Artigos

por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

A fragilidade das ideologias e o ideal cristão


O presente século tem sido caracterizado sobretudo pela intensificação da competição ideológica. Nesse sentido, é pertinente recordar que as ideologias representam valores, princípios e doutrinas esposados pelos grupos que as defendem. São essencialmente ideias, concepções e soluções - advogadas pelos seus partidários e simpatizantes – visando o conjunto da sociedade a partir dos que estes entendem como o ideal para a maioria. Dada a natureza dos temas que abarcam, as ideologias têm sido empregadas para ressaltar as supostas virtudes de certas propostas políticas e sociais.

Desse modo, o cidadão que se identifica com certo ideário está, na verdade, sinalizando as suas mais íntimas convicções e opiniões. No entanto, vale ressaltar que as acentuadas divisões que ora se observam no planeta são frutos de ideologias rivais. E aí reside um grande problema a considerar: as ideologias são quase sempre constituídas de ideais fragmentários ou, na melhor das hipóteses, apenas frações da realidade. Em outras palavras, as ideias centrais nelas contidas ou exploradas não seduzem a todos porque simplesmente não contemplam o quadro geral. O alcance e escopo delas são limitados, segue daí o fato de que empolgam apenas determinados grupos ou segmentos que lhe são fiéis.

Além disso, as ideologias sempre espelham a percepção de seus principais idealizadores. Posto isto, convém destacar que os seus ideólogos não são seres perfeitos nem tampouco dotados de uma sabedoria universal (divina). Apesar de já serem muito evoluídos no campo da inteligência e cognição, estão, ainda assim, sujeitos a enxergar e julgar os fatos e os acontecimentos por meio de vieses ou preconceitos que lhes são peculiares. Assim motivados não estão aptos a enxergar o todo tal qual ele é efetivamente. Por conseguinte, ideologias podem, no máximo, ecoar algum naco da verdade, mas nada mais do que isso. E por que tal ocorre? Porque as ideologias não se atêm à pura verdade factual, mas apenas ao que a elas interessa para sustentar os seus princípios basilares. Uma analogia aplicável aqui poderia ser a de um indivíduo que apenas vê as suas qualidades desprezando os seus acentuados defeitos.

Por outro lado, há indiscutivelmente ideologias muito ambiciosas em suas intenções e aspirações. As suas principais propostas externam o claro desejo de mudanças consideráveis na forma como vivemos e nos organizamos em sociedade. Desse modo, quando ouvimos ou lemos um texto escrito por um liberal ou esquerdista sabemos de antemão em que direção as opiniões e críticas serão sugeridas. Provavelmente ambos se entrincheiram em torno de determinadas teses que lhes são caras, não dando espaço para o aporte intelectual de outras ideias. Outras ideologias teoricamente menos ambiciosas, no entanto, apelam para questões mais específicas ou de interesse de certos grupos (por exemplo, LGBTQIA+, gênero etc.).

Numa rápida análise retrospectiva, pode-se afirmar que o século passado foi altamente propício à criação e desenvolvimento de novas ideologias (entre elas o nazismo e o fascismo). Certamente uma das mais controversas de todas foi o surgimento do comunismo, que ainda continua influenciando o pensamento humano. Nesse sentido, sempre chamou a minha atenção o entusiasmo com o qual o escritor e jornalista americano – comunista convicto, por sinal – John Reed (1887-1920) registrou a Revolução Bolchevique, em seu célebre livro Os Dez Dias que Abalaram o Humano (aliás, o prefácio da obra foi assinado pelo próprio Lenin [1870-1924]).

Reed foi o único estrangeiro presente naquele evento histórico de 25 de outubro de 1917, que mudou a faceta política do planeta estabelecendo a partir dali divisões profundas que repercutem até hoje. Cabe destacar que o ideal comunista curiosamente fincou sólidas raízes onde menos se esperava, ou seja, num país baseado em economia agrícola. Dito de outra forma, a Rússia não possuía nenhuma das características consideradas imprescindíveis ao florescimento da nova ideologia, segundo previam os teóricos comunistas. Seja como for, pouco tempo depois do referido evento, o Czar, Nicolau II e a sua família foram brutalmente assassinados e uma nova ordem coletivista foi estabelecida com a abolição da propriedade privada, supressão das liberdades individuais e fé cega no Estado.

Por conseguinte, o império soviético se expandiu consideravelmente depois da 2ª Guerra Mundial, voltando a minguar nos anos 1980 e agora tenta se consolidar – embora isso seja pouco provável - novamente. Decorridos mais de um século, as consequências daquela mudança radical se fazem ainda sentir, haja vista as causas da guerra contemporânea na Ucrânia e a real motivação do atual (sanguinário) líder russo.

É notório que muitas ideologias têm fracassado – como meio de expressão de um suposto mundo ideal - porque elas não focam exatamente na veracidade e muito menos nas pungentes necessidades humanas. Salvo raras exceções, constituem apenas um tacanho instrumento de convencimento e persuasão usado habilmente por manipuladores da verdade interessados na prevalência da sua forma de pensar e nos seus valores. Ou seja, os seus criadores geralmente exploram com muita eficiência a ignorância humana ao destacar os teóricos benefícios associados ao seu ideário e minimizam e/ou suprimem os aspectos indesejáveis. Os ideólogos visam fundamentalmente as mentes acríticas, que aceitam as teses descabidas sem a devida reflexão e análise. E a melhor maneira de se precatar contra esse mal é buscar implacavelmente a verdade.

Não foi sem razão, aliás, que Jesus nos lançou há mais de 2.000 anos o seguinte repto: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8: 31-32). Eis aí o mais poderoso mecanismo libertador das consciências. De fato, a busca pelo conhecimento, esclarecimento e elucidação são aspectos que conduzem o indivíduo a um entendimento mais profundo das causas e das coisas que o circundam na vida. De maneira similar, o Espírito Irmão X, na obra Luz Acima (psicografia de Francisco Cândido Xavier), sugere que “Lavemos o pensamento nas fontes cristalinas da verdade”.

Assim sendo, uma ideologia que não nos estimule ao desenvolvimento espiritual pouco ou quase nada de aproveitável poderá, de fato, nos oferecer. Como Espíritos momentaneamente encarnados – normalmente pesados infratores das leis celestiais – precisamos de lições e aprendizados que nos fortaleçam no rumo do bem. A propósito, a Dra. Cheyl Hunt, editora da publicação científica Journal for the Study of Spirituality, escreveu recentemente que “O estudo da espiritualidade e como ela é compreendida e praticada talvez nunca tenha sido mais vital do que é hoje”. Considero tal avaliação precisa tendo-se em vista que ela foca no que realmente interessa à nossa evolução. Ideologias impregnadas de sofismas e meias-verdades não serão úteis às nossas necessidades espirituais. Pelo contrário. Tendem a atrapalhar o nosso passo à medida que nos desviam a atenção de assuntos de real importância e valor.

O que as atuais ideologias pouco abordam é o fato de que necessitamos de uma nova ordem no mundo que acabe com a tirania, a avareza, o egoísmo e a má-fé. Uma ordem que aproxime as criaturas do criador. Uma ordem, enfim, fundada na prática do amor e do respeito. Nesse cenário, a figura de Jesus tem protagonismo e proeminência, já que ele é indiscutivelmente “o caminho, e a verdade e a vida” (João, 14: 6). Suas lições e orientações são atemporais, além de estribadas na verdade divina. Se já nos sentimos alinhados aos ideais superiores, é cabível indagar se as ideologias existentes fomentam ideais de paz e bem-estar geral? Corrigem injustiças e desequilíbrios de todos os matizes? Preconizam o progresso e o avanço de toda a humanidade rumo a Deus? Aproximam os indivíduos e povos pela via da fraternidade? Almejam, enfim, a felicidade generalizada? Creio que se as respostas forem positivas, poderíamos dizer que, lá no fundo, procedem, então, de Deus, pois o Criador certamente deseja o bem de todos nós.


 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita