A fragilidade das ideologias e o ideal
cristão
O presente século tem sido caracterizado sobretudo pela
intensificação da competição ideológica. Nesse sentido,
é pertinente recordar que as ideologias representam
valores, princípios e doutrinas esposados pelos grupos
que as defendem. São essencialmente ideias, concepções e
soluções - advogadas pelos seus partidários e
simpatizantes – visando o conjunto da sociedade a partir
dos que estes entendem como o ideal para a maioria. Dada
a natureza dos temas que abarcam, as ideologias têm sido
empregadas para ressaltar as supostas virtudes de certas
propostas políticas e sociais.
Desse modo, o cidadão que se identifica com certo
ideário está, na verdade, sinalizando as suas mais
íntimas convicções e opiniões. No entanto, vale
ressaltar que as acentuadas divisões que ora se observam
no planeta são frutos de ideologias rivais. E aí reside
um grande problema a considerar: as ideologias são quase
sempre constituídas de ideais fragmentários ou, na
melhor das hipóteses, apenas frações da realidade. Em
outras palavras, as ideias centrais nelas contidas ou
exploradas não seduzem a todos porque simplesmente não
contemplam o quadro geral. O alcance e escopo delas são
limitados, segue daí o fato de que empolgam apenas
determinados grupos ou segmentos que lhe são fiéis.
Além disso, as ideologias sempre espelham a percepção de
seus principais idealizadores. Posto isto, convém
destacar que os seus ideólogos não são seres perfeitos
nem tampouco dotados de uma sabedoria universal
(divina). Apesar de já serem muito evoluídos no campo da
inteligência e cognição, estão, ainda assim, sujeitos a
enxergar e julgar os fatos e os acontecimentos por meio
de vieses ou preconceitos que lhes são peculiares. Assim
motivados não estão aptos a enxergar o todo tal qual ele
é efetivamente. Por conseguinte, ideologias podem, no
máximo, ecoar algum naco da verdade, mas nada mais do
que isso. E por que tal ocorre? Porque as ideologias não
se atêm à pura verdade factual, mas apenas ao que a elas
interessa para sustentar os seus princípios basilares.
Uma analogia aplicável aqui poderia ser a de um
indivíduo que apenas vê as suas qualidades desprezando
os seus acentuados defeitos.
Por outro lado, há indiscutivelmente ideologias muito
ambiciosas em suas intenções e aspirações. As suas
principais propostas externam o claro desejo de mudanças
consideráveis na forma como vivemos e nos organizamos em
sociedade. Desse modo, quando ouvimos ou lemos um texto
escrito por um liberal ou esquerdista sabemos de antemão
em que direção as opiniões e críticas serão sugeridas.
Provavelmente ambos se entrincheiram em torno de
determinadas teses que lhes são caras, não dando espaço
para o aporte intelectual de outras ideias. Outras
ideologias teoricamente menos ambiciosas, no entanto,
apelam para questões mais específicas ou de interesse de
certos grupos (por exemplo, LGBTQIA+, gênero etc.).
Numa rápida análise retrospectiva, pode-se afirmar que o
século passado foi altamente propício à criação e
desenvolvimento de novas ideologias (entre elas o
nazismo e o fascismo). Certamente uma das mais
controversas de todas foi o surgimento do comunismo, que
ainda continua influenciando o pensamento humano. Nesse
sentido, sempre chamou a minha atenção o entusiasmo com
o qual o escritor e jornalista americano – comunista
convicto, por sinal – John Reed (1887-1920) registrou a
Revolução Bolchevique, em seu célebre livro Os Dez
Dias que Abalaram o Humano (aliás, o prefácio da
obra foi assinado pelo próprio Lenin [1870-1924]).
Reed foi o único estrangeiro presente naquele evento
histórico de 25 de outubro de 1917, que mudou a faceta
política do planeta estabelecendo a partir dali divisões
profundas que repercutem até hoje. Cabe destacar que o
ideal comunista curiosamente fincou sólidas raízes onde
menos se esperava, ou seja, num país baseado em economia
agrícola. Dito de outra forma, a Rússia não possuía
nenhuma das características consideradas imprescindíveis
ao florescimento da nova ideologia, segundo previam os
teóricos comunistas. Seja como for, pouco tempo depois
do referido evento, o Czar, Nicolau II e a sua família
foram brutalmente assassinados e uma nova ordem
coletivista foi estabelecida com a abolição da
propriedade privada, supressão das liberdades
individuais e fé cega no Estado.
Por conseguinte, o império soviético se expandiu
consideravelmente depois da 2ª Guerra Mundial, voltando
a minguar nos anos 1980 e agora tenta se consolidar –
embora isso seja pouco provável - novamente. Decorridos
mais de um século, as consequências daquela mudança
radical se fazem ainda sentir, haja vista as causas da
guerra contemporânea na Ucrânia e a real motivação do
atual (sanguinário) líder russo.
É notório que muitas ideologias têm fracassado – como
meio de expressão de um suposto mundo ideal - porque
elas não focam exatamente na veracidade e muito menos
nas pungentes necessidades humanas. Salvo raras
exceções, constituem apenas um tacanho instrumento de
convencimento e persuasão usado habilmente por
manipuladores da verdade interessados na prevalência da
sua forma de pensar e nos seus valores. Ou seja, os seus
criadores geralmente exploram com muita eficiência a
ignorância humana ao destacar os teóricos benefícios
associados ao seu ideário e minimizam e/ou suprimem os
aspectos indesejáveis. Os ideólogos visam
fundamentalmente as mentes acríticas, que aceitam as
teses descabidas sem a devida reflexão e análise. E a
melhor maneira de se precatar contra esse mal é buscar
implacavelmente a verdade.
Não foi sem razão, aliás, que Jesus nos lançou há mais
de 2.000 anos o seguinte repto: “E
conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”
(João 8: 31-32). Eis aí o mais poderoso mecanismo
libertador das consciências. De fato, a busca pelo
conhecimento, esclarecimento e elucidação são aspectos
que conduzem o indivíduo a um entendimento mais profundo
das causas e das coisas que o circundam na vida. De
maneira similar, o Espírito Irmão X, na obra Luz
Acima (psicografia de Francisco Cândido Xavier),
sugere que “Lavemos o pensamento nas fontes cristalinas
da verdade”.
Assim sendo, uma ideologia que não nos estimule ao
desenvolvimento espiritual pouco ou quase nada de
aproveitável poderá, de fato, nos oferecer. Como
Espíritos momentaneamente encarnados – normalmente
pesados infratores das leis celestiais – precisamos de
lições e aprendizados que nos fortaleçam no rumo do bem.
A propósito, a Dra. Cheyl Hunt, editora da publicação
científica Journal for the Study of Spirituality,
escreveu recentemente que “O
estudo da espiritualidade e como ela é compreendida e
praticada talvez nunca tenha sido mais vital do que é
hoje”. Considero tal avaliação precisa
tendo-se em vista que ela foca no que realmente
interessa à nossa evolução. Ideologias impregnadas de
sofismas e meias-verdades não serão úteis às nossas
necessidades espirituais. Pelo contrário. Tendem a
atrapalhar o nosso passo à medida que nos desviam a
atenção de assuntos de real importância e valor.
O que as atuais
ideologias pouco abordam é o fato de que necessitamos de
uma nova ordem no mundo que acabe com a tirania, a
avareza, o egoísmo e a má-fé. Uma ordem que aproxime as
criaturas do criador. Uma ordem, enfim, fundada na
prática do amor e do respeito. Nesse cenário, a figura
de Jesus tem protagonismo e proeminência, já que ele é
indiscutivelmente “o
caminho, e a verdade e a vida” (João, 14: 6). Suas
lições e orientações são atemporais, além de estribadas
na verdade divina. Se já nos sentimos alinhados aos
ideais superiores, é cabível indagar se as ideologias
existentes fomentam ideais de paz e bem-estar geral?
Corrigem injustiças e desequilíbrios de todos os
matizes? Preconizam o progresso e o avanço de toda a
humanidade rumo a Deus? Aproximam os indivíduos e povos
pela via da fraternidade? Almejam, enfim, a felicidade
generalizada? Creio que se as respostas forem positivas,
poderíamos dizer que, lá no fundo, procedem, então, de
Deus, pois o Criador certamente deseja o bem de todos
nós.
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