O Bode expiatório
Os psicólogos sociais colocam como um dos grandes
obstáculos ao autoconhecimento o papel do Bode
expiatório, que consiste em transferir para outrem
uma responsabilidade que é nossa. Como proteção à
autoestima, recusamos encontrar em nossa própria
realidade íntima as causas dos fracassos, das más
escolhas e dos desvios éticos. O problema está sempre
nos outros.
A tradição atribui aos antigos hebreus a expressão bode
expiatório. Tratava-se de um costume pelo qual o
sacerdote, durante um período de expiação de culpas da
tribo, pousava as mãos na cabeça de um bode e, por meio
das devidas rezas, exortações e enunciação dos pecados
cometidos transferia-os para o animal que depois era
abandonado no deserto para morrer, levando consigo os
pecados e limpando a comunidade de seus erros. O termo
ficou e hoje é usado para designar aqueles que levam a
culpa de algo, ainda que sendo inocentes.
Exemplo lamentável e trágico de bode expiatório vamos
encontrar na Alemanha nazista, onde, após a derrota na
Primeira guerra mundial, responsabilizou os judeus pela
inflação, pela recessão e pelos sentimentos de
frustração então existentes.
Outro cruel exemplo: nos Estados Unidos entre 1882 e
1930 o número de linchamentos de negros aumentava
fortemente, na medida em que se verificava a queda do
preço do algodão nos estados sulinos.[i]
Em nossos dias, muitos médicos deparam-se com a atitude
hostil de familiares ante um final indesejado de um
paciente grave, culpabilizando a equipe médica, o
hospital etc. Via de regra, agem assim os familiares do
enfermo que se omitiram durante o tratamento.
Se almejamos, de forma sincera, o melhoramento moral,
precisamos alijar de nossa atitude mental, o bode
expiatório, assumindo a responsabilidade ante as más
inclinações que ainda possuímos. Reconhecê-las,
corajosamente, e identificar-se com uma estratégia
eficaz para superá-las é algo que não pode ser
postergado pelos adeptos sinceros do Espiritismo.
Ao advertir-nos quanto ao prioritário em nossa vida,
Kardec colocou:
[...] tendes
muitas coisas que vos tocam mais diretamente, a começar
por vós mesmos. Estudai as vossas próprias imperfeições,
a fim de vos desembaraçardes delas, o que vos será mais
útil do que quererdes penetrar o que é impenetrável.[ii]
[i] Psicologia
social, cap. 7, Aroldo Rodrigues e col.
[ii] O
Livro dos Espíritos, item 14