O Espiritismo não se resume às
obras de Allan Kardec
“Como, em tudo, os fatos são mais concludentes
que as teorias, e são eles, em última análise,
que confirmam ou destroem as últimas.” (ALLAN
KARDEC, RE 1867, jun)
Infelizmente no movimento espírita brasileiro
encontramos inúmeros confrades que agem como se
Allan Kardec (1804-1869) tenha falado tudo sobre
o Espiritismo e que nada mais seria colocado
após ele. Ledo engano! Aliás, vamos demonstrar
que ele jamais pensou dessa forma, trazendo o
seguinte trecho do artigo “O Moinho de
Vicq-sur-Nahon”, publicado na Revista
Espírita 1867, mês de abril:
[…] estamos
longe de conhecer todas as leis que regem o
mundo invisível, todas as forças que este
mundo encerra, todas as aplicações das leis que
conhecemos. O Espiritismo não disse ainda a
sua última palavra, muito longe disto, não
mais sobre as coisas físicas do que sobre as
coisas espirituais. Muitas das descobertas
serão o fruto de observações ulteriores. O
Espiritismo não fez, de alguma sorte, até o
presente, senão colocar os primeiros degraus de
uma ciência cuja importância é desconhecida. Com
a ajuda do que já descobriu, ele abre àqueles
que virão depois de nós o caminho das
investigações numa ordem especial de ideias. Não
procede senão por observações e deduções. Se um
fato é constatado, se diz que ele deve ter uma
causa, e que esta causa não pode ser senão
natural, e então ele a procura. Na falta de uma
demonstração categórica, pode dar uma hipótese,
mas até a confirmação, não a dá senão como
hipótese, e não como verdade absoluta. […]. ()
(grifo nosso)
Na Revista
Espírita 1868, mês de dezembro, o
Codificador publica o texto designado de
“Constituição Transitória do Espiritismo”. Do
tópico VII – Atribuições da Comissão, destacamos
a seguinte atribuição da Comissão Central: “2º Estudo
dos princípios novos, suscetíveis de entrarem no
corpo da Doutrina;” ()
(grifo nosso) Julgamos tratar-se de algo que é
completamente ignorado no movimento espírita.
Mesmo diante de posições tão claras do
Codificador, vemos que nada é aceito se não
constar de suas obras, demonstração evidente de
falta de aprofundamento doutrinário de grande
parte dos espíritas.
A frase que
colocamos em epígrafe foi escolhida a dedo, pois
vamos provar que, diante dos fatos, Allan Kardec
mudou informações repassadas pelos Espíritos
superiores, já que para ele “Os fatos,
eis o verdadeiro critério dos nossos
julgamentos, o argumento sem réplica.” ()
(grifo nosso) e que “Os fatos são argumentos
sem réplicas, dos quais é preciso cedo ou
tarde aceitar as consequências quando são
constatados.” ()
(grifo nosso)
Em O Livro
dos Espíritos, no tópico “Possessos” do
cap. IX – Intervenção dos Espíritos no mundo
corpóreo, nas respostas às questões 473 e 474,
os Espíritos superiores afirmaram que não há
posse física, pois “um Espírito não pode
substituir-se ao que está encarnado […].” ()
Ao tratar do tema
em O Livro dos Médiuns, cap. XXIII
– Obsessão, no tópico “Subjugação”, item 241,
Allan Kardec justifica não ter também adotado o
termo possessão “porque implica igualmente a
ideia do ‘apoderamento’ de um corpo por um
Espírito estranho, de uma espécie de coabitação,
quando, na verdade, só existe constrangimento.
[…].” ()
Todos aqueles que
leram os fascículos da Revista Espírita têm
notícia dos fatos que levaram o Codificador a
mudar a informação passada pelos Espíritos
superiores, com a qual concordara. Os casos, ou
melhor, os fatos que surgiram foram os dos
possessos de Morzine, o da Srta. Julie e o da
mediunidade do Sr. Morin. Os dois primeiros nós
o citamos no ebook Possessão e
incorporação: Espíritos possuindo fisicamente os
encarnados (),
o último, no artigo intitulado Sr. Morin,
médium de incorporação da Sociedade Espírita de
Paris ()
O registro da nova posição podemos encontrá-lo
em A Gênese, cap. XIV – Os
fluidos, no tópico “Obsessões e possessões”,
item 47:
Na obsessão, o Espírito atua
exteriormente, com a ajuda do seu perispírito,
que ele identifica com o do encarnado, ficando
este enlaçado por uma espécie de teia e
constrangido a agir contra a sua vontade.
Na possessão,
em vez de agir exteriormente, o Espírito
livre se substitui, por assim dizer, ao Espírito
encarnado; toma-lhe o corpo para domicílio,
sem que este, no entanto, seja abandonado pelo
seu dono, pois que isso só se pode dar pela
morte. Por conseguinte, a possessão é sempre
temporária e intermitente, porque um Espírito
desencarnado não pode tomar definitivamente o
lugar de um Espírito encarnado, considerando-se
que a união molecular do perispírito e do corpo
só se pode operar no momento da concepção.” ()
(grifo nosso)
Essa posição em A Gênese altera o
entendimento anterior registrado em O Livro
dos Espíritos e O Livro dos Médiuns,
que negava a posse física, pois o Codificador,
diante dos fatos, se deu por vencido, passando a
admitir a posse física do corpo de um encarnado
pelo Espírito manifestante.
Se “Na possessão
pode tratar-se de um Espírito bom que queira
falar, […].” (),
como diz Allan Kardec, então a possessão não é
necessariamente uma obsessão, como alguém pode
ser levado a crer.
Os temas mais polêmicos que atualmente se
destacam são: haverá possessão?, a realidade das
colônias espirituais, bem como a do umbral, e a
existência de animais no mundo espiritual.
Todos os artigos
contrários a esses temas que vimos,
praticamente, só aparecem como fontes as obras
da Codificação, não incluindo entre elas os
fascículos da Revista Espírita, é bom
frisar, como se nada mais existisse fora delas.
Nas pesquisas que realizamos desses temas ()
buscamos informações em várias fontes, entre
elas os denominados autores espíritas clássicos,
dentre eles destacamos Ernesto Bozzano, que é um
ilustre desconhecido, mesmo tendo publicado cem
obras espíritas ()
Acreditamos que temos aí a prova incontestável
de que o Espiritismo não se resume às obras de
Allan Kardec. Ele é certamente a base, mas
devemos, seguindo a lógica espírita, ampliar
nossa fonte de pesquisa para as obras não
publicadas por ele, iniciando pelas publicadas
pelos autores espíritas clássicos.