Mudar o outro? Desista!
Conversando com uma tarefeira espírita, disse-me ela,
desanimada, após uma crise com o marido:
- Vou deixar o Espiritismo. Frequento o centro, há mais
de dez anos, e meu marido não melhorou nem um pouco!
Minha condição de inferioridade levou-me a pensar: está
no Espiritismo, há dez anos, e não compreendeu nada.
Uma atitude relativamente comum: aplicarmos os
ensinamentos espíritas nos outros. Diante de uma
palestra edificante, costumamos pensar: “Pena que o
fulano não estava aqui para ouvir; o que o expositor
disse se encaixa perfeitamente nele”. Isso significa que
ainda não fomos tocados afetivamente pelo ensinamento,
que está em nossa cabeça, mas não desceu para o coração.
O ensino começa a funcionar quando nos damos conta de
que o progresso é pessoal e intransferível. O contato
com pessoas boas pode nos sensibilizar para a mudança,
mas ela, efetivamente, se dará dentro de nós, a partir
de uma tomada de decisão pessoal.
Desde que me entendo por gente, meu pai gostava de uma
cachacinha e minha mãe de um cigarrinho. A vida toda, um
implicando com o outro. Quando o jornal publicava uma
matéria sobre os malefícios do cigarro, meu pai mostrava
para minha mãe, dizendo: “Tá vendo?”
Quando saía uma notícia falando dos problemas da
cachaça, minha mãe mostrava para meu pai: “Olha só!”.
Foram assim mais de cinquenta anos. Resultado: meu pai
morreu tomando sua cachacinha, e minha mãe fuma até
hoje.
Não com isso que devamos fechar os olhos para os
defeitos das pessoas que queremos bem, como se isso não
fosse da nossa conta. Se as amamos de verdade, queremos
que vivam melhor e sejam melhores, mas é preciso saber
como agir.
A esse respeito, o Evangelho segundo o Espiritismo traz
lição em duas questões propostas por Kardec e
respondidas por um de seus guias:
Como ninguém
é perfeito, podemos deduzir que ninguém tem o direito de
repreender o próximo?
- Certamente que não, pois cada um de vocês deve
trabalhar para o progresso de todos, e sobretudo dos que
estão sob a sua responsabilidade. Mas isso deve ser
feito com moderação, com uma intenção útil, e não como
geralmente se faz, pelo prazer de criticar. Neste último
caso, a censura é uma maldade; no primeiro, é um dever
que a caridade manda cumprir com todas as cautelas
possíveis. Outra coisa importante: a censura que fazemos
ao outro deve ser endereçada também a nós mesmos, para
vermos se não a merecemos.
Será repreensível observar as imperfeições dos outros,
quando disso não possa resultar nenhum benefício para
eles, e mesmo que não as divulguemos?
- Tudo depende da intenção. Certamente que não é
proibido ver o mal, quando o mal existe. Seria mesmo
inconveniente ver somente o bem: essa ilusão
prejudicaria o progresso. O erro está em fazer essa
observação em prejuízo do próximo, desacreditando-o sem
necessidade diante da opinião pública. Seria ainda
repreensível agir assim com um sentimento de maldade, e
de satisfação por identificar os outros em falta. Mas
quando observamos o mal para proveito pessoal, ou seja,
para estudá-lo e evitar aquilo que censuramos nos
outros, isso é válido.