdadeiro critério dos nossos julgamentos, o argumento sem réplica.” ([3]) (grifo nosso) e que “Os fatos são argumentos sem réplicas, dos quais é preciso cedo ou tarde aceitar as consequências quando são constatados.” ([4]) (grifo nosso)

Em O Livro dos Espíritos, no tópico “Possessos” do cap. IX – Intervenção dos Espíritos no mundo corpóreo, nas respostas às questões 473 e 474, os Espíritos superiores afirmaram que não há posse física, pois “um Espírito não pode substituir-se ao que está encarnado […].” ([5])

Ao tratar do tema em O Livro dos Médiuns, cap. XXIII – Obsessão, no tópico “Subjugação”, item 241, Allan Kardec justifica não ter também adotado o termo possessão “porque implica igualmente a ideia do ‘apoderamento’ de um corpo por um Espírito estranho, de uma espécie de coabitação, quando, na verdade, só existe constrangimento. […].” ([6])

Todos aqueles que leram os fascículos da Revista Espírita têm notícia dos fatos que levaram o Codificador a mudar a informação passada pelos Espíritos superiores, com a qual concordara. Os casos, ou melhor, os fatos que surgiram foram os dos possessos de Morzine, o da Srta. Julie e o da mediunidade do Sr. Morin. Os dois primeiros nós o citamos no ebook Possessão e incorporação: Espíritos possuindo fisicamente os encarnados ([7]), o último, no artigo intitulado Sr. Morin, médium de incorporação da Sociedade Espírita de Paris ([8])

O registro da nova posição podemos encontrá-lo em A Gênese, cap. XIV – Os fluidos, no tópico “Obsessões e possessões”, item 47:

Na obsessão, o Espírito atua exteriormente, com a ajuda do seu perispírito, que ele identifica com o do encarnado, ficando este enlaçado por uma espécie de teia e constrangido a agir contra a sua vontade.

Na possessão, em vez de agir exteriormente, o Espírito livre se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado; toma-lhe o corpo para domicílio, sem que este, no entanto, seja abandonado pelo seu dono, pois que isso só se pode dar pela morte. Por conseguinte, a possessão é sempre temporária e intermitente, porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um Espírito encarnado, considerando-se que a união molecular do perispírito e do corpo só se pode operar no momento da concepção.” ([9]) (grifo nosso)

Essa posição em A Gênese altera o entendimento anterior registrado em O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, que negava a posse física, pois o Codificador, diante dos fatos, se deu por vencido, passando a admitir a posse física do corpo de um encarnado pelo Espírito manifestante.

Se “Na possessão pode tratar-se de um Espírito bom que queira falar, […].” ([10]), como diz Allan Kardec, então a possessão não é necessariamente uma obsessão, como alguém pode ser levado a crer.

Os temas mais polêmicos que atualmente se destacam são: haverá possessão?, a realidade das colônias espirituais, bem como a do umbral, e a existência de animais no mundo espiritual.

Todos os artigos contrários a esses temas que vimos, praticamente, só aparecem como fontes as obras da Codificação, não incluindo entre elas os fascículos da Revista Espírita, é bom frisar, como se nada mais existisse fora delas. Nas pesquisas que realizamos desses temas ([11]) buscamos informações em várias fontes, entre elas os denominados autores espíritas clássicos, dentre eles destacamos Ernesto Bozzano, que é um ilustre desconhecido, mesmo tendo publicado cem obras espíritas ([12])

Acreditamos que temos aí a prova incontestável de que o Espiritismo não se resume às obras de Allan Kardec. Ele é certamente a base, mas devemos, seguindo a lógica espírita, ampliar nossa fonte de pesquisa para as obras não publicadas por ele, iniciando pelas publicadas pelos autores espíritas clássicos.


 

[1]   KARDEC, Revista Espírita 1867, p. 122.

[2]   KARDEC, Revista Espírita 1868, p. 387.

[3]   KARDEC, O Livro dos Espíritos, Introdução, p. 27.

[4]   KARDEC, Revista Espírita 1865, p. 276.

[5]   KARDEC, O Livro dos Espíritos, Livro Segundo, cap. IX, p. 233-234.

[6]   KARDEC, O Livro dos Médiuns, Segunda Parte, cap. XXIII, item 241, p. 262.

[7]   SILVA NETO SOBRINHO, Possessão e incorporação: Espíritos possuindo fisicamente os encarnados, disponível em: LINK-1

[8]   SILVA NETO SOBRINHO, Sr. Morin, médium de incorporação da Sociedade Espírita de Paris, disponível em: LINK-2

[9]   KARDEC, A Gênese, cap. XIV, item 47, p. 260.

[10] KARDEC, A Gênese, cap. XIV, item 48, p. 260.

[11] SILVA NETO SOBRINHO, Possessão e incorporação: Espíritos possuindo fisicamente os encarnados, disponível em: LINK-3As colônias espirituais e a codificação, disponível em: LINK-4Umbral: há base doutrinária para aceitá-lo?, disponível em: LINK-5; e Animais: percepções, manifestações e evolução, disponível em: LINK-6

[12] LOUREIRO, Ernesto Bozzano – Relação cronológica de suas principais obras, disponível em: LINK-7


 

 

 

 

     
     

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